07/06/2013 - A atividade de investigação criminal e a lição de direito
Autor: Regis Fernandes de Oliveira
A Câmara dos Deputados, em breve, apreciará a proposta de emenda à Constituição nº 37/2011, que altera o art. 144, da Carta Magna, definindo a competência para investigação criminal pelas Polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal.
É incrível como interesses institucionais tornam questões jurídicas simples em temas tão complicados.
Realmente, a questão da impossibilidade de o Ministério Público realizar investigação criminal pode ser explicada com uma mera lição de direito, ministrada aos alunos dos primeiros anos da faculdade.
De fato, basta explicar aos discentes a diferença entre de lege lata e de lege ferenda.
O dicionário Brocardos Latinos – Termos Jurídicos, de José Roberto da Silveira, ensina que a expressão: de lege lata significa a lei em vigor.
Em outras palavras, o termo de lege lata quer dizer: a lei como efetivamente ela é.
A expressão de lege lata decorre do princípio do Estado Democrático de Direito, que tem como principal fundamento: o império da lei.
Neste contexto, os §§ 1º e 4º, do art. 144, da Constituição Federal, atribuem, expressamente, a atividade de investigação criminal às Polícias Judiciárias da União e dos Estados membros.
Em palavras menos técnicas, significa que para lei em vigor, ou seja, de lege lata, somente as Polícias Judiciárias podem elucidar as circunstâncias e a autoria dos delitos.
A investigação criminal realizada pelo Ministério Público viola o inciso LII, do art. 5º, da Constituição Federal, que proíbe os chamados “juizados de exceção” ao dispor que:
Art. 5º. (...)
LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.
Traduzindo em português claro, a pessoa, antes de cometer o crime, tem o direito de saber qual o procedimento (inquérito policial), o órgão (Polícia Judiciária) e o servidor responsável pela apuração do delito (delegado de polícia).
De outra parte, a possibilidade de o Ministério Público investigar cria condições para direcionar o resultado do processo crime.
Com efeito, os integrantes do Parquet quando realizam investigações criminais, não se despem da condição de parte da relação processual, interessada, naturalmente, no desfecho da questão contra o acusado.
A Polícia Judiciária, por não ser parte, não se envolve e nem se apaixona pela causa investigada. Adota posição imparcial, pois seu pressuposto de atuação é a análise técnica e jurídica dos fatos.
É importante que se entenda que o delegado de polícia não está vinculado à acusação ou à defesa, agindo como um verdadeiro magistrado tem apenas compromisso com a verdade dos fatos.
Vale lembrar que o ordenamento jurídico vigente adotou o chamado “Sistema de Persecução Criminal Acusatório”.
Tal sistema se caracteriza por ter, de forma bem distinta, as figuras do profissional que investiga (delegado de polícia), defende (advogado), acusa (integrante do Ministério Público) e julga (magistrado) as infrações penais.
Saliente-se que esses papéis não podem ser invertidos, sob pena de provocar o desequilíbrio na relação processual criminal.
Em síntese, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a produção e a confirmação de provas, por intermédio de inquérito policial, presidido por delegado de polícia, se tornaram obrigatória, pois tal prerrogativa está inserida, de modo implícito, no rol dos direitos e garantias do princípio do devido processo legal (paridade de força e de armas entre a defesa e a acusação), previsto no inciso LIV, do art. 5º, da Magna Carta.
Art. 5º - (...)
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; (grifei)
Ressalte-se que o princípio do devido processo legal é concebido como o conjunto de direitos, que garante uma investigação, instrução e julgamento justo ao acusado.
Lado outro, a expressão de lege ferenda significa da lei a ser criada, a ser elaborada.
Em outras palavras, o termo de lege ferenda quer dizer: a lei como gostariam que ela fosse.
No caso em análise, como o Ministério Público gostaria que fosse o ordenamento jurídico com relação à investigação criminal.
Neste ponto, é necessário esclarecer que o Ministério Público deseja, na realidade, alcançar a denominada “investigação criminal seletiva”, isto é, pretende escolher e apurar apenas os crimes de maior destaque, que são amplamente divulgados pela mídia e projetam a Instituição.
Tal fato se reveste de maior gravidade, na medida em que o Ministério Público pretende exercer a atividade de investigação criminal por intermédio da Polícia Militar, desvirtuando a função preventiva desta Instituição.
Saliente-se, finalmente, que o Ministério Público tentou inúmeras vezes, por intermédio de propostas de emenda à Constituição, conquistar a prerrogativa da investigação criminal, no entanto, essas iniciativas sempre foram rejeitadas pelo Congresso Nacional.
O problema que se instaura não pode ser colocado de forma maniqueísta, isto é, se o Ministério Público investigar, tudo fica melhor; caso contrário, haverá deterioração da investigação criminal e as provas podem se perder.
Em verdade, o que se encontra por detrás é a crença falsa de que a Polícia Judiciária está desacreditada e corrompida.
Temos uma das melhores polícias do mundo. Só não é melhor e atinge a excelência administrativa e funcional, porque o governo remunera pessimamente seus servidores e não dá a eles estrutura de trabalho.
Há, pois, uma falsa discussão embutida no conflito institucional. Em termos constitucionais dúvida não há. A investigação é atribuída à Polícia Judiciária. Funcionalmente, cada entidade tem suas funções devidamente identificadas. Basta que o governo reestruture a carreira policial, remunere bem seus agentes, tal como remunera o Ministério Público, e teremos de volta a dignidade do exercício da atividade policial.
É o que se aguarda que faça o Parlamento, ou seja, identifique, com precisão, a competência de cada instituição, atribuindo a investigação criminal, para a qual o Ministério Público não está preparado, à polícia civil. Evitar-se-á, assim, qualquer dúvida em relação à competência funcional de cada órgão.
Régis Fernandes de Oliveira é um magistrado, professor e político brasileiro. Régis de Oliveira foi desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e foi eleito deputado federal pelo PSDB em 1994.
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