sexta-feira, 29 de março de 2013

PEC 37: Volta ao eixo constitucional. Luiz Flávio Borges D'Urso.


SEXTA-FEIRA, 29 DE MARÇO DE 2013
PEC 37: Volta ao Eixo Constitucional

por Luiz Flávio Borges D’Urso


Uma recente decisão da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, que aprovou a PEC 37/2000, retoma o debate sobre o suposto poder de investigação do Ministério Público.
A Proposta de Emenda Constitucional aprovada impede que o MP investigue ilícitos penais, como previsto na Constituição Federal.

Essa volta ao eixo é positiva para o Estado de Direito. A Constituição Federal estabelece um sistema de equilíbrio na fase de investigação , visando o interesse da Justiça. Por isso, quem acusa, não pode comandar a investigação para não comprometer a ótica da isenção. Dessa forma, o texto constitucional atribuiu o inquérito penal exclusivamente à autoridade policial, que comanda a investigação.

Mas mesmo com a atribuição definida na Carta Magna, promotores e procuradores insistem em participar da investigação criminal e a matéria estava sendo analisada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) até que o ministro Luiz Fux pediu vista do processo.

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37/2010, de autoria do deputado Lourival Mendes e relatada pelo deputado Fábio Trad, restabelece à autoridade policial a atribuição de promover a investigação criminal direta, que busca chegar à autoria do delito, causas e circunstâncias.

A decisão é incontestável. Sendo o MP parte do processo, não deve nem pode ser o responsável pela investigação porque isso desequilibraria as forças que atuam na investigação, que devem ficar nas mãos isentas das autoridades policiais. Estas, ao final da apuração, remetem as conclusões ao MP, para que este – se for o caso – venha a oferecer denúncia.

Certamente, que o MP tem outras funções, tem o poder, por exemplo, de requisitar documentos, reclamar presença de testemunha, que se não comparecerem poderão ser acusadas de crime de desobediência; enquanto o advogado não tem esses poderes. Portanto, se for permitido aos promotores e procuradores realizarem a investigação, a defesa terá dificuldades em equilibrar a paridade de armas, com igualdade de condições. Não é possível ao advogado exigir que alguém entregue determinadas informações num prazo determinado.

A despeito desses argumentos, parecer do jurista José Afonso da Silva, elaborado em 2004, quando a OAB SP e outras entidades formaram uma frente contra a investigação criminal do Ministério Público, tornam claras as competências no campo constitucional.

O professor José Afonso rejeita o argumento que por ser titular da ação penal pública, o MP também teria o poder da investigação criminal: “Nenhuma é mais , nenhuma é menos. São o que são, porque as regras de competência são regras de procedimento ou regras técnicas, havendo eventualmente regras subentendidas (não poderes implícitos) às regras enumeradas, porque submetidas a essas e, por conseguinte, pertinentes ao mesmo titular. Não é o caso em exame porque as regras enumeradas, explicitadas, sobre investigação na esfera penal, conferente esta à polícia judiciária, e são regras de eficácia plena, como costumam ser as regras técnicas.”

O texto constitucional é muito claro ao prever a competência exclusiva da Polícia Judiciária para promover a investigação na esfera penal. Também não faz qualquer menção ao fato de que o MP possa instaurar e presidir inquéritos nessa esfera. Assim sendo, a aprovação da PEC 37/2000 restitui a exclusividade dos poderes investigatórios da Polícia Judiciária e fortalece o Estado Democrático de Direito.

Luiz Flávio Borges D’Urso, advogado criminalista, mestre e doutor pela USP, é presidente da OAB SP.

quinta-feira, 28 de março de 2013

A PEC da Legalidade contra o Estado-Terror.

PEC da Legalidade contra o Estado-Terror
“Não me parece sensato um sistema que autorize o Ministério Público usurpar
a principal função da polícia judiciária (investigar), que sobreponha a
acusação em detrimento da defesa e que permita funções sobrepostas gastando
em duplicidade o dinheiro público”, diz autor da PEC 37


Lourival Mendes *
Muito se tem discutido sobre a PEC 37/2011, de minha autoria. Alguns
opositores insistem em patrocinar uma campanha em setores da mídia tentando
macular os reais propósitos desta proposta de emenda constitucional. Com
todo o respeito, a superficialidade leva a conclusões apressadas. Se me
permitem, gostaria de mencionar alguns argumentos.
Entre as instituições que concordam com a impossibilidade de o Ministério
Público investigar – ou seja, apoiam a PEC 37/2011 –, estão a Ordem dos
Advogados do Brasil, a Advocacia Geral da União, a Defensoria Pública, a
Polícia Federal e as polícias civis. Quem discorda é o Ministério Público.
A Ordem dos Advogados do Brasil é autora da ação direta de
inconstitucionalidade (ADIN nº 4220) que pretende deixar claro que o texto
constitucional não permitiu que o Ministério Público investigasse. Da mesma
maneira, manifestou-se a Advocacia Geral da União. Renomados juristas como
os desembargadores Edson Smaniotto (TJDFT) e Alberto José Tavares Vieira da
Silva (TRF 1ª) e o constitucionalista Ives Gandra da Silva Martins já se
declararam, em diversas passagens, favoráveis à PEC 37/11.
Fica a seguinte pergunta: “será que toda uma comunidade jurídica estaria
errada e somente o órgão acusador estaria certo?”.
A discussão passa por juízo de igualdade das partes no processo. Há na
gênese do processo um princípio denominado “paridade de armas”, ou seja, as
partes têm de ter igualdade de meios e oportunidades durante o processo. Num
processo justo, tanto a defesa quanto a acusação têm as mesmas chances de
acusar e defender.
Investigar é produzir provas. Investigar é levantar os dados e informações
inerentes a um crime. Se uma das partes do processo (parte acusatória) puder
produzir as provas, e a parte ex-adversa (defesa) não tiver esta
oportunidade, então quebramos a paridade de armas no processo.
No Brasil, temos: a separação da função de investigar (polícia judiciária)
que irá produzir as provas a serem levadas à análise do juízo, função de
acusar (Ministério Público), função de defender (advocacia pública ou
privada, defensoria pública) e função de julgar (magistratura).
Se a parte acusatória for quem produz as provas, logicamente serão
produzidas as provas que interessem à acusação, com vistas à condenação. A
defesa ficará prejudicada. Quem garante que o órgão acusador (MP) irá se
preocupar com as provas de defesa?
A polícia, por sua vez, não é acusação nem defesa. Ela atua numa fase
antecedente ao processo (inquérito policial), e produz as provas a serem
levadas a juízo, provas a serem contraditadas pela acusação e defesa durante
o processo, provas a serem analisadas pelo juiz, dotado de imparcialidade.
E, apenas lembrando, a acusação (Ministério Público) é dotada de orçamento e
servidores para realizar tarefas. Na grande maioria dos casos, a defesa
resume-se a um único advogado. Se quem investiga for quem acusa, teremos uma
distorção no processo.
É importante não nos esquecermos do fundamento ético da posição de nosso
sistema processual. Quando se adentra ao estudo da “ética” somos logo
encantados pelo “utilitarismo”, o qual leva à conclusão de que se um
determinado fim for nobre, então é possível e justificável que se utilize de
qualquer meio.
Este mesmo utilitarismo aproxima-se em muito da máxima de Maquiavel, a qual
foi parafraseada no dito popular de que os fins justificam os meios. Ou
seja, se a corrupção em nosso país ainda é grande, então passemos por cima
da igualdade das partes e condenemos em massa os corruptos. Todavia, esta
máxima também foi muito utilizada por Hegel na formação do reichalemão, por
Robespierre no período do terror da França, e pelos períodos ditatoriais
existentes na história de nosso país.
Permitir que o MP investigue seria criarmos uma superposição da acusação em
relação à defesa. Seria quebrar a paridade de armas e negar a existência de
um processo baseado em princípios democráticos. Chegaríamos à máxima de que,
para se condenar um corrupto, tudo é válido, – esqueçamos as provas que a
Polícia Judiciária coleta, as quais servirão a todo o sistema de justiça
criminal, ou seja, tanto para a acusação quanto para a defesa – esqueçamos
também que pessoas podem ser condenadas injustamente. Nessa linha o que
importaria seria tão-somente a acusação, porque o que realmente importaria
seria o fim. Ou seja, a condenação. Os fins justificariam os meios.
Sem dúvida alguma, é importante que o Brasil evolua e atinja um grau de
moralidade pública, ninguém é a favor da corrupção, notadamente um delegado
de polícia. Todavia, para chegarmos a este estágio, não podemos macular o
processo, desrespeitar garantias constitucionais e instalarmos um
Estado-acusador ou Estado do Terror.
Lembrei-me neste contexto de um dos meus mais diletos escritores, Franz
Kafka. Em permitindo que o MP investigue, teríamos um processo kafkaniano,
na qual a acusação produz as provas a serem utilizadas no processo. A defesa
não teria meios de provar as suas teses, pois neste contexto não existiria
mais uma instituição desvinculada da acusação (polícia judiciária) que
inventariava todo tipo de prova (no inquérito policial).

Devemos nos lembrar que uma das primeiras preocupações de um regime não
democrático é orientar e direcionar o aparelho policial para a acusação. A
contrário sensu, a principal garantia de uma democracia é a separação e o
distanciamento da Polícia Judiciária do órgão acusador. Se tivermos nossas
Polícias Judiciárias servindo aos interesses da acusação, significa dizer
que teremos todo o Estado trabalhando para condenar pessoas.
As polícias judiciárias têm a função de esclarecer os fatos. Cabe a estas
produzir as provas a serem posteriormente ofertadas às partes (acusação e
defesa) a fim de defenderem seus legítimos interesses e ao juízo para que
possa prolatar sua decisão final.
Por este motivo que o trabalho da polícia judiciária tem de ser conduzido
com isenção e imparcialidade. O Ministério Público é parte do processo. Por
isso, é de sua natureza agir com parcialidade. Não cabe a ele produzir
provas. É ilegítimo que investigue.
Não podemos nos esquecer de que a grande maioria dos inquéritos serve também
para a defesa. É comum ouvir críticas ao inquérito policial dizendo que há
um grande número de inquéritos que são arquivados sem denúncia. Esta é a
maior prova de que nosso sistema está correto, pois o inquérito policial não
se destina a acusar pessoas. A finalidade do inquérito e da polícia
judiciária é demonstrar os fatos. O resultado do apurado, investigado e
reconstituído poderá ser no sentido de que houve ou não um crime. Este
resultado poderá ser o de que houve um crime, mas foi em legítima defesa. O
mesmo resultado poderá ainda ser de o fato ter acontecido por um acidente,
evento da natureza, etc.
A advocacia também se vale dos elementos colhidos e contidos nos inquéritos
para formular suas teses defensivas. E como seria um sistema no qual o
Ministério Público foi quem investigou e se preocupou em inventariar
unicamente as provas de acusação?
Por isso é que tanto a OAB, a Defensoria, a AGU e as polícias civil e
Federal defendem que a investigação seja feita por policiais. As polícias
não são parte no processo. Atuam numa etapa antecedente. As polícias sofrem
o controle externo do MP, mas não trabalham para a acusação. Da mesma forma,
as polícias também sofrem o controle externo da advocacia, pois estas podem
requerer diligências ou acompanhar o feito, ter vistas (Súmula Vinculante nº
14 do STF) etc.
E é justamente por isso que o MP luta faz algumas décadas para que a Polícia
seja subordinada a ele, pois tendo o controle sobre a força de trabalho e os
meios de produção (parafraseando Marx), então, terá domínio sobre todo o
processo, conseguindo o resultado que bem lhe aprouver.
O grande prejudicado com uma eventual autorização constitucional ou legal
para que o Ministério Público investigue é justamente o indivíduo. O cidadão
é quem sofrerá as consequências. A defesa do cidadão é que ficará sem ter
elementos para defendê-lo. No atual sistema, a polícia judiciária coleta
todos os elementos e os registra no inquérito policial, o qual pode ser
auditado e controlado por acusação e defesa.
Foi justamente nesta orientação ideológica que os parlamentares que
participaram da Constituinte de 1988 não permitiram que o MP investigasse.
Todavia, o que se tem visto é o MP instaurar procedimentos investigativos
sobre os mais diversos argumentos. Neste afã, o Ministério Público criou uma
linha argumentativa de que a CF de 1988 lhe outorgaria esse poder. Neste
prisma, surgiu a necessidade da PEC 37/11 de modo a reafirmar a intenção do
constituinte em separar as funções de Estado e manter o atual processo
democrático, respeitando-se a paridade entre acusação e defesa.
Aqui não se trata de falarmos de uma preocupação das polícias judiciárias em
defender sua função constitucional, mas de resguardarmos a higidez das
funções de Estado e do sistema processual penal brasileiro. Por estes
motivos, é que a PEC 37/11 foi batizada de PEC da Legalidade.
Se não bastassem tais argumentos, gostaria de frisar que em homenagem ao
princípio da eficiência inserido no art. 37 da Carta Magna, caberia a cada
ente estatal desempenhar uma única missão constitucional.
Não há razões plausíveis para dizer que a mesma função caberia a duas ou
mais instituições públicas. Isto poderia resultar em retrabalho, ou
duplicidade de trabalho com dispêndio de dinheiro público. Por exemplo, a
condução da economia cabe ao Ministério da Fazenda. Seria ilógico se o
governo resolvesse criar dentro do Ministério da Saúde uma estrutura
paralela para estudar a condução da economia nacional. Da mesma forma, seria
ilógico termos a polícia judiciária e o MP investigando simultaneamente, sob
o pseudoargumento de que, quanto mais gente investigando, melhor para o
país. Esta situação anacrônica autorizaria então o país a criar vários
exércitos caso entrasse em guerra (pois quanto mais, melhor). O que temos
visto na história é que, ainda que estejamos em situações de crise aguda
(guerra), não se autoriza duplicidade de funções, mantendo-se um único
exército com coordenação única, e sem haver duplicidade de funções.
A máquina pública é regida pelos princípios da eficiência, economicidade e
legalidade. Nesta situação, teríamos a duplicidade de gastos com o dinheiro
público, possivelmente duplicidade de funções e um resultado pouco
eficiente.
Não me parece sensato um sistema que autorize o Ministério Público usurpar a
principal função da polícia judiciária (investigar), que sobreponha a
acusação em detrimento da defesa e que permita funções sobrepostas gastando
em duplicidade o dinheiro público.
Por fim, cabe mencionar que a sociedade brasileira superou com muito custo
uma série de momentos históricos sem democracia. Foi com muita dificuldade
que consolidamos as balizas do atual processo democrático. Foram superados
vários regimes ditatoriais para chegarmos aonde estamos. S e começarmos a
retroagir as garantias de nosso modelo, então ficará a seguinte pergunta:
“de quem será a próxima ditadura?”
* É deputado pelo PTdoB do Maranhão, autor da PEC 37/2011, delegado de
polícia e ex-presidente da Associação dos Delegados de Polícia Civil do
Maranhão.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Colombianos são contra porte mínimo de drogas sintéticas. Consultor Jurídico



4fevereiro2013
CONSUMO PRÓPRIO

Colombianos são contra porte mínimo de drogas sintéticas

Pesquisa feito pelo governo colombiano mostrou que a população do país é contra a proposta de descriminalizar o porte da dose mínima de drogas sintéticas derivadas de anfetaminas, como oecstasy. O levantamento revelou que 81,5% dos colombianos não concordam com a proposta de legalizar o porte de até três compridos ou pastilhas de derivados de anfetaminas, com exceção das metanfetaminas. Somente 9% dos entrevistados se disseram favoráveis.
A descriminalização do porte de drogas sintéticas para consumo próprio foi sugerida pelo governo da Colômbia, que tem um anteprojeto de lei para alterar o atual "Estatuto de Estupefacientes", em vigor há quase 30 anos.
No meio político, o Partido Conservador, que reúne o segundo maior número de membros no Congresso e aliado do governo colombiano, rejeitou a ideia. O presidente do partido, senador Efraín José Cepeda, afirmou que o projeto é um retrocesso para o país. Segundo ele, a decisão de permitir o porte de drogas sintéticas afetaria a sociedade, especialmente a juventude.
Do mesmo modo, o procurador-geral da Nação, Alejandro Ordóñez Maldonado, rejeitou a proposta para as anfetaminas. Segundo ele, a ideia não foi devidamente avaliada pelo governo para ser sugerida. Ele diz que irá propor a realização de um referendo para discutir o tema.
Favorável à medida, a ministra da Justiça Ruth Stella Correa afirma que estabelecer uma dose mínima de drogas sintéticas facilitaria o controle e que a mudança não caracterizaria uma descriminalização. Para ela, o governo não faz nada além do que regular um tema definido em diferentes pronunciamentos da Corte Constitucional da Colômbia — órgão que regula o Judiciário, como poderes semelhantes ao STF.
As apreensões de drogas sintéticas têm crescido na Colômbia. Durante o ano passado foram apreendidos 90,9 mil comprimidos, mais que o dobro do total de 2011, 47,1 mil. Com informações da Agência Brasil.

Internação Forçada em São Paulo é questionada por especialista.

Mentor de melhor plano antidrogas europeu questiona internação forçada

O português João Goulão, chefe de agência europeia, afirma que a descriminalização de entorpecentes facilita tratamento de usuários

  • Marina Novaes
    Direto de São Paulo

João Goulão fala sobre o plano antidrogas que fez de Portugal uma referência no mundo no enfrentamento do problema  Foto: Observatório Europeu da Droga e Toxicodependência (OEDT) / Divulgação
João Goulão fala sobre o plano antidrogas que fez de Portugal uma referência no mundo no enfrentamento do problema
Foto: Observatório Europeu da Droga e Toxicodependência (OEDT) / Divulgação
Desafiados pelo crescimento da população usuária de crack, os Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro adotaram, no início deste ano, estratégias de tratamento baseadas na internação compulsória e involuntária dos dependentes químicos, em uma tentativa de acabar com suas cracolândias. Embora evite opinar sobre a política adotada no Brasil, João Goulão, chefe das agências de combate às drogas de Portugal e da Europa – e responsável por uma das políticas antidrogas mais respeitadas do mundo –, questiona a eficácia da estratégia, mas pondera: o crack impõe um desafio mais difícil a ser superado.
"A grande diferença é que o nosso problema principal era o consumo de heroína (em Portugal), e com a heroína nós dispomos de armas terapêuticas muito importantes, como a metadona. Enquanto que com o crack, ainda não dispomos de nenhum medicamento semelhante", afirmou o especialista, presidente do Observatório Europeu da Droga e Toxicodependência (OEDT), em entrevista ao Terra
Há cerca de 40 dias, o governo do Estado de São Paulo implantou um plantão judicial no Centro de Referência de álcool, tabaco e outras drogas (Cratod), com juízes, advogados e representantes da Promotoria encarregados de autorizar a internação compulsória e involuntária de dependentes químicos, mediante recomendação médica. No primeiro mês de plantão, foram executadas 223 internações, das quais 206 foram voluntárias (as pessoas foram convencidas a aceitar o tratamento), 17 involuntárias (com a autorização da família) e nenhuma compulsória (quando não é necessária autorização prévia da família).
Já Portugal se livrou de suas "cracolândias" ao criar uma rede de tratamento dos dependentes, no final da década de 1990, baseada na abordagem personalizada e focada na "conquista da confiança" do usuário – na qual a interrupção do uso do entorpecente não era o foco inicial, mas a consequência da intervenção. Mas foi com a descriminalização do consumo de drogas, em 2001, que o país se tornou uma referência no assunto.  No país, as drogas não são legalizadas, mas os usuários não sofrem punições criminais e são "dissuadidos" a abandonar o consumo com o tempo.
"O fato é que a descriminalização realmente favoreceu o nosso trabalho. Trouxe coerência e reduziu o estigma", avaliou. Com a medida, foi possível, por exemplo, que os agentes de saúde passassem a oferecer seringas descartáveis aos usuários de heroína, com o objetivo de diminuir a transmissão de doenças como a aids.
Apesar da experiência bem-sucedida, João Goulão diz que não se atreve a "exportar" o modelo português para outros países e é enfático ao afirmar que "cada país tem que encontrar seu próprio caminho".
Leia abaixo os principais trechos da entrevista: 
Terra - Como Portugal se livrou de suas "cracolândias"?
João Goulão - Nós tivemos uma realidade muito complicada e de, alguma forma, comparável ao fenômeno das cracolândias em algumas cidades portuguesas. Em Lisboa, tínhamos o bairro Casal Ventoso, que chegou a ser conhecido como o maior supermercado de drogas da Europa, marcado sobretudo pela presença da heroína. Em 1998, fizemos uma ação concentrada entre várias entidades, que por um lado buscava a reabilitação urbana do bairro e, por outro lado, focava em uma intervenção das forças policiais, mas sempre acompanhadas por equipes de saúde. E quando houve uma intervenção mais espetacular, digamos assim, nós já tínhamos uma estrutura capaz de dar respostas na área de saúde, resgatando e respeitando algumas das necessidades mais básicas daquela população.  Isso aconteceu antes de aprovarmos aquelas medidas mais emblemáticas da política antidrogas adotadas por Portugal, entre elas a descriminalização. O sucesso dessa intervenção foi o uso de uma postura humanista.
Terra - Quais as impressões que o senhor teve ao conhecer pessoalmente a cracolândia paulista?
Goulão - É muito parecido com a realidade que a gente vivia em Lisboa há mais de uma década e o grau de degradação das pessoas que por ali andavam é muito comparável. A grande diferença, em termos de capacidade de intervenção, é que o nosso problema principal era o consumo de heroína. E com a heroína nós dispomos de armas terapêuticas muito importantes, como a metadona, que é uma terapêutica de substituição que permite evitar que as pessoas tenham ataques e sofram pela falta da heroína. E com o crack não dispomos, não há medicamentos com características semelhantes. Portanto, a intervenção "médica" para os usuários de crack é mais complicada, pela inexistência de uma terapêutica.  Porque, de fato, as pessoas estão completamente desprovidas de qualquer daquilo que chamamos força de vontade. A verdade é que é muito difícil conquistar a confiança delas (nessa situação) e convencê-las da necessidade de se submeterem a um tratamento.
A internação compulsória funciona? A princípio, sou contra. Porque o internamento compulsivo é necessariamente limitado no tempo
João Goulãopresidente do Observatório Europeu da Droga e Toxicodependência (OEDT)
Terra - São Paulo implantou recentemente um plantão judiciário para viabilizar a internação compulsória e involuntária dos dependentes químicos. Portugal adotou algo semelhante?
Goulão - Não. Em Portugal não tivemos a necessidade de trabalhar com internação compulsória propriamente dita. A nossa estratégia era de convidar as pessoas (a visitar os centros de saúde), oferecendo às pessoas algumas possibilidades de atender às suas necessidades mais básicas: tomar um banho, colocar uma roupa limpa, comer. Depois, fomos convidando as pessoas a se tratarem, sem forçar ninguém. Tentamos também identificar se as pessoas tinham doenças contagiosas, como tuberculose, e aí oferecemos a realização de exames de radiografia, por exemplo, além de consultas. Enfim, aos poucos fomos desenvolvendo para cada uma delas um plano individual. Não foi uma intervenção massificada pura e simples. Tentamos corresponder às necessidades que cada uma dessas pessoas tinha.
Terra - Qual a sua opinião sobre a eficácia da internação à força?
Goulão - Eu não me atrevo em emitir um juízo de opinião, porque não conheço a realidade de São Paulo de perto. Eu penso que cada problema e cada realidade exige a busca de soluções que não são exportáveis. Não me atrevo a tentar exportar o modelo de tratamento que adotamos aqui em Portugal para realidades diferentes da nossa. Em abstrato, se me perguntam: a internação compulsória funciona? A princípio, sou contra. Porque o internamento compulsivo é necessariamente limitado no tempo. E o que acontecia, em Portugal, é que as pessoas, assim que saíam dessas estruturas de tratamento, invariavelmente recaíam (sobre o uso da droga). Então não representava uma solução realmente consolidada. Mas repito: não me atrevo a dizer, no caso concreto de São Paulo. Quero crer que as autoridades estão agindo da melhor forma.
Terra - Em Portugal as empresas abraçaram o programa de reinserção social dos dependentes químicos. Como vocês conseguiram convencer as empresas a dar empregos às pessoas em tratamento?
Goulão - Há uma circunstância também que eu penso que é bastante diferente da realidade do Brasil e da realidade de Portugal. Neste bairro, o Casal Ventoso, nós não encontrávamos apenas pessoas das classes mais desfavorecidas e mais marginais, nem minorias étnicas, nem nada. Encontrávamos ali os filhos de gente pobre, mas também estavam os filhos das classes médias e os filhos das classes altas. Ou seja, era algo completamente transversal na sociedade portuguesa. As vítimas dessas situações eram filhos de empresários, filhos de políticos, filhos de todas as classes sociais. Quando isso acontece, as pessoas pensam: 'o meu filho não é um criminoso, o meu filho é um bom rapaz e quando se curar vai precisar de um lugar para trabalhar. Se eu vou encontrar oportunidade para o meu filho, tenho que ajudar também os filhos dos outros'. Então o governo fez parcerias com as empresas para incentivar a contratação de pessoas reabilitadas, e aos poucos a atitude da sociedade em geral foi se modificando, porque muitas dessas oportunidades se revelaram positivas. Mas no Brasil, penso que os fenômenos das cracolândias estão ainda muito ligadas à pobreza e à marginalização, então não existe uma sensibilização transversal na sociedade, como ocorreu em Portugal.
Terra - O que a descriminalização das drogas influenciou sobre o trabalho de vocês?
Goulão - A grande virtude da descriminalização foi dar coerência a todas estas medidas que fomos tomando. Porque há um pressuposto em todas essas intervenções: que isso é uma doença e que se conseguem muito mais benefícios pelos tratamentos e cuidados com a saúde, muito mais que com a prisão. A partir daí, as intervenções preventivas passaram a abordar as consequências que o uso de drogas traz para a vida dessas pessoas, não as consequências criminais. E a intervenção para tratamento tornaram-se mais fáceis, porque as pessoas passaram a deixar nos aproximar, porque sabem que terão tratamento, com a certeza que isso não lhes traz quaisquer consequências com a polícia ou com a Justiça.  Com isso, em um determinado momento em meados da década passada, nós tínhamos cerca de 40 mil consumidores de heroína em tratamento, e mais de 40% dessas pessoas estavam a trabalhar.
Terra - Houve um aumento do consumo ou da procura por drogas após a descriminalização?
Goulão - Acontece que as forças policiais continuam a combater o tráfico de drogas já que elas não foram legalizadas, apenas os usuários passaram a não sofrer punições legais, e isso é uma ação importante. E as forças policiais ficaram livres de ter de lidar com processos intermináveis por mero consumo e puderam dirigir seus recursos para o combate ao grande tráfico.
Terra - Como é o bairro Casal Ventoso hoje?
Goulão - Foi reabilitado do ponto de vista urbanístico. Perdeu o status de supermercado de drogas. Mas vai e vem. De vez em quando há um aumento do tráfico naquele bairro, mas aí tem intervenções que evitam que ele volte a ser o que era antes.
Terra - E como conquistar a confiança dos usuários de crack especificamente?
Goulão - Isso depende muito do contato continuado com os profissionais de saúde, pela insistência em se ganhar essa confiança através de pequenos passos. Não focando muito no objetivo de interromper o consumo, mas proporcionando formas de cuidarem um pouco, mesmo que esse consumo se mantenha. Acho que não se pode colocar como condição prévia a qualquer intervenção o fim do consumo da droga. Isso acaba por vir mais tarde, quando de fato as pessoas confiam que não vão ser humilhadas, não vão ser maltratadas, pelo contrário, quando elas percebem que esses agentes que as abordam nas ruas querem ajudá-las. Mas também diria que cada país tem que encontrar seu próprio caminho. Infelizmente, não há uma receita que seja possível exportar de um país para o outro. 

Aula 28. Inalantes. Curso "Street Drugs".


A devastação das drogas sintéticas. Carlos Alberto Di Franco para O Estado de São Paulo


A devastação das drogas sintéticas

04 de março de 2013 | 2h 06
Carlos Alberto Di Franco *
Uma nova droga destruidora ameaça a juventude: a cápsula do vento. Trata-se de um pó branco, de aparência comum, mas devastador. É um derivado da anfetamina e tem propriedades alucinógenas. Seus efeitos podem durar horas. Existem relatos de pessoas que ficaram até uma semana sob o efeito alucinógeno dessa substância. O usuário pode ter alterações cardíacas, convulsões, fortes alucinações e chegar à morte.

O uso de drogas ilícitas no mundo vem crescendo, apesar dos esforços mundiais de controle. O aumento do consumo das drogas sintéticas é considerado pelo Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (Unodc) como "o inimigo público número um". Ao contrário das drogas tradicionais, feitas com base em plantas, as drogas sintéticas são produzidas a partir de produtos químicos facilmente obtidos em laboratórios improvisados. O combate é, por isso, muito mais difícil.

O consumo das drogas sintéticas hoje é uma questão de moda. Assim como vimos, nos 1960, o crescimento do uso de LSD e heroína ligado ao movimento hippie, nos dias atuais há a cultura da música tecno, que incentiva o uso de drogas como o ecstasy. Essa situação preocupa, porque vai mudar o paradigma do combate às drogas. E a prevenção vai ganhar uma importância muito maior do que a repressão.

Nesta década, o maior problema que nós vamos vivenciar é a droga sintética. Principalmente o ecstasy. As prisões de traficantes são um forte indicador da presença das drogas sintéticas e, ao mesmo tempo, revelam um novo perfil do tráfico: jovens universitários, de classes média e alta, compõem o novo mapa do crime. O rosto do usuário também vai sendo perfilado: boa escolaridade, inserido no mercado de trabalho e pertencente às classes sociais mais privilegiadas.

O envolvimento com o tráfico de drogas bate às portas das casas dos bairros de classe média. Mostra a sua garra aos que se julgavam imunes ao seu apelo e ensombrece a alma das famílias que sucumbem ao drama da delinquência insuspeitada.

O ecstasy é uma droga estimulante e alucinógena. Segundo o professor Ronaldo Laranjeira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), "ela foi sintetizada para ser um novo moderador de apetite, mas foi descartada pelo laboratório químico que a produziu porque era muito tóxica. Ficou na prateleira por várias décadas e foi redescoberta na década de 70 para ser a droga do amor. Depois se transformou na droga mais usada em discotecas".

O ecstasy desencadeia transtornos psiquiátricos como síndrome do pânico e depressão, que costumam vir acompanhados de taquicardia e aumento da temperatura do corpo. E tem sido a causa de inúmeras mortes. "O grande problema do ecstasy é o dano cerebral que a droga produz, principalmente nos neurônios responsáveis pelo prazer", adverte Laranjeira.

O cardápio macabro das baladas, infelizmente, tem sempre novidades. Duas novas drogas foram introduzidas no menu das raves: a ketamina e o GHB.

A ketamina, também conhecida por cetamina, ou special K, é um anestésico usado em cirurgias humanas e em animais. É um parente químico do ácido lisérgico, o LSD. "Um dos principais efeitos que provoca é o desprendimento corporal, o sujeito consegue se dissociar do corpo. O uso frequente da droga pode causar danos na atenção, na memória, no estômago, no coração e no fígado", alerta o psicólogo Murilo Battisti.

O GHB (ácido gama-hidroxibutírico), também chamado de ecstasy líquido, não tem cheiro nem gosto. É perigosíssimo, principalmente quando misturado com álcool. Ambos - GHB e álcool - diminuem muito a atividade do cérebro. Associados, o efeito é ainda maior. O GHB é uma droga fortemente depressora. Pode levar ao coma e induzir ao suicídio.

Como vê, caro leitor, a escalada das drogas é um fato assustador. Enfrentá-la só é possível com informação correta, prevenção e recuperação. Meu objetivo, neste artigo, é ajudá-lo a dar os dois primeiros passos: conhecer o que se passa no ambiente rarefeito de inúmeras discotecas e raves e entender as características devastadoras das novas drogas sintéticas. Só assim, com informação clara e sem eufemismos, você poderá captar eventuais mudanças comportamentais e dar uma orientação segura aos seus filhos.

A família, um espaço de carinho, diálogo e firmeza, exige presença do pai e da mãe. Ela é, de fato, o pré-requisito da prevenção. Quando a família fracassa, as políticas antidrogas acabam se transformando no cemitério de boas intenções.

O terceiro passo, a recuperação, é uma indeclinável responsabilidade dos governos. É preciso que os governantes ajudem para valer os serviços especializados e as instituições idôneas que, anonimamente e com grande sacrifício, investem na recuperação de dependentes químicos. Trata-se de um problema de saúde pública. Recuperar é salvar vidas e multiplicar aliados na luta contra as drogas. Um dependente recuperado é o melhor prosélito das campanhas preventivas. Impõe-se que os responsáveis pelo combate às drogas abandonem o conforto de seus gabinetes e entrem em contato com o verdadeiro drama dos adictos. Eu fiz isso. Não considero correto escrever e opinar a respeito de uma realidade distante: conversei com especialistas, ouvi relatos de dependentes químicos, visitei comunidades terapêuticas que apresentam elevados índices de recuperação, desenvolvi, enfim, um trabalho de reportagem.

Espero que o governo faça a sua parte. Pelo que me consta, o Congresso Nacional está decidido a arregaçar as mangas e entrar num autêntico mutirão em prol dos que lutam pela recuperação. A iniciativa, se confirmada, merece os aplausos da sociedade. A dependência química não admite politicagem. Reclama, sim, seriedade e realismo.

* Carlos Alberto Di Franco é doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra e diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais. E-mail: difranco@iics.com.br.

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