Um artigo publicado este domingo pela agência noticiosa Associated Press (AP) toma a política anti-drogas portuguesa como exemplo para o mundo. A transformação do bairro do Casal Ventoso, em Lisboa, é vista como um resultado bem sucedido da legislação "arriscada", mas eficiente, da descriminalização do uso de drogas, aplicada em 2000. Há dez anos, concentravam-se no Casal Ventoso cerca de cinco mil toxicodependentes, que diariamente compravam ali a sua dose de heroína. O antigo "supermercado" da droga português, como refere a peça da AP, é agora um bairro integrado na comunidade, habitado pela classe operária."Nenhuma das calamidades previstas pelos críticos [da descriminalização do uso das drogas] aconteceu", refere Alex Stevens, um professor da Universidade de Kent, que tem vindo a estudar o caso português. Isto porque, ao contrário do que sucede noutros países europeus, a lei portuguesa reconhece o problema da toxicodependência como uma questão de saúde pública e não tão simplesmente como uma questão criminal. Por isso, a política aplicada há dez anos privilegia a disponibilização de tratamento; em vez de irem para a prisão, aqueles que se deixam consumir pelo vício são enviados para centros de reabilitação. Outra das medidas muito polémicas na altura, mas que no artigo da AP é tomada como uma solução que beneficiou a redução do vício e a propagação de doenças como a SIDA e a hepatite, foi a criação de salas de chuto. Aí, os toxicodependentes podem consumir, mas têm direito a seringas esterilizadas, desinfetantes e preservativos. Em termos estatísticos, entre os anos 2000 e 2008, a propagação da SIDA entre toxicodependentes baixou de 49% para 28%; o número de utilizadores regulares de haxixe manteve-se estável nos 3%, enquanto que os consumidores das chamadas drogas "pesadas" representam menos de 0,3% da população; a percentagem de toxicodependentes que recorreram à reabilitação subiu 20%; os casos judiciais relacionados com o consumo de drogas registaram uma quebra de 66%
quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
Portugal: Aprendemos que não era uma loucura descriminalizar a droga
Dez lições da década
Aprendemos que não era uma loucura descriminalizar a droga
Por Amílcar Correia
No espaço de uma década, o consumidor de drogas passou de criminoso a doente. A estratégia de combate à toxicodependência aplicada em Portugal rompeu com a abordagem moralista. Hoje é elogiada na Europa, mas há muito por fazer.
É mais do que provável que da herança política de José Sócrates não venha a constar o papel determinante que exerceu na descriminalização da posse e consumo de droga em Portugal. Mas a verdade é que sem o então ministro adjunto do primeiro-ministro, com as tutelas da Toxicodependência, Juventude e Desporto, talvez ainda acreditássemos que o abuso de drogas se vencia dando as mãos e largando com regularidade uma razoável quantidade de endorfinas. A descriminalização do consumo de drogas resultou de um processo único e irrepetível. Entre 1999 e 2001, uma comissão de peritos nomeada pelo Governo e dirigida por Alexandre Quintanilha elaborou, com base em fundamentos científicos e longe do moralismo que tanto tolhe o discurso ideológico, uma corajosa proposta de estratégia nacional de luta contra a droga. A estratégia transformou-se em política aprovada em Assembleia da República e foi esta talvez a mais extravagante decisão do segundo Governo de António Guterres. Sócrates até tentou replicar o método no processo de co-incineração, mas essa ainda se revelou uma questão mais fracturante.
Aprendemos que não era uma loucura descriminalizar a droga
Por Amílcar Correia
No espaço de uma década, o consumidor de drogas passou de criminoso a doente. A estratégia de combate à toxicodependência aplicada em Portugal rompeu com a abordagem moralista. Hoje é elogiada na Europa, mas há muito por fazer.
É mais do que provável que da herança política de José Sócrates não venha a constar o papel determinante que exerceu na descriminalização da posse e consumo de droga em Portugal. Mas a verdade é que sem o então ministro adjunto do primeiro-ministro, com as tutelas da Toxicodependência, Juventude e Desporto, talvez ainda acreditássemos que o abuso de drogas se vencia dando as mãos e largando com regularidade uma razoável quantidade de endorfinas. A descriminalização do consumo de drogas resultou de um processo único e irrepetível. Entre 1999 e 2001, uma comissão de peritos nomeada pelo Governo e dirigida por Alexandre Quintanilha elaborou, com base em fundamentos científicos e longe do moralismo que tanto tolhe o discurso ideológico, uma corajosa proposta de estratégia nacional de luta contra a droga. A estratégia transformou-se em política aprovada em Assembleia da República e foi esta talvez a mais extravagante decisão do segundo Governo de António Guterres. Sócrates até tentou replicar o método no processo de co-incineração, mas essa ainda se revelou uma questão mais fracturante.
Consumo não disparou
Sim, é verdade: há um antes e um depois do dia 1 de Julho de 2001, data da entrada em vigor de uma lei que deixou de condenar a penas de prisão pessoas que consumiam substâncias que eram consideradas ilícitas. Sabemos hoje que as profecias de então não se concretizaram e que, a despeito do que muitos temiam, o país não se transformou numa Meca para os consumidores de droga. Aprendemos nesta década que as políticas na área da droga não devem ser gizadas em função de posições preconceituosas e dogmáticas. Passámos a aceitar que a questão sanitária se sobrepunha à questão jurídica; que as prisões estavam repletas de pessoas que continuavam a consumir droga ao ritmo com que se propagavam as doenças infecciosas. Nas prisões e fora delas. Em Dezembro de 2004, Hernâni Vieira, director do Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, dizia o que a avestruz se recusava a escutar: "O problema da droga nas prisões resolve-se quando se resolver o problema da droga fora das prisões." E acrescentava, para desagrado dos mais irrealistas: é possível reduzir o seu consumo, mas acabar com a droga não passa de um sonho bem-intencionado.Sim, aprendemos que o que mais valia era a expansão dos programas de substituição, após um conturbado período de diabolização da metadona; que as políticas de redução de riscos e de minimização de danos eram garantia de mais informação por parte dos consumidores e de menos custos para todos; que as políticas de prevenção deveriam ser cada vez mais sérias e profissionais.
A derrota do proibicionismo
Aprendemos, nestes últimos anos, que a insistência no proibicionismo não teve quaisquer resultados e que era possível equilibrar a redução da procura com as tentativas repressivas de diminuição da oferta; ou que era possível baixar o número de casos de infecções e de mortes por causa da utilização de droga.Tudo isto teve a particularidade de diminuir o número de reclusos relacionados com posse e consumo de droga; de contribuir para baixar a criminalidade que lhe estava associada nos anos anteriores; e, desta forma, contribuir para um clima social bem mais pacífico. O balanço, hoje, quase dez anos após a entrada em vigor desta lei, é, obviamente, positivo. No início do século, o país ostentava excessivos problemas de consumo de opiáceos e de infecções e mortalidade associada nos relatórios da agência europeia das drogas (cuja sede Portugal recebeu contrafeito, como se fosse o corolário do seu trajecto junkie na década de 90, mas cujo conhecimento coligido se revelou muito útil).
O elogio europeu
Alguns anos depois, a Europa passou a elogiar o que começou a ficar conhecido com o modelo português - certamente com algum exagero - e que é, neste caso, a assunção do paradigma sanitário, associado a uma contra-ordenação, espécie de recriminação administrativa simbólica, da autoria das comissões de dissuasão. Mas esse tão louvado modelo está por concluir pelas mesmas razões de sempre. Tem sido uma litania preconceituosa a impedir a existência de salas de injecção assistida, como as que existem em vários parceiros europeus, ou a resistir à adopção de programas de prevenção e de redução de riscos nas prisões. Numa década, o consumidor de drogas passou de criminoso a doente e talvez não falte muito até que seja encarado como cidadão. O aparecimento de associações de consumidores, como a que a Apdes, uma organização não governamental, criou recentemente, talvez seja o que agora nos falte aprender. Agora que até já sabemos onde comprar drogas às quais chamamos legais.
terça-feira, 28 de dezembro de 2010
Drogas em Portugal: da criminalização à descriminalização
Drogas em Portugal: da criminalização à descriminação
Por Susana Campos - jpn@icicom.up.pt Publicado: 23.12.2010 17:47 (GMT)
Por Susana Campos - jpn@icicom.up.pt Publicado: 23.12.2010 17:47 (GMT)
João Goulão, presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência, faz um balanço da actual situação social após a implementação da política de descriminalização do uso de drogas, em 2004.
Após a implementação de uma política de descriminalização face ao uso de drogas, decretada em 2004, o Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), criado para tratar toxicodependentes, reinserir aqueles que, um dia, tiveram problemas com a droga e evitar que novos dependentes se criem, já mostra resultados.
João Goulão, que assumiu a presidência do IDT em 2005, mostra-se "genericamente satisfeito" com os sucessos obtidos pelo grupo até agora, pois, "ao fim de três anos", o instituto apresenta "uma execução ao nível dos 87 por cento dos objectivos fixados".
Para explicar tais resultados, há um marco importante a reter: a aprovação da Estratégia Nacional de Luta Contra a Droga, em 1999, que teve por objectivo combater o tráfico, reduzir a oferta e diminuir a procura de drogas. A estratégia passa, igualmente, pela prevenção, tratamento, redução de riscos e minimização de danos, bem como pela reinserção social. Segundo o presidente do instituto, se antes vivíamos uma tendência de subida nos consumos, especialmente junto das camadas mais jovens da população, temos agora uma diminuição do consumo de drogas como consequência de tais medidas.
Mas a medida mais importante de todas surge com a descriminalização do consumo de drogas, uma decisão importante para a obtenção de bons resultados no combate ao vício, entende o João Goulão. A medida permite, acima de tudo, "ter uma atitude muito mais consequente e uma linguagem muito menos esquizofrénica em relação à questão das drogas", explica o presidente do IDT.
"Experimentação é o primeiro passo"
Aprovada a lei e tendo por base os últimos três anos de actuação do IDT, percebe-se uma maior orientação para a utilização de medidas mais humanistas e baseadas em evidências científicas, que visam a redução dos riscos associados ao consumo, algo impensável há uma década atrás, quando se fazia uma autêntica guerra às drogas e aos seus utilizadores. É nesse sentido que o IDT trabalha, para "restituir às pessoas a capacidade de se auto-determinarem".
Como resultados, os portugueses já conseguem encarar a toxicodependência como um problema de saúde, mas ainda não distinguem uso de abuso. "A experimentação é", segundo João Goulão, "o primeiro passo", mas "não faz falta nenhuma ao desenvolvimento da personalidade de qualquer jovem". Mesmo assim, "ninguém sabe se terá maior ou menor propensão ou se haverá algum terreno genético para vir a ficar dependente", explica.
Logo, o discurso do IDT é inequívoco: é importante dizer "não" ao consumo, pois o consumo recreativo é uma porta aberta à instalação da dependência. Para o futuro, uma esperança apenas: que, em 2012, ano em que termina o Plano Estratégico ainda em curso, "o IDT se possa transformar no ID: o Instituto das Dependências". Para quê? Para "que se deixe de falar da droga e das toxicodependências e possamos ter um instituto que englobe outro tipo de situações", como o jogo, a Internet, o sexo ou as compras.
Após a implementação de uma política de descriminalização face ao uso de drogas, decretada em 2004, o Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), criado para tratar toxicodependentes, reinserir aqueles que, um dia, tiveram problemas com a droga e evitar que novos dependentes se criem, já mostra resultados.
João Goulão, que assumiu a presidência do IDT em 2005, mostra-se "genericamente satisfeito" com os sucessos obtidos pelo grupo até agora, pois, "ao fim de três anos", o instituto apresenta "uma execução ao nível dos 87 por cento dos objectivos fixados".
Para explicar tais resultados, há um marco importante a reter: a aprovação da Estratégia Nacional de Luta Contra a Droga, em 1999, que teve por objectivo combater o tráfico, reduzir a oferta e diminuir a procura de drogas. A estratégia passa, igualmente, pela prevenção, tratamento, redução de riscos e minimização de danos, bem como pela reinserção social. Segundo o presidente do instituto, se antes vivíamos uma tendência de subida nos consumos, especialmente junto das camadas mais jovens da população, temos agora uma diminuição do consumo de drogas como consequência de tais medidas.
Mas a medida mais importante de todas surge com a descriminalização do consumo de drogas, uma decisão importante para a obtenção de bons resultados no combate ao vício, entende o João Goulão. A medida permite, acima de tudo, "ter uma atitude muito mais consequente e uma linguagem muito menos esquizofrénica em relação à questão das drogas", explica o presidente do IDT.
"Experimentação é o primeiro passo"
Aprovada a lei e tendo por base os últimos três anos de actuação do IDT, percebe-se uma maior orientação para a utilização de medidas mais humanistas e baseadas em evidências científicas, que visam a redução dos riscos associados ao consumo, algo impensável há uma década atrás, quando se fazia uma autêntica guerra às drogas e aos seus utilizadores. É nesse sentido que o IDT trabalha, para "restituir às pessoas a capacidade de se auto-determinarem".
Como resultados, os portugueses já conseguem encarar a toxicodependência como um problema de saúde, mas ainda não distinguem uso de abuso. "A experimentação é", segundo João Goulão, "o primeiro passo", mas "não faz falta nenhuma ao desenvolvimento da personalidade de qualquer jovem". Mesmo assim, "ninguém sabe se terá maior ou menor propensão ou se haverá algum terreno genético para vir a ficar dependente", explica.
Logo, o discurso do IDT é inequívoco: é importante dizer "não" ao consumo, pois o consumo recreativo é uma porta aberta à instalação da dependência. Para o futuro, uma esperança apenas: que, em 2012, ano em que termina o Plano Estratégico ainda em curso, "o IDT se possa transformar no ID: o Instituto das Dependências". Para quê? Para "que se deixe de falar da droga e das toxicodependências e possamos ter um instituto que englobe outro tipo de situações", como o jogo, a Internet, o sexo ou as compras.
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
Ending the Drug War: 8 Top Stories of 2010
It's been a difficult year for progressives, and most other Americans as well. While I feel discouraged about many things happening in our country and around the world, and have lost lots of my "Yes We Can" glow from only two years ago, the issue that is closest to my heart -- ending the war on people who use drugs -- continues to bring me hope and cautious optimism.
The debate around failed marijuana prohibition and the larger drug war arrived in a big way in 2010. Below are some of the most significant stories from 2010 and the reasons why I'm encouraged that we can start finding an exit strategy from America's longest running war.
The debate around failed marijuana prohibition and the larger drug war arrived in a big way in 2010. Below are some of the most significant stories from 2010 and the reasons why I'm encouraged that we can start finding an exit strategy from America's longest running war.
1) California's Vote on Legalizing Marijuana Inspires Worldwide Debate:
Proposition 19, the initiative to control and tax marijuana in California, was arguably the highest profile voter initiative in the nation. It generated thousands of stories in the United States and around the world about the pros and cons of marijuana prohibition. Millions of people for the first time had serious conversations about whether we should continue to arrest and incarcerate people for marijuana or if we should take it out of the illicit market and regulate it. In the end, Prop. 19 received more than 46% of the vote, more votes that GOP Governor Candidate Meg Whitman. The take-away from California is not will marijuana ever be legal, but when.
2) President Obama Signed Historic Legislation Reducing Crack/Powder Cocaine Sentencing Disparity:
In August, President Obama signed the Fair Sentencing Act, reforming the draconian disparity between crack and powder cocaine prison sentences. Before the change, a person with just five grams of crack received a mandatory sentence of five years in prison. That same person would have to possess 500 grams of powder cocaine to earn the same punishment. This discrepancy, known as the 100-to-1 ratio, was enacted in the late 1980s and was based on myths about crack cocaine being more dangerous than powder cocaine. Unfortunately, the Democrats made serious comprises to get Republicans to support the Fair Sentencing Act. The original bill that would have completely eliminated the 100-to-1 disparity, but instead the compromise reduced the disparity to 18:1. Most troubling was that that the reform was not applied retroactively - which means that none of the tens of thousand of people unfairly languishing in cages will find any relief from the new law. That said, the reform of these laws is the first repeal of a mandatory minimum drug sentence since the 1970s.
3) Media Coverage is Fair, Balanced and Thoughtful:
For the first time, the media consistently covered the marijuana debate seriously and without the jokes and giggle factor that accompanied stories in the past. For the first time they started including anti-prohibition voices that pointed out that much of the violence in the drug trade is due to prohibition and not the drug itself. There were cover stories in a range of outlets and magazines, including Time Magazine, the Washington Post Magazine, and the Nation. The Associated Press deserves a Pulitzer Prize for its "Impact Series" on the Drug War. Back in May, AP dropped a bombshell on America's longest war and the headline said it all: The US Drug War Has Met None of its Goals. The extensive piece reviewed the last 40 years, starting with President Nixon's official launch of the War on Drugs all the way to President Obama's annual strategy released this year. The piece packed a punch from the start: "After 40 years, the United States' War on Drugs has cost $1 trillion dollars and hundreds of thousands of lives, and for what? Drug use is rampant and violence more brutal and widespread."
4) Portugal Shows Us Decriminalization of Drugs Works:
A new study, published in November in the British Journal of Criminology, shows that Portugal's decriminalization of drugs in 2001 has led to reductions in student drug use, prison overcrowding, drug related deaths and HIV/ AIDS. In July 2001, Portugal decriminalized the possession of up to ten days' supply of all types of illicit drugs. Before the law went into effect the pro-drug war zealots predicted that the sky would fall and chaos would reign if drug were decriminilazed. Nine years later, the sky hasn't fallen and having drug use addressed as a heath issue instead of a criminal issue has been proven to saves lives and money. Portugal shows us that drugs can be decriminalized in the real world, not only in theory.
5) Facebook Founders Fund Drug Policy Reform:
While the Social Network movie about Facebook was the number one movie in the country, two former top Facebook executives featured in the film, Dustin Moskovitz and Sean Parker, both became major funders of drug policy reform by donating $50,000 and $100,000 to the California marijuana ballot iniative. The drug policy reform movement has greatly benefitted from the generous support of funders like George Soros, Peter Lewis and John Sperling. Mr. Moskovitz and Mr. Parker can also play a crucial role in supporting the reform movement.
6) California Makes Possession of Under One Ounce of Marijuana an Infraction--Similar to a Speeding Ticket:
In addition to the debate, coalition building, and public education that Prop. 19 generated, it also led to concrete victories: Governor Schwarzenegger signed into law a bill that will reduce the penalty for marijuana possession from a misdemeanor to a non-arrestable infraction, like a traffic ticket. That's no small matter in a state where arrests for marijuana possession totaled 61,000 last year -- roughly triple the number in 1990. It's widely assumed that the principal reason the governor signed the bill, which had been introduced by a liberal state senator, Mark Leno, was to undermine one of the key arguments in favor of Prop 19.
7) Leaders from Around the World Call for Legalization Debate:
Although President Obama and his Drug Czar have repeated said that legalization is not in their vocabulary, the L-word is being talked about like never before among leaders around the world. This year Mexico President Calderon called for a debate on drug legalisation to help reduce the bloody war in Mexico. Former Mexico President Vicente Fox has since gone further and called for an end to prohibition. Just last week, United Kingdom's Bob Ainsworth, the former drugs and defense minister, called for the legalisation and regulation of drugs. All of this follows a 2009 report by three former Latin American Presidents, Fernando Henrique Cardoso of Brazil, Cesar Gaviria of Colombia and Ernesto Zedillo of Mexico, where they called the drug war a failure and emphasized the need to "break the taboo" on an open and honest discussion on international drug policy.
8) New and Powerful Voices Join Movement to End Failed Drug War:
Prop. 19 inspired an unprecedented coalition in support of reforming our futile and wasteful marijuana laws. A diverse coalition from across the political spectrum came together to "Just Say No" to failed marijuana prohibition. Law enforcement, including the National Black Police Association and National Latino Officers Association, spoke out in support of Prop. 19. Moms spoke out powerfully for tax and regulate because if is safer for their children than prohibition. The California NAACP and the Latino Voters League endorsed Prop. 19, specifically citing the chilling racial disparities in the enforcement of marijuana laws. Students for Sensible Drug Policy organized on campuses around the state. Finally, organized labor - from the Service Employees International Union to the longshoremen to food to communications workers -- for the first time offered endorsements because controlling and regulating marijuana will mean jobs and revenue that the state currently cedes to criminal cartels and the black market.
There's More Opportunities for Reform than Ever, But the War on Drugs Grinds On: For all the recent progress, drug policy reformers are under no illusion that the drug war will end any time soon. With the Democrats' "shellacking" in November, it is even more unclear how much change will be coming out of Washington in 2011 and beyond. We know that drug prohibition and our harsh drug laws - fueled by a prison-industrial complex that locks up 500,000 of our fellow Americans on drug-related offenses - are poised to continue for some time, wasting tens of billions of dollars and leading to thousands of deaths each year. But we are clearly moving in the right direction, toward a more rational drug policy based on compassion, health, science and human rights. We need people to continue to join the movement to end this unwinnable war. If the people lead, the leaders will follow.
Tony Newman is the director of media relations at the Drug Policy Alliance (www.drugpolicy.org)
Follow Tony Newman on Twitter: www.twitter.com/TonyNewmanDPA
There's More Opportunities for Reform than Ever, But the War on Drugs Grinds On: For all the recent progress, drug policy reformers are under no illusion that the drug war will end any time soon. With the Democrats' "shellacking" in November, it is even more unclear how much change will be coming out of Washington in 2011 and beyond. We know that drug prohibition and our harsh drug laws - fueled by a prison-industrial complex that locks up 500,000 of our fellow Americans on drug-related offenses - are poised to continue for some time, wasting tens of billions of dollars and leading to thousands of deaths each year. But we are clearly moving in the right direction, toward a more rational drug policy based on compassion, health, science and human rights. We need people to continue to join the movement to end this unwinnable war. If the people lead, the leaders will follow.
Tony Newman is the director of media relations at the Drug Policy Alliance (www.drugpolicy.org)
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Madri: Private Cannabis Club
Pedro Álvaro Zamora García é o presidente do clube privado aberto em MadriFoto: Érica Chaves/Especial para Terra
Érica Chaves
Direto de Madri
Érica Chaves
Direto de Madri
Começou a funcionar há cerca de um mês em Madri, na Espanha, o Private Cannabis Club, o primeiro clube privado de consumo de maconha da cidade. Em poucas semanas, o grupo já reúne mais de 100 sócios com idades entre 18 a 70 anos que recorrem à sede para fumar tranquilamente sua cota mensal.
Para ser sócio é preciso ser maior de idade, passar por uma entrevista e pagar 10 euros por mês (o equivalente a R$ 23) para poder consumir um máximo de 50 gramas de maconha por semana. A maioria das pessoas vai ao clube apenas para se divertir, mas há também aqueles que usam a maconha de forma terapêutica.
Com quase 900 m², o Private Cannabis tem a maior sede de associação deste tipo em toda a Espanha, com muito espaço para o lazer. São salas com sofás, TVs com canais a cabo, vídeogame, pebolim, bilhar, um bar e restaurante com forno para pizza. "Nós queríamos, mais que um lugar só para fumar, um espaço de ócio com um bom restaurante para que as pessoas não precisassem sair da sede para comer depois de fumar", diz o presidente Pedro Álvaro Zamora García. Além de um cardápio comum a qualquer restaurante, no bar são vendidos brownies, biscoitos e sobremesas feitas à base de maconha.
Desde 1974, o consumo privado coletivo da droga é permitido no país, mas o clube compra a maconha semanalmente no mercado negro, mesmo não estando de acordo. O comércio de cannabis configura crime. Por isso, o Private Cannabis revende pelo preço que adquire e usa parte da cota paga pelos sócios para a manutenção do espaço.
Entre os sócios está Carlos Gonzalez. Ele recorre ao clube porque prefere não fumar perto dos filhos pequenos. "Explicarei o que é a maconha quando eles tiverem idade para entender, mas espero poder explicar que é uma droga qualquer como o tabaco ou o álcool", afirma.
Outro dos sócios, o venezuelano Paco Puig, que trabalha no bar da sede, diz que o emprego tem lhe tirado a vontade de consumir a droga. "Fico o dia todo aqui e só com o cheiro já perco a vontade de fumar. Às vezes, fumo quando chego em casa, mas não sinto falta. Não sou um viciado", diz.
Na família de Puig, ele e o irmão fumam maconha. Embora não tenha enfrentado problemas com a família por causa disso, é mais conservador quando o assunto são seus filhos. "Hoje meus filhos são crianças e não fumo na frente deles. Quando chegar a hora, explicarei o que eles quiserem saber, mas não admito que eles fumem antes de terminar os estudos e serem donos de suas vidas, afinal, um adolescente não consegue aprender matemática fumando maconha. Quero que eles sejam algo na vida", diz.
Negócio em expansãoA ideia de abrir um clube privado para consumo de maconha vem se expandindo na Espanha. São dezenas na Catalunha e na região basca, além de muitos em processo de formação em todo o país. Kamamudia, a associação mais antiga, funcionou de 1997 a 2001 com cultivo coletivo de maconha na região basca. Em 2002, a sociedade se desfez e deu origem à Pannagh, em Bilbao, e à Ganjazz, em São Sebastião. A primeira tem 377 sócios e a segunda, 255, mas com metade das vagas para usuários terapêuticos do THC (tetrahidrocanabinol, que é o princípio ativo da maconha). Ambas cultivam a droga para o consumo. "Nosso objetivo é informar as pessoas e ter um lugar para que elas possam consumir maconha de qualidade num local seguro sem ter que recorrer a traficantes", explica Iker Val, presidente da Ganjazz.
Segundo a Federação de Associações Canábicas (FAC), a Espanha tem mais de 2 milhões de consumidores e a principal luta não é a legalização, mas a normatização do uso da maconha no país. "Queremos ter controle sobre a produção e a qualidade e não aumentar o consumo para ter mais lucro, como é o caso do comércio do tabaco e do álcool. Com as associações que criam os clubes privados a situação está mudando radicalmente porque os consumidores deixam de financiar as máfias, pagam o preço justo e têm mais informação sobre as propriedades do produto que consumem. Além disso, permite que os governos da UE cedam sem mudar as leis já existentes", diz o presidente da FAC, Martín Barriuso.
A lei é a mesma para toda a Espanha, mas há regiões mais tolerantes que outras. Enquanto em basca a pena por portar maconha é o confisco da mesma, em Madri há multas em dinheiro que podem chegar a 1,5 mil euros (o equivalente a R$ 3.390).
Para o madrilenho Carlos Gonzalez, a demora em abrir o primeiro clube na capital espanhola está diretamente relacionada ao exemplo que uma capital deve dar ao resto do país. "A Catalunha e a região basca são duas áreas separatistas, que querem marcar algumas características que justifiquem que são diferentes do resto do país. Aqui em Madri, as pessoas são mais conservadoras. Foi preciso que alguns dessem sua cara à tapa para que conquistássemos esta liberdade. E depois deste primeiro passo, virão outros mais", explica.
Para ser sócio é preciso ser maior de idade, passar por uma entrevista e pagar 10 euros por mês (o equivalente a R$ 23) para poder consumir um máximo de 50 gramas de maconha por semana. A maioria das pessoas vai ao clube apenas para se divertir, mas há também aqueles que usam a maconha de forma terapêutica.
Com quase 900 m², o Private Cannabis tem a maior sede de associação deste tipo em toda a Espanha, com muito espaço para o lazer. São salas com sofás, TVs com canais a cabo, vídeogame, pebolim, bilhar, um bar e restaurante com forno para pizza. "Nós queríamos, mais que um lugar só para fumar, um espaço de ócio com um bom restaurante para que as pessoas não precisassem sair da sede para comer depois de fumar", diz o presidente Pedro Álvaro Zamora García. Além de um cardápio comum a qualquer restaurante, no bar são vendidos brownies, biscoitos e sobremesas feitas à base de maconha.
Desde 1974, o consumo privado coletivo da droga é permitido no país, mas o clube compra a maconha semanalmente no mercado negro, mesmo não estando de acordo. O comércio de cannabis configura crime. Por isso, o Private Cannabis revende pelo preço que adquire e usa parte da cota paga pelos sócios para a manutenção do espaço.
Entre os sócios está Carlos Gonzalez. Ele recorre ao clube porque prefere não fumar perto dos filhos pequenos. "Explicarei o que é a maconha quando eles tiverem idade para entender, mas espero poder explicar que é uma droga qualquer como o tabaco ou o álcool", afirma.
Outro dos sócios, o venezuelano Paco Puig, que trabalha no bar da sede, diz que o emprego tem lhe tirado a vontade de consumir a droga. "Fico o dia todo aqui e só com o cheiro já perco a vontade de fumar. Às vezes, fumo quando chego em casa, mas não sinto falta. Não sou um viciado", diz.
Na família de Puig, ele e o irmão fumam maconha. Embora não tenha enfrentado problemas com a família por causa disso, é mais conservador quando o assunto são seus filhos. "Hoje meus filhos são crianças e não fumo na frente deles. Quando chegar a hora, explicarei o que eles quiserem saber, mas não admito que eles fumem antes de terminar os estudos e serem donos de suas vidas, afinal, um adolescente não consegue aprender matemática fumando maconha. Quero que eles sejam algo na vida", diz.
Negócio em expansãoA ideia de abrir um clube privado para consumo de maconha vem se expandindo na Espanha. São dezenas na Catalunha e na região basca, além de muitos em processo de formação em todo o país. Kamamudia, a associação mais antiga, funcionou de 1997 a 2001 com cultivo coletivo de maconha na região basca. Em 2002, a sociedade se desfez e deu origem à Pannagh, em Bilbao, e à Ganjazz, em São Sebastião. A primeira tem 377 sócios e a segunda, 255, mas com metade das vagas para usuários terapêuticos do THC (tetrahidrocanabinol, que é o princípio ativo da maconha). Ambas cultivam a droga para o consumo. "Nosso objetivo é informar as pessoas e ter um lugar para que elas possam consumir maconha de qualidade num local seguro sem ter que recorrer a traficantes", explica Iker Val, presidente da Ganjazz.
Segundo a Federação de Associações Canábicas (FAC), a Espanha tem mais de 2 milhões de consumidores e a principal luta não é a legalização, mas a normatização do uso da maconha no país. "Queremos ter controle sobre a produção e a qualidade e não aumentar o consumo para ter mais lucro, como é o caso do comércio do tabaco e do álcool. Com as associações que criam os clubes privados a situação está mudando radicalmente porque os consumidores deixam de financiar as máfias, pagam o preço justo e têm mais informação sobre as propriedades do produto que consumem. Além disso, permite que os governos da UE cedam sem mudar as leis já existentes", diz o presidente da FAC, Martín Barriuso.
A lei é a mesma para toda a Espanha, mas há regiões mais tolerantes que outras. Enquanto em basca a pena por portar maconha é o confisco da mesma, em Madri há multas em dinheiro que podem chegar a 1,5 mil euros (o equivalente a R$ 3.390).
Para o madrilenho Carlos Gonzalez, a demora em abrir o primeiro clube na capital espanhola está diretamente relacionada ao exemplo que uma capital deve dar ao resto do país. "A Catalunha e a região basca são duas áreas separatistas, que querem marcar algumas características que justifiquem que são diferentes do resto do país. Aqui em Madri, as pessoas são mais conservadoras. Foi preciso que alguns dessem sua cara à tapa para que conquistássemos esta liberdade. E depois deste primeiro passo, virão outros mais", explica.
sábado, 18 de dezembro de 2010
Holanda: Corte Européia de Justiça considera legal proibição de venda de maconha para estrangeiros em algumas cidades dos Países Baixos
Terra Brasil
A Corte Européia de Justiça, nesta semana, decidiu que a proibição de venda de maconha para cidadãos não residentes na Holanda, estabelecida em algumas cidades dos Países Baixos, é legítima, ou seja, conforme as normas que regulam a União Européia.Trata-se da primeira grande vitória dos conservadores holandeses. Só não sabem eles como fazer com o rombo financeiro a afetar o produto interno bruto (Pib). Na Holanda, o mercado da maconha movimenta, por baixo, US$10 bilhões por ano: este dado é de 2003 e se fala que em 2009 houve queda de 28%.Para se ter idéia e conforme informou ontem o prefeito de Maastricht, os 14 coffeshops da cidade recebem 10.000 visitantes por dia. E o próprio prefeito alerta: “ 70% dos visitantes não residem na Holanda”.Em outras palavras, só em Maastrich, –cidade sede do Tratado que deu vida à União Européia–, 3,9 milhões de pessoas fumam maconha nos 14 cafés da cidade e 70% são turistas estrangeiros.
Desde novembro de 1968 é permitida, em coffe-shop e para maiores de 18 anos de idade, a venda de maconha para consumo no próprio local, ou seja, não se pode comprar e levar para fora.
O primeiro coffe-shop autorizado a vender maconha foi aberto na cidade universitária de Utrechet: coffe-shop Sarasani (aberto em dezembro de 1968).A meta da lei era afastar o usuário do traficante.Com o passar do tempo, notou-se que muitos turistas, principalmente dos países vizinhos, visitavam a Holanda por causa dos cafés. E estes estabelecimentos comerciais podiam vender, por noite, até meio-quilo de maconha, de excepcional qualidade.Nas anuais “Feiras da Maconha”, existe um prêmio para o melhor produto e o cultivador consegue milionários contratos de fornecimento com os coffe-shop e os importadores de erva canábica para fins medicinais.Para a Corte da União Européia, –que tem sede em Luxemburgo–, a medida restritiva (venda a estrangeiro) atende à manutenção da ordem pública e à tutela da saúde dos turistas.Um proprietário de coffe-shop, segundo a Corte da União Européia, não pode valer-se dos princípios da “liberdade de circulação” e da não “discriminação local” pois é proibida o comércio de maconha nos circuitos econômicos europeus.
Desde novembro de 1968 é permitida, em coffe-shop e para maiores de 18 anos de idade, a venda de maconha para consumo no próprio local, ou seja, não se pode comprar e levar para fora.
O primeiro coffe-shop autorizado a vender maconha foi aberto na cidade universitária de Utrechet: coffe-shop Sarasani (aberto em dezembro de 1968).A meta da lei era afastar o usuário do traficante.Com o passar do tempo, notou-se que muitos turistas, principalmente dos países vizinhos, visitavam a Holanda por causa dos cafés. E estes estabelecimentos comerciais podiam vender, por noite, até meio-quilo de maconha, de excepcional qualidade.Nas anuais “Feiras da Maconha”, existe um prêmio para o melhor produto e o cultivador consegue milionários contratos de fornecimento com os coffe-shop e os importadores de erva canábica para fins medicinais.Para a Corte da União Européia, –que tem sede em Luxemburgo–, a medida restritiva (venda a estrangeiro) atende à manutenção da ordem pública e à tutela da saúde dos turistas.Um proprietário de coffe-shop, segundo a Corte da União Européia, não pode valer-se dos princípios da “liberdade de circulação” e da não “discriminação local” pois é proibida o comércio de maconha nos circuitos econômicos europeus.
PANO RÁPIDO. Continua livre para os não residentes na Holanda, a comercialização de bebidas alcoólicas e tabaco.
Walter Fanganiello Maierovitch–
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
A proibição causa a maioria dos danos associados às drogas
Por Maria Lúcia Karam, Ex-Juíza Auditora da Justiça Militar Federal, 18 de maio 2003
Nota do Editor: O texto seguinte foi o discurso dado pela Juíza Maria Lúcia Karam na última sexta feira no Fórum que ocorreu no Rio de Janeiro: "Democracia, direitos humanos, guerra e narcontráfico".
A política proibicionista e a ampliação do poder do estado de punir
A globalizada opção política pelo proibicionismo faz recair o processo de criminalização sobre condutas relacionadas à produção, à distribuição e ao consumo de algumas substâncias psicoativas (como a maconha, a cocaína, a heroína, etc.), que, artificialmente diferenciadas de outras daquelas substâncias (como o álcool, o tabaco, a cafeína, etc.), recebem a qualificação de drogas ilícitas.
É neste tema onde, hoje, mais fortemente atua a enganosa publicidade que consegue anunciar e vender o sistema penal como um produto-serviço destinado a fornecer proteção e segurança, fazendo de tal instrumento, que, na realidade, é um estimulante de situações negativas e criador de maiores e mais graves conflitos, o centro de uma política supostamente destinada a conter uma exageradamente temida circulação daquelas substâncias tornadas ilícitas.
Esta política proibicionista acaba por ensejar uma perigosa intensificação do controle do Estado sobre a generalidade dos indivíduos, deixando entrever, nas formações sociais do capitalismo pós-industrial e globalizado, uma face máxima, vigilante e onipresente do Estado mínimo das pregações neoliberais.
Valendo-se do mistério e da fantasia que cercam as substâncias tornadas ilícitas, do superdimensionamento das eventuais repercussões negativas da disseminação de suas oferta e demanda, de apressadas ou falsas informações, de palavras ocas, de significado desvirtuado ou indefinido, da idéia de um "mal universal", o Estado máximo, vigilante e onipresente atende, com as drogas qualificadas de ilícitas, à necessidade pós-moderna de criação de novos inimigos e fantasmas.
Como na Europa dos séculos XIII a XVIII, em que práticas legislativas e judiciárias de exceção e detalhados códigos permitiram a identificação e a estigmatização da bruxaria e da heresia, análoga fantasia reaviva-se na chamada pós-modernidade, para fazer de uma repressão mais rigorosa e vendida como mais eficaz, de legislações excepcionais, do abandono de princípios de um Direito minimamente garantidor, a marca das medidas penais, nas quais se centra a dominante política anunciadamente destinada a controlar a produção, a distribuição e o consumo daquelas drogas que, normativamente diferenciadas, são qualificadas de ilícitas.
A repressão às drogas qualificadas de ilícitas e a uma suposta, indefinida e indefinível "criminalidade organizada" a elas pretensamente relacionada tem sido, notadamente a partir da década de 1990, o principal pretexto para uma crescente produção de leis, que, no Brasil, como em outros países, muito se assemelham às legislações excepcionais criadas para a repressão política das ditaduras.
A legislação de exceção consagra o apelo a meios de busca de prova – como a quebra do sigilo de dados pessoais, a interceptação de comunicações telefônicas, a observação à distância, a infiltração de agentes policiais –, cuja verdadeira eficácia não é, como se anuncia, uma suposta viabilização de um controle mais eficaz da criminalidade, mas sim uma maior intervenção sobre a intimidade e a liberdade de todos os cidadãos. Ao lado destes meios invasivos do indivíduo, premia-se a delação, rompendo-se com o necessário conteúdo ético que há de orientar o processo penal ou qualquer outra atividade estatal em um Estado Democrático de Direito. O elogio e a recompensa da traição levam o Estado a exercer um papel deseducador no âmbito das relações interindividuais, ao transmitir valores, no mínimo, tão negativos quanto os que diz querer enfrentar.
É neste tema onde, hoje, mais fortemente atua a enganosa publicidade que consegue anunciar e vender o sistema penal como um produto-serviço destinado a fornecer proteção e segurança, fazendo de tal instrumento, que, na realidade, é um estimulante de situações negativas e criador de maiores e mais graves conflitos, o centro de uma política supostamente destinada a conter uma exageradamente temida circulação daquelas substâncias tornadas ilícitas.
Esta política proibicionista acaba por ensejar uma perigosa intensificação do controle do Estado sobre a generalidade dos indivíduos, deixando entrever, nas formações sociais do capitalismo pós-industrial e globalizado, uma face máxima, vigilante e onipresente do Estado mínimo das pregações neoliberais.
Valendo-se do mistério e da fantasia que cercam as substâncias tornadas ilícitas, do superdimensionamento das eventuais repercussões negativas da disseminação de suas oferta e demanda, de apressadas ou falsas informações, de palavras ocas, de significado desvirtuado ou indefinido, da idéia de um "mal universal", o Estado máximo, vigilante e onipresente atende, com as drogas qualificadas de ilícitas, à necessidade pós-moderna de criação de novos inimigos e fantasmas.
Como na Europa dos séculos XIII a XVIII, em que práticas legislativas e judiciárias de exceção e detalhados códigos permitiram a identificação e a estigmatização da bruxaria e da heresia, análoga fantasia reaviva-se na chamada pós-modernidade, para fazer de uma repressão mais rigorosa e vendida como mais eficaz, de legislações excepcionais, do abandono de princípios de um Direito minimamente garantidor, a marca das medidas penais, nas quais se centra a dominante política anunciadamente destinada a controlar a produção, a distribuição e o consumo daquelas drogas que, normativamente diferenciadas, são qualificadas de ilícitas.
A repressão às drogas qualificadas de ilícitas e a uma suposta, indefinida e indefinível "criminalidade organizada" a elas pretensamente relacionada tem sido, notadamente a partir da década de 1990, o principal pretexto para uma crescente produção de leis, que, no Brasil, como em outros países, muito se assemelham às legislações excepcionais criadas para a repressão política das ditaduras.
A legislação de exceção consagra o apelo a meios de busca de prova – como a quebra do sigilo de dados pessoais, a interceptação de comunicações telefônicas, a observação à distância, a infiltração de agentes policiais –, cuja verdadeira eficácia não é, como se anuncia, uma suposta viabilização de um controle mais eficaz da criminalidade, mas sim uma maior intervenção sobre a intimidade e a liberdade de todos os cidadãos. Ao lado destes meios invasivos do indivíduo, premia-se a delação, rompendo-se com o necessário conteúdo ético que há de orientar o processo penal ou qualquer outra atividade estatal em um Estado Democrático de Direito. O elogio e a recompensa da traição levam o Estado a exercer um papel deseducador no âmbito das relações interindividuais, ao transmitir valores, no mínimo, tão negativos quanto os que diz querer enfrentar.
A política proibicionista e a vulneração dos direitos à liberdade, à intimidade e à saúde
A violenta e perigosa política proibicionista, centrada na intervenção do sistema penal, manifesta-se de forma especialmente grave na vertente do consumo, notadamente quando se considera a criminalização – expressa ou disfarçada – da posse para uso pessoal de drogas qualificadas de ilícitas.
A criminalização da posse para uso pessoal é claramente incompatível com os postulados que devem informar os atos de governo em um Estado Democrático de Direito, seja quando se pune tal conduta com pena privativa de liberdade, seja para impor as chamadas "penas alternativas" (sanções pecuniárias ou restritivas de outros direitos), seja para impor tratamento médico. O consumidor de drogas qualificadas de ilícitas, estigmatizado como criminoso, infrator, ou doente, que deve sofrer uma pena explícita ou disfarçada em sanção administrativa, ou obrigatoriamente se submeter a tratamento médico, é indevidamente posto sob a alternativa: se é enfermo, não é livre; se é livre, é mau.[1]
Ocorre que a simples posse de drogas para uso pessoal, ou seu consumo em circunstâncias que não envolvam um perigo concreto para terceiros, são condutas que, situando-se na esfera individual, se inserem no campo da intimidade e da vida privada.
A função geral da ordem jurídica de proteção da dignidade da pessoa, que, na ordem constitucional brasileira, surge como um dos fundamentos da República, expresso no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal, gera princípios limitadores do poder do Estado de punir, que fazem da consideração do dano social ponto de referência
obrigatório para a fixação de parâmetros, na confecção de leis incriminadoras. No Estado Democrático de Direito, todo dispositivo legal criminalizador (isto é, toda regra que proíbe a realização de determinada conduta sob a ameaça de uma sanção penal) há de ter como elemento primário a ocorrência de uma lesão ou de um perigo concreto de lesão ao bem jurídico, que se pretende proteger com a proibição, bem jurídico este que delimita o campo de incidência da regra definidora da conduta criminalizada e que pode ser definido como a relação de disponibilidade de um sujeito com um objeto, identificável ao direito que o sujeito tem de dispor (isto é, de usar, de aproveitar) de certos objetos como a vida, a saúde, o patrimônio, etc. A lesão ou o perigo de lesão ao bem jurídico (isto é, sua afetação) revelam-se exatamente quando uma conduta impede ou perturba a disposição desses objetos, que, assim, necessariamente, hão de ser de titularidade de terceiros.
No Estado Democrático de Direito, cuja tônica maior encontra-se na subordinação do exercício do poder à lei, com vista a garantir os direitos e a dignidade de cada indivíduo, o bem jurídico há de sempre ser visto sob uma perspectiva pessoal. A identificação de bens jurídicos de caráter coletivo ou institucional só se admite enquanto condição de proteção de bens jurídicos individuais. A previsão dos denominados bens jurídicos de controle, que, apelando para expressões vagas, como ordem pública ou paz pública, orientam a atenção do direito penal no sentido da criminalização de condutas que atingem tão somente a mera afirmação da vontade ou da autoridade do Estado é incompatível com o Estado Democrático de Direito.
Na hipótese das drogas tornadas ilícitas, único bem jurídico reconhecível nas regras criminalizadoras é a saúde pública, como já explicitava o primitivo dispositivo do artigo 281 do Código Penal brasileiro, posteriormente substituído pela legislação especial. A saúde pública – espécie do gênero incolumidade pública – tem, como é sabido, um caráter coletivo, que é dado pela indeterminação de seus titulares. Sua afetação, como ocorre em relação a outros bens jurídicos desta natureza, só se verifica na medida da expansibilidade da lesão ou do perigo concreto de lesão a um número indeterminado de sujeitos.
Assim, enquanto houver destinação pessoal para a posse da droga e enquanto seu consumo se fizer de modo que não ultrapasse o âmbito individual, não haverá afetação da saúde pública. Ter algo para si próprio é o oposto de ter algo expansível a terceiros. Aqui se têm condutas privadas, em que ausente a concreta afetação de um bem jurídico de terceiros, condutas que como tal, não podem ser objeto de qualquer forma de criminalização.
Faz parte da liberdade, da intimidade e da vida privada a opção por fazer coisas, que pareçam para os outros – ou que até, efetivamente, sejam – erradas, "feias", imorais ou danosas a si mesmo. A dignidade da pessoa humana, reconhecida desde as origens do Estado Democrático de Direito, impede a transformação forçada do indivíduo. Enquanto não afete direitos de terceiros, o indivíduo pode ser e fazer o que bem lhe aprouver. O que os outros – e, portanto, também o Estado – podem fazer, nestas circunstâncias, é apenas tentar mostrar ao indivíduo, que, supostamente, está se prejudicando, que seu comportamento não está sendo bom, jamais podendo, no entanto, obrigá-lo a mudar este comportamento, ainda mais através da imposição de uma pena, qualquer que seja sua natureza ou sua dimensão.
Mas, a violenta e perigosa política proibicionista não esgota sua (ir)racionalidade no ilegítimo cerceamento dos direitos à liberdade individual, à intimidade e à vida privada.
É ainda nesta mesma vertente do consumo que surge um dos mais cuidadosamente ocultados paradoxos da criminalização. A falsa imagem, produzida pelo auto-referenciado sistema em que se desenvolve a política criminalizadora de determinadas substâncias psicoativas tornadas ilícitas, impede que se perceba que a proteção da saúde pública, que estaria a fundamentar a criminalização, contraditoriamente se vê afetada por esta mesma criminalização, trazendo a proibição maiores riscos à integridade física e mental dos consumidores das substâncias proibidas. Neste ponto, basta pensar nos efeitos da clandestinidade, a impedir o controle de qualidade das substâncias produzidas e comercializadas, a favorecer a falta de higiene, a complicar a procura de assistência, esclarecimentos e informações, a gerar maiores tensões, a estigmatizar, a isolar e marginalizar.
A criminalização da posse para uso pessoal é claramente incompatível com os postulados que devem informar os atos de governo em um Estado Democrático de Direito, seja quando se pune tal conduta com pena privativa de liberdade, seja para impor as chamadas "penas alternativas" (sanções pecuniárias ou restritivas de outros direitos), seja para impor tratamento médico. O consumidor de drogas qualificadas de ilícitas, estigmatizado como criminoso, infrator, ou doente, que deve sofrer uma pena explícita ou disfarçada em sanção administrativa, ou obrigatoriamente se submeter a tratamento médico, é indevidamente posto sob a alternativa: se é enfermo, não é livre; se é livre, é mau.[1]
Ocorre que a simples posse de drogas para uso pessoal, ou seu consumo em circunstâncias que não envolvam um perigo concreto para terceiros, são condutas que, situando-se na esfera individual, se inserem no campo da intimidade e da vida privada.
A função geral da ordem jurídica de proteção da dignidade da pessoa, que, na ordem constitucional brasileira, surge como um dos fundamentos da República, expresso no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal, gera princípios limitadores do poder do Estado de punir, que fazem da consideração do dano social ponto de referência
obrigatório para a fixação de parâmetros, na confecção de leis incriminadoras. No Estado Democrático de Direito, todo dispositivo legal criminalizador (isto é, toda regra que proíbe a realização de determinada conduta sob a ameaça de uma sanção penal) há de ter como elemento primário a ocorrência de uma lesão ou de um perigo concreto de lesão ao bem jurídico, que se pretende proteger com a proibição, bem jurídico este que delimita o campo de incidência da regra definidora da conduta criminalizada e que pode ser definido como a relação de disponibilidade de um sujeito com um objeto, identificável ao direito que o sujeito tem de dispor (isto é, de usar, de aproveitar) de certos objetos como a vida, a saúde, o patrimônio, etc. A lesão ou o perigo de lesão ao bem jurídico (isto é, sua afetação) revelam-se exatamente quando uma conduta impede ou perturba a disposição desses objetos, que, assim, necessariamente, hão de ser de titularidade de terceiros.
No Estado Democrático de Direito, cuja tônica maior encontra-se na subordinação do exercício do poder à lei, com vista a garantir os direitos e a dignidade de cada indivíduo, o bem jurídico há de sempre ser visto sob uma perspectiva pessoal. A identificação de bens jurídicos de caráter coletivo ou institucional só se admite enquanto condição de proteção de bens jurídicos individuais. A previsão dos denominados bens jurídicos de controle, que, apelando para expressões vagas, como ordem pública ou paz pública, orientam a atenção do direito penal no sentido da criminalização de condutas que atingem tão somente a mera afirmação da vontade ou da autoridade do Estado é incompatível com o Estado Democrático de Direito.
Na hipótese das drogas tornadas ilícitas, único bem jurídico reconhecível nas regras criminalizadoras é a saúde pública, como já explicitava o primitivo dispositivo do artigo 281 do Código Penal brasileiro, posteriormente substituído pela legislação especial. A saúde pública – espécie do gênero incolumidade pública – tem, como é sabido, um caráter coletivo, que é dado pela indeterminação de seus titulares. Sua afetação, como ocorre em relação a outros bens jurídicos desta natureza, só se verifica na medida da expansibilidade da lesão ou do perigo concreto de lesão a um número indeterminado de sujeitos.
Assim, enquanto houver destinação pessoal para a posse da droga e enquanto seu consumo se fizer de modo que não ultrapasse o âmbito individual, não haverá afetação da saúde pública. Ter algo para si próprio é o oposto de ter algo expansível a terceiros. Aqui se têm condutas privadas, em que ausente a concreta afetação de um bem jurídico de terceiros, condutas que como tal, não podem ser objeto de qualquer forma de criminalização.
Faz parte da liberdade, da intimidade e da vida privada a opção por fazer coisas, que pareçam para os outros – ou que até, efetivamente, sejam – erradas, "feias", imorais ou danosas a si mesmo. A dignidade da pessoa humana, reconhecida desde as origens do Estado Democrático de Direito, impede a transformação forçada do indivíduo. Enquanto não afete direitos de terceiros, o indivíduo pode ser e fazer o que bem lhe aprouver. O que os outros – e, portanto, também o Estado – podem fazer, nestas circunstâncias, é apenas tentar mostrar ao indivíduo, que, supostamente, está se prejudicando, que seu comportamento não está sendo bom, jamais podendo, no entanto, obrigá-lo a mudar este comportamento, ainda mais através da imposição de uma pena, qualquer que seja sua natureza ou sua dimensão.
Mas, a violenta e perigosa política proibicionista não esgota sua (ir)racionalidade no ilegítimo cerceamento dos direitos à liberdade individual, à intimidade e à vida privada.
É ainda nesta mesma vertente do consumo que surge um dos mais cuidadosamente ocultados paradoxos da criminalização. A falsa imagem, produzida pelo auto-referenciado sistema em que se desenvolve a política criminalizadora de determinadas substâncias psicoativas tornadas ilícitas, impede que se perceba que a proteção da saúde pública, que estaria a fundamentar a criminalização, contraditoriamente se vê afetada por esta mesma criminalização, trazendo a proibição maiores riscos à integridade física e mental dos consumidores das substâncias proibidas. Neste ponto, basta pensar nos efeitos da clandestinidade, a impedir o controle de qualidade das substâncias produzidas e comercializadas, a favorecer a falta de higiene, a complicar a procura de assistência, esclarecimentos e informações, a gerar maiores tensões, a estigmatizar, a isolar e marginalizar.
A política proibicionista, o mercado e a violência
Na vertente da produção e da distribuição das selecionadas substâncias psicoativas, que, normativamente diferenciadas, são qualificadas de drogas ilícitas, o descompromisso da globalizada política proibicionista com dados da realidade e a manipulação de fantasias e falsas informações já aparecem na própria linguagem.
Fala-se de "narcotráfico", sem se dar conta da desvirtuação do significado de tal palavra, da mesma forma que se fala de "crime organizado", sem que se estabeleça – até porque não há como fazê-lo – qualquer definição, com um mínimo de cientificidade, que traduza seu conteúdo.
A expressão "tráfico", que tem o sentido de negócio ilegal, já traz uma forte carga emocional, que a diferencia da expressão equivalente "comércio ilegal". A partir da política de "guerra contra as drogas", adicionou-se à expressão "tráfico", o uso do radical da palavra inglesa narcotics, que, estando presente também em outros idiomas, permitiu, ao mesmo tempo, uma uniformização de linguagens e uma ainda maior carga emocional, referida às atividades de produção e distribuição das drogas qualificadas de ilícitas. A expressão "narcotráfico" passou, então, a ser acriticamente repetida e interiorizada, sem que se perceba – ou se queira perceber – o claro descompromisso com a realidade e com a ciência, embutido em tal distorcido e funcional uso da linguagem.
Para criar o útil e exacerbado clima emocional, passa-se, tranqüilamente, por cima do fato de que o alvo principal da política proibicionista era e continua sendo a cocaína, que, como não se pode ignorar, não é um narcótico, mas, ao contrário, evidente e conhecido estimulante. Esta generalizada e distorcida utilização da expressão "narcotráfico", a par de sua exposta funcionalidade para a consolidação dos rumos internacionalizados da política proibicionista, serve ainda para alimentar manipuladas fantasias em torno de algo misterioso e poderoso, a ser enfrentado não importa com que meios.
Da mesma forma, surgem, instalam-se e consolidam-se, a partir da década de 1990, as expressões "crime organizado" e "criminalidade organizada", com que se pretende dar
a idéia de uma suposta espécie nova de criminalidade, dita globalizada, transnacional, poderosa, a vir ocupar o lugar de um novo "mal universal", constantemente associado à produção e à distribuição das drogas qualificadas de ilícitas.
Tenta-se apontar características, que seriam dadas por uma estrutura empresarial ou por supostas infiltrações nos aparelhos do poder político, mas não se consegue chegar a uma definição desta supostamente pós-moderna modalidade de atuação criminalizada. Na realidade, toda conduta, criminalizada ou não, que não se limite a ser uma reação instantânea ou instintiva a determinada situação, tem um componente de organização, que se manifesta, ainda mais especialmente, quando se têm condutas que reúnem mais de uma pessoa, com uma finalidade comum, o que, ordinariamente, acontece, seja no campo das condutas lícitas, como no das ilícitas.
As expressões "criminalidade organizada" e "crime organizado" não têm, assim, nenhum significado particular. Como a expressão "narcotráfico", têm a mesma carga emocional e assustadora que já tiveram, em outros tempos, as expressões "bruxaria" ou "heresia". Como a expressão "narcotráfico", apenas servem para assustar e permitir a produção de leis de exceção, aplicáveis ao que quer que se queira convencionar como sendo uma suposta manifestação de um tal imaginário fenômeno.
A substituição de amarras medievais por um mínimo de compromisso e atenção para com a realidade e com a ciência, certamente, poderia ajudar a desvendar a (ir)racionalidade da globalizada política proibicionista, nesta vertente da produção e da distribuição das substâncias psicoativas tornadas ilícitas.
Tome-se a realidade e a ciência econômica e pense-se, por exemplo, que a expansão dos mercados consumidores de drogas ilícitas, obedecendo à lógica das relações econômicas capitalistas, é fator determinante da produção, abrindo novas oportunidades de acumulação de capital e de geração de empregos e, assim, suprindo as limitadas oportunidades oferecidas pelas atividades econômicas lícitas, como já ocorreu em outras etapas do desenvolvimento capitalista. Esta lógica econômica já permite antever a inevitável ineficácia de uma política de controle fundada na intervenção do sistema penal: os empresários – grandes ou pequenos – e os empregados das empresas produtoras e distribuidoras das drogas qualificadas de ilícitas, quando presos ou eliminados, são facilmente substituíveis por outros igualmente desejosos de oportunidades de emprego ou de acumulação de capital, oportunidades que, por maior que seja a repressão, subsistirão enquanto estiverem presentes as circunstâncias socioeconômicas favorecedoras da demanda criadora e incentivadora do mercado. Onde houver demanda, haverá oferta.
Mas, pense-se também na pior conseqüência daquela variável artificial introduzida no mercado: a violência como corolário da ilegalidade. Ao tornar ilegais determinados bens e serviços, o sistema penal funciona como o real criador da criminalidade e da violência, fenômeno que se pode perceber também em relação ao jogo. Ao contrário do que se propaga, não são as drogas em si que geram criminalidade e violência, mas é o próprio fato da ilegalidade que produz e insere no mercado empresas criminalizadas – mais ou menos organizadas –, simultaneamente trazendo a violência como um subproduto necessário das atividades econômicas assim desenvolvidas.
Sendo o real criador da criminalidade e da violência relacionadas com as drogas tornadas ilícitas, através da intervenção do sistema penal sobre o mercado, o Estado máximo, vigilante e onipresente se vale destas mesmas criminalidade e violência, para, manipulando o medo e a insegurança provocados por ações reais ou imaginárias daí decorrentes, ampliar o poder punitivo e intensificar o controle sobre a generalidade dos indivíduos.
Fala-se de "narcotráfico", sem se dar conta da desvirtuação do significado de tal palavra, da mesma forma que se fala de "crime organizado", sem que se estabeleça – até porque não há como fazê-lo – qualquer definição, com um mínimo de cientificidade, que traduza seu conteúdo.
A expressão "tráfico", que tem o sentido de negócio ilegal, já traz uma forte carga emocional, que a diferencia da expressão equivalente "comércio ilegal". A partir da política de "guerra contra as drogas", adicionou-se à expressão "tráfico", o uso do radical da palavra inglesa narcotics, que, estando presente também em outros idiomas, permitiu, ao mesmo tempo, uma uniformização de linguagens e uma ainda maior carga emocional, referida às atividades de produção e distribuição das drogas qualificadas de ilícitas. A expressão "narcotráfico" passou, então, a ser acriticamente repetida e interiorizada, sem que se perceba – ou se queira perceber – o claro descompromisso com a realidade e com a ciência, embutido em tal distorcido e funcional uso da linguagem.
Para criar o útil e exacerbado clima emocional, passa-se, tranqüilamente, por cima do fato de que o alvo principal da política proibicionista era e continua sendo a cocaína, que, como não se pode ignorar, não é um narcótico, mas, ao contrário, evidente e conhecido estimulante. Esta generalizada e distorcida utilização da expressão "narcotráfico", a par de sua exposta funcionalidade para a consolidação dos rumos internacionalizados da política proibicionista, serve ainda para alimentar manipuladas fantasias em torno de algo misterioso e poderoso, a ser enfrentado não importa com que meios.
Da mesma forma, surgem, instalam-se e consolidam-se, a partir da década de 1990, as expressões "crime organizado" e "criminalidade organizada", com que se pretende dar
a idéia de uma suposta espécie nova de criminalidade, dita globalizada, transnacional, poderosa, a vir ocupar o lugar de um novo "mal universal", constantemente associado à produção e à distribuição das drogas qualificadas de ilícitas.
Tenta-se apontar características, que seriam dadas por uma estrutura empresarial ou por supostas infiltrações nos aparelhos do poder político, mas não se consegue chegar a uma definição desta supostamente pós-moderna modalidade de atuação criminalizada. Na realidade, toda conduta, criminalizada ou não, que não se limite a ser uma reação instantânea ou instintiva a determinada situação, tem um componente de organização, que se manifesta, ainda mais especialmente, quando se têm condutas que reúnem mais de uma pessoa, com uma finalidade comum, o que, ordinariamente, acontece, seja no campo das condutas lícitas, como no das ilícitas.
As expressões "criminalidade organizada" e "crime organizado" não têm, assim, nenhum significado particular. Como a expressão "narcotráfico", têm a mesma carga emocional e assustadora que já tiveram, em outros tempos, as expressões "bruxaria" ou "heresia". Como a expressão "narcotráfico", apenas servem para assustar e permitir a produção de leis de exceção, aplicáveis ao que quer que se queira convencionar como sendo uma suposta manifestação de um tal imaginário fenômeno.
A substituição de amarras medievais por um mínimo de compromisso e atenção para com a realidade e com a ciência, certamente, poderia ajudar a desvendar a (ir)racionalidade da globalizada política proibicionista, nesta vertente da produção e da distribuição das substâncias psicoativas tornadas ilícitas.
Tome-se a realidade e a ciência econômica e pense-se, por exemplo, que a expansão dos mercados consumidores de drogas ilícitas, obedecendo à lógica das relações econômicas capitalistas, é fator determinante da produção, abrindo novas oportunidades de acumulação de capital e de geração de empregos e, assim, suprindo as limitadas oportunidades oferecidas pelas atividades econômicas lícitas, como já ocorreu em outras etapas do desenvolvimento capitalista. Esta lógica econômica já permite antever a inevitável ineficácia de uma política de controle fundada na intervenção do sistema penal: os empresários – grandes ou pequenos – e os empregados das empresas produtoras e distribuidoras das drogas qualificadas de ilícitas, quando presos ou eliminados, são facilmente substituíveis por outros igualmente desejosos de oportunidades de emprego ou de acumulação de capital, oportunidades que, por maior que seja a repressão, subsistirão enquanto estiverem presentes as circunstâncias socioeconômicas favorecedoras da demanda criadora e incentivadora do mercado. Onde houver demanda, haverá oferta.
Mas, pense-se também na pior conseqüência daquela variável artificial introduzida no mercado: a violência como corolário da ilegalidade. Ao tornar ilegais determinados bens e serviços, o sistema penal funciona como o real criador da criminalidade e da violência, fenômeno que se pode perceber também em relação ao jogo. Ao contrário do que se propaga, não são as drogas em si que geram criminalidade e violência, mas é o próprio fato da ilegalidade que produz e insere no mercado empresas criminalizadas – mais ou menos organizadas –, simultaneamente trazendo a violência como um subproduto necessário das atividades econômicas assim desenvolvidas.
Sendo o real criador da criminalidade e da violência relacionadas com as drogas tornadas ilícitas, através da intervenção do sistema penal sobre o mercado, o Estado máximo, vigilante e onipresente se vale destas mesmas criminalidade e violência, para, manipulando o medo e a insegurança provocados por ações reais ou imaginárias daí decorrentes, ampliar o poder punitivo e intensificar o controle sobre a generalidade dos indivíduos.
Conclusão
Se se quiser compactuar com o apelo ao medo e à insegurança, com a contemporânea histeria criada em torno da violência associada à criminalidade, já se teria um argumento decisivo a indicar o caminho da descriminalização. Bastaria olhar e seguir o exemplo da história, sempre valendo repetir que quem derrotou a violência da Chicago dos anos vinte e trinta não foram os Intocáveis de Eliot Ness – foi, tão somente, o fim da Lei Seca.
Mas, a redução da violência não chega a ser a razão maior, a indicar o caminho da descriminalização. Mais importante é lembrar da advertência de Nils Christie de que o maior perigo da criminalidade nas sociedades modernas não é o crime em si mesmo, mas sim o de que a luta contra este acabe por conduzir tais sociedades ao totalitarismo.[2]
Esta significativa advertência deve direcionar as atenções para a necessidade de romper com a enganosamente salvadora intervenção do sistema penal, para a necessidade de romper com a revivida fantasia medieval que permite um pós-moderno sacrifício de novos hereges e bruxas, romper com o controle desmedido, manifestado através do exercício do poder do Estado de punir, romper com as visíveis ameaças a princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, embutidas nas legislações de exceção, assim efetivamente rompendo com a globalizada política proibicionista, causadora maior dos danos relacionados às drogas tornadas ilícitas.
Esta globalizada política proibicionista somente se sustenta pelo entorpecimento da razão. Somente uma razão entorpecida pode crer que a criminalização das condutas de produtores, distribuidores e consumidores de algumas dentre as inúmeras substâncias psicoativas sirva para deter uma busca de meios de alteração do psiquismo, que deita raízes na própria história da humanidade. Somente uma razão entorpecida pode admitir que, em troca de uma ilusória contenção desta busca, o próprio Estado fomente a violência, que só se faz presente nas atividades de produção e distribuição das drogas qualificadas de ilícitas, porque seu mercado é ilegal. Somente uma razão entorpecida pode autorizar que, sob este mesmo ilusório pretexto, se imponham restrições à liberdade de quem, eventualmente, queira causar um dano à sua própria saúde. Somente uma razão entorpecida pode conciliar com uma expansão do poder de punir, que, utilizando até mesmo a repressão militarizada, crescentemente desrespeita clássicos princípios garantidores, assim ameaçando os próprios fundamentos do Estado Democrático de Direito.
Liberadas dos negativos efeitos da criminalização, as drogas que, normativamente diferenciadas, são hoje qualificadas de ilícitas, certamente se mostrarão menos danosas. Eventuais excessos ou incentivos ao consumo descuidado ou descontrolado das substâncias psicoativas, quaisquer que sejam elas, devem ser objeto de medidas que, desvinculadas da nociva, contraproducente e dolorosa intervenção do sistema penal, possam resgatar o compromisso com a razão e se mostrar verdadeiramente eficazes na redução dos danos, eventualmente causáveis por um tal consumo excessivo, descuidado ou descontrolado.
Mas, a redução da violência não chega a ser a razão maior, a indicar o caminho da descriminalização. Mais importante é lembrar da advertência de Nils Christie de que o maior perigo da criminalidade nas sociedades modernas não é o crime em si mesmo, mas sim o de que a luta contra este acabe por conduzir tais sociedades ao totalitarismo.[2]
Esta significativa advertência deve direcionar as atenções para a necessidade de romper com a enganosamente salvadora intervenção do sistema penal, para a necessidade de romper com a revivida fantasia medieval que permite um pós-moderno sacrifício de novos hereges e bruxas, romper com o controle desmedido, manifestado através do exercício do poder do Estado de punir, romper com as visíveis ameaças a princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, embutidas nas legislações de exceção, assim efetivamente rompendo com a globalizada política proibicionista, causadora maior dos danos relacionados às drogas tornadas ilícitas.
Esta globalizada política proibicionista somente se sustenta pelo entorpecimento da razão. Somente uma razão entorpecida pode crer que a criminalização das condutas de produtores, distribuidores e consumidores de algumas dentre as inúmeras substâncias psicoativas sirva para deter uma busca de meios de alteração do psiquismo, que deita raízes na própria história da humanidade. Somente uma razão entorpecida pode admitir que, em troca de uma ilusória contenção desta busca, o próprio Estado fomente a violência, que só se faz presente nas atividades de produção e distribuição das drogas qualificadas de ilícitas, porque seu mercado é ilegal. Somente uma razão entorpecida pode autorizar que, sob este mesmo ilusório pretexto, se imponham restrições à liberdade de quem, eventualmente, queira causar um dano à sua própria saúde. Somente uma razão entorpecida pode conciliar com uma expansão do poder de punir, que, utilizando até mesmo a repressão militarizada, crescentemente desrespeita clássicos princípios garantidores, assim ameaçando os próprios fundamentos do Estado Democrático de Direito.
Liberadas dos negativos efeitos da criminalização, as drogas que, normativamente diferenciadas, são hoje qualificadas de ilícitas, certamente se mostrarão menos danosas. Eventuais excessos ou incentivos ao consumo descuidado ou descontrolado das substâncias psicoativas, quaisquer que sejam elas, devem ser objeto de medidas que, desvinculadas da nociva, contraproducente e dolorosa intervenção do sistema penal, possam resgatar o compromisso com a razão e se mostrar verdadeiramente eficazes na redução dos danos, eventualmente causáveis por um tal consumo excessivo, descuidado ou descontrolado.
Juíza de Direito aposentada, ex-Defensora Pública no Estado do Rio de Janeiro e ex-Juíza Auditora da Justiça Militar Federal. Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, da Associação Juízes para a Democracia e do Instituto Carioca de Criminologia. Professora do curso "Jurisdição e Competência", no Mestrado em Ciências Penais da Universidade Cândido Mendes.
Notas:
[1] Cf. Alessandro Baratta, "FUNDAMENTOS IDEOLÓGICOS DA ATUAL POLÍTICA CRIMINAL SOBRE DROGAS", in SÓ SOCIALMENTE …, org. Odair Dias Gonçalves e Francisco Inácio Bastos, Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1992, páginas 35 a 49.
[2] in LA INDUSTRIA DEL CONTROL DEL DELITO – LA NUEVA FORMA DEL HOLOCAUSTO?, edição em espanhol, com tradução de Sara Costa (Editores del Puerto, Buenos Aires, 1993, página 24).
Published by The Narco News Bulleton
Reporting on the Drug War and Democracy from Latin America
Drogas ilícitas e globalização
http://www.narconews.com/Issue30/artigo785.html
Notas:
[1] Cf. Alessandro Baratta, "FUNDAMENTOS IDEOLÓGICOS DA ATUAL POLÍTICA CRIMINAL SOBRE DROGAS", in SÓ SOCIALMENTE …, org. Odair Dias Gonçalves e Francisco Inácio Bastos, Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1992, páginas 35 a 49.
[2] in LA INDUSTRIA DEL CONTROL DEL DELITO – LA NUEVA FORMA DEL HOLOCAUSTO?, edição em espanhol, com tradução de Sara Costa (Editores del Puerto, Buenos Aires, 1993, página 24).
Published by The Narco News Bulleton
Reporting on the Drug War and Democracy from Latin America
Drogas ilícitas e globalização
http://www.narconews.com/Issue30/artigo785.html
Maria Lucia Karam, juíza aposentada do Rio de Janeiro - LEAP (Law Enforcement Against Prohibition)
A juíza aposentada do Rio de Janeiro, Maria Lucia Karam, afirma que a criminalização do usuário que ainda persiste no Brasil viola declarações internacionais e e a própria Constituição brasileira. Karam faz parte da Aplicação da Lei contra a Proibição (Leap, na sigla em inglês). Segundo a juíza, a guerra às drogas nos EUA - que serve de referência para outros países - já propicia um quadro de encarceramento da população negra que ultrapassa os indíces do regime do apartheid na África do Sul.Judicialmente, o usuário de drogas ainda é tratado como criminoso? Na sua opinião, quais mudanças na legislação poderiam tornar o relacionamento do judiciário com o usuário mais humano?
Maria Lucia Karam: Sim, o usuário de drogas ilícitas ainda é tratado como criminoso no Brasil. A Lei 11.343/2006 – a vigente lei brasileira em matéria de drogas – ilegitimamente criminaliza a posse para uso pessoal das drogas tornadas ilícitas em seu artigo 28, ali prevendo penas de advertência, prestação de serviços à comunidade, comparecimento a programa ou curso educativo e, em caso de descumprimento, admoestação e multa. A Lei 11.343/2006 apenas afastou a previsão de pena privativa de liberdade.Não se trata de tornar o relacionamento do Poder Judiciário com o usuário mais humano. Na realidade, o mero fato de usar drogas ilícitas não deveria levar ninguém a se relacionar com o Poder Judiciário. A criminalização da posse para uso pessoal das drogas tornadas ilícitas viola princípios garantidores de direitos fundamentais inscritos nas declarações internacionais de direitos e nas constituições democráticas, aí naturalmente incluída a Constituição Federal brasileira. A simples posse para uso pessoal das drogas tornadas ilícitas, ou seu consumo em circunstâncias que não envolvam um perigo concreto, direto e imediato para terceiros são condutas que dizem respeito unicamente ao indivíduo que as realiza, à sua liberdade, às suas opções pessoais. Condutas dessa natureza não podem sofrer nenhuma intervenção do Estado, não podem sofrer nenhuma sanção. Em uma democracia, a liberdade do indivíduo só pode sofrer restrições quando sua conduta atinja direta e concretamente direitos de terceiros.
A guerra às drogas tem um cunho social? Isto é, ela atinge majoritariamente os mais pobres? Se sim, a sra. considera que essa é uma estratégia pensada propositadamente para atingir os mais pobres?
MLK: A “guerra às drogas” não se dirige propriamente contra as drogas. Como qualquer outra guerra, dirige-se sim contra pessoas – nesse caso, os produtores, comerciantes e consumidores das drogas tornadas ilícitas. Como acontece com qualquer intervenção do sistema penal, os mais atingidos pela repressão são – e sempre serão – os mais vulneráveis econômica e socialmente, os desprovidos de riquezas, os desprovidos de poder.No Brasil, os mais atingidos são os muitos meninos, que, sem oportunidades e sem perspectivas de uma vida melhor, são identificados como “traficantes”, morrendo e matando, envolvidos pela violência causada pela ilegalidade imposta ao mercado onde trabalham. Enfrentam a polícia nos confrontos regulares ou irregulares; enfrentam os delatores; enfrentam os concorrentes de seu negócio. Devem se mostrar corajosos; precisam assegurar seus lucros efêmeros, seus pequenos poderes, suas vidas. Não vivem muito e, logo, são substituídos por outros meninos igualmente sem esperanças. Os que sobrevivem, superlotam as prisões brasileiras.Nos EUA, pesquisas apontam que, embora somente 13,5% de todos os usuários e “traficantes” de drogas naquele país sejam negros, 37% dos capturados por violação a leis de drogas são negros; 60% em prisões estaduais por crimes relacionados a drogas são negros; 81% dos acusados por violações a leis federais relativas a drogas são negros. Os EUA encarceram 1.009 pessoas por cem mil habitantes adultos. Se considerados os homens brancos, são 948 por cem mil habitantes adultos. Se considerados os homens negros, são 6.667 por cem mil habitantes. Sob o regime mais racista da história moderna, em 1993 – sob o apartheid na África do Sul – a proporção era de 851 negros encarcerados por cem mil habitantes. Como ressalta Jack A. Cole, diretor da Law Enforcement Against Prohibition-LEAP – organização internacional que reúne policiais, juízes, promotores, agentes penitenciários e da qual orgulhosamente faço parte – é o racismo que conduz a “guerra às drogas” nos EUA.Na Europa, a mesma desproporção se manifesta em relação aos imigrantes vindos de países pobres.A função da “guerra às drogas” – ou do sistema penal em geral – de criminalização dos mais vulneráveis e de conseqüente conservação e reprodução de estruturas de dominação não é exatamente uma estratégia pensada propositadamente pelo político A ou B; é sim algo inerente ao exercício do sempre violento, danoso e doloroso poder punitivo.
As experiências de legalização/descriminalização das drogas têm ajudado a diminuir a violência em função do tráfico?
MLK: As experiências menos repressivas na atualidade limitam-se à descriminalização da posse para uso pessoal das drogas tornadas ilícitas. A descriminalização da posse para uso pessoal das drogas ilícitas é um imperativo derivado da necessária observância dos princípios garantidores dos direitos fundamentais inscritos nas declarações internacionais de direitos e nas constituições democráticas. A posse de drogas para uso pessoal, como antes mencionado, é uma conduta que não atinge concretamente nenhum direito de terceiros e, portanto, não pode ser objeto de qualquer intervenção do Estado.Mas essa imperativa descriminalização não é suficiente. Não haverá nenhuma mudança significativa, especialmente no que concerne à violência, a não ser que a produção, o comércio e o consumo de todas as drogas possam se desenvolver em um ambiente de legalidade. Para afastar os riscos e os danos da proibição, para pôr fim à violência resultante da ilegalidade, é preciso legalizar a produção, o comércio e o consumo de todas as drogas.A legalização da produção e do comércio de todas as drogas afastará a violência que hoje acompanha tais atividades, pois essa violência só se faz presente porque o mercado é ilegal. ão são as drogas que causam violência. A produção e o comércio de drogas não são atividades violentas em si mesmas. É a ilegalidade que cria a violência. A produção e o comércio de drogas só se fazem acompanhar de armas e de violência quando se desenvolvem em um mercado ilegal. A violência não provem apenas dos enfrentamentos com as forças policiais, da impossibilidade de resolução legal dos conflitos, ou do estímulo à circulação de armas. Além disso, há a diferenciação, o estigma, a demonização, a hostilidade, a exclusão, derivados da própria ideia de crime, a sempre gerar violência, seja da parte de agentes policiais, seja da parte daqueles a quem é atribuído o papel do “criminoso” – ou pior, do “inimigo”.A produção e o comércio de álcool ou de tabaco se desenvolvem sem violência – disputas de mercado, cobranças de dívidas, tudo se faz sem violência. Por que é diferente na produção e no comércio de maconha ou cocaína? A óbvia diferença está na proibição, na irracional política antidrogas, na insana e sanguinária “guerra às drogas”.Aliás, o exemplo de legalização que podemos invocar é o que ocorreu nos EUA na década de 1930, com o fim da proibição do álcool. O proibicionismo produziu e inseriu no mercado produtor e distribuidor do álcool empresas criminalizadas; fortaleceu a máfia de Al Capone e seus companheiros; provocou a violência que caracterizou especialmente a cidade de Chicago daquele tempo. Com o fim da chamada Lei Seca (o Volstead Act), o mercado do álcool se normalizou e aquela violência que o cercava simplesmente desapareceu.
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
Pesquisa mostra que maconha pode curar câncer de mama
Pesquisa mostra que maconha pode curar câncer de mama
Jornal do Brasil
Uma equipe de cientistas espanhóis informou que os componentes ativos da maconha, e todos os seus derivados, podem reduzir o crescimento do câncer de mama e a aparição de metástase da doença. Os cannabinoides, substâncias naturais encontradas na droga, seriam capazes não só de deter, como acabar com as células derivadas dos tumores de mama.
Os efeitos da droga foram testados em ratos, por pesquisadores da Universidade Autônoma de Madri (UAM), da Universidade Complutense de Madri e do Centro Nacional de Biotecnologia. Os animais, afetados pelo modelo genético do câncer de mama MMTVneu, geram de forma espontânea tumores, que são transferidos por metástase ao pulmão. A transferência ocorre pelos elevados níveis de uma proteína chamada “oncogene ErbB2”, que também existe nos humanos que possuem câncer.
Os componente do cannabinoide (CBD) atua bloqueando a atividade do gene Id-1, responsável pela disseminação de célula cancerígenas do tumor para as outras partes do corpo. Estudos anteriores já haviam revelado que o cannabinoide pode bloquear as formas agressivas de câncer no cérebro.
Os cientistas afirmam que a substância não tem propriedades psicoativas, portanto seu uso em futuros tratamentos não infringe as leis que proíbem o consumo de drogas. Além disso, a quantidade de CBD necessária para o tratamento não consegue ser obtida através do consumo da droga.
O tratamento com o CBD pode vir a ser, no futuro, uma alternativa à quimioterapia.
Epidemia Nacional de Crack: 3.871 cidades infectadas
Por Rafael Moraes Moura, estadao.com.br, Atualizado: 14/12/2010 0:36
Epidemia nacional, crack já está em pelo menos 3.871 cidades brasileiras
O consumo de crack já se alastrou pelo País, atingindo sem distinção grandes centros urbanos e zonas rurais, aponta pesquisa da Confederação Nacional de Municípios (CNM) divulgada ontem. Levantamento feito com 3.950 cidades mostra que 98% dos municípios (3.871) enfrentam problemas relacionados ao crack.
'Estamos falando de uma geografia do crack', disse o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski. 'O problema alcançou uma dimensão nacional. Não está mais nas grandes cidades, mas nas áreas rurais', completou. Para a confederação, a principal promessa para conseguir alterar essa realidade, o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas, lançado em período pré-eleitoral para servir de vitrine à campanha de Dilma Rousseff (PT), 'não aconteceu'. 'Saímos da eleição. E alguém discutiu isso?'
Conforme o estudo, até agora, apenas 3,39% das cidades brasileiras fizeram convênio com o governo federal para conseguir recursos do Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas, lançado em maio. Em São Paulo, foram ainda menos: 2,50%. A CNM alega que o plano limitou o acesso dos municípios às ações ao estabelecer como requisito para os beneficiários uma população acima de 20 mil habitantes.
O estudo conclui que uma das grandes dificuldades apresentadas é o financiamento das ações, que tem persistido em forma de subfinanciamentos em todos os programas ou políticas de governo. Apenas 24,6% recebem auxílio financeiro do governo federal, 13,8% do estadual e 3,6% de outras instituições. A maior parte dos municípios que já estão com o plano contra o crack em execução utiliza recursos próprios para enfrentar o problema, totalizando 62,4%.
A Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad) rebateu as críticas, alegando que dos R$ 410 milhões previstos para o plano neste ano, R$ 285 milhões estão sendo executados. Já teriam sido destinados pela Senad R$ 73 milhões para a abertura de leitos em hospitais e comunidades terapêuticas, criação de Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASFs) e capacitação de agentes que atuam na rede de atendimento ao usuário de droga, entre outras ações. 'Na verdade, o plano vem tendo uma implementação extremamente positiva e uma execução satisfatória', afirmou a secretária-adjunta da Senad, Paulina Duarte.
Paulina classificou como 'temerário' o dado de que 98% dos municípios brasileiros enfrentam problemas com crack. 'Se nós fizermos um estudo epidemiológico, não vamos encontrar nenhum município sem caso, agora há lugares com consumo maior, outros menores', argumentou. Segundo ela, os municípios com menos de 20 mil habitantes foram contemplados em editais e liberações de verbas pontuais - ao contrário do que diz a CNM.
'Estamos falando de uma geografia do crack', disse o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski. 'O problema alcançou uma dimensão nacional. Não está mais nas grandes cidades, mas nas áreas rurais', completou. Para a confederação, a principal promessa para conseguir alterar essa realidade, o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas, lançado em período pré-eleitoral para servir de vitrine à campanha de Dilma Rousseff (PT), 'não aconteceu'. 'Saímos da eleição. E alguém discutiu isso?'
Conforme o estudo, até agora, apenas 3,39% das cidades brasileiras fizeram convênio com o governo federal para conseguir recursos do Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas, lançado em maio. Em São Paulo, foram ainda menos: 2,50%. A CNM alega que o plano limitou o acesso dos municípios às ações ao estabelecer como requisito para os beneficiários uma população acima de 20 mil habitantes.
O estudo conclui que uma das grandes dificuldades apresentadas é o financiamento das ações, que tem persistido em forma de subfinanciamentos em todos os programas ou políticas de governo. Apenas 24,6% recebem auxílio financeiro do governo federal, 13,8% do estadual e 3,6% de outras instituições. A maior parte dos municípios que já estão com o plano contra o crack em execução utiliza recursos próprios para enfrentar o problema, totalizando 62,4%.
A Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad) rebateu as críticas, alegando que dos R$ 410 milhões previstos para o plano neste ano, R$ 285 milhões estão sendo executados. Já teriam sido destinados pela Senad R$ 73 milhões para a abertura de leitos em hospitais e comunidades terapêuticas, criação de Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASFs) e capacitação de agentes que atuam na rede de atendimento ao usuário de droga, entre outras ações. 'Na verdade, o plano vem tendo uma implementação extremamente positiva e uma execução satisfatória', afirmou a secretária-adjunta da Senad, Paulina Duarte.
Paulina classificou como 'temerário' o dado de que 98% dos municípios brasileiros enfrentam problemas com crack. 'Se nós fizermos um estudo epidemiológico, não vamos encontrar nenhum município sem caso, agora há lugares com consumo maior, outros menores', argumentou. Segundo ela, os municípios com menos de 20 mil habitantes foram contemplados em editais e liberações de verbas pontuais - ao contrário do que diz a CNM.
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
O papel do consumidor de drogas na cadeia do tráfico
O papel do consumidor de drogas na cadeia do tráfico
IstoÉ/LB
Enquanto emissoras de tevê exibiam na quarta-feira 1º as toneladas de drogas apreendidas no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, o escritor J., 57 anos, assistia às imagens envolto em fumaça. Sentado na poltrona de seu confortável apartamento no Leblon, na zona sul, ele fumava mais um dos cigarros de maconha que volta e meia costuma acender. “Uso desde os 19 anos”, conta. Apesar da distância que o separa das favelas de onde a polícia expulsou os traficantes, J., assim como outros usuários, é apontado pelas autoridades como um dos financiadores da gigantesca engrenagem das facções criminosas. Eles estão longe geograficamente, mas conectados pela velha lógica de mercado: um não existe sem o outro. Não tem fornecedor se não tiver consumidor. Simples assim. “O dinheiro que o tráfico busca sai de quem consome”, define o secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame.
Por seu lado, J. culpa a lei que proíbe a droga. “Se a venda fosse liberada, não haveria traficantes”, diz, repetindo o mantra dos movimentos pela descriminalização das drogas. Não é tão simples, uma vez que se sabe que todas as drogas são nocivas à saúde. Combater o consumo é a parte mais difícil da luta contra os entorpecentes. Por isso, é preciso que a sociedade olhe para si própria e decida encarar esta questão.
A coletividade ainda se ressente do folclore que por anos a fio conferiu uma certa aura de heroísmo aos bandidos e algum glamour a essas substâncias. “A cultura do crime e a cultura da droga ainda não estão sendo adequadamente combatidas”, acredita o cientista político Murillo de Aragão, da Universidade de Brasília. “Muitos bacanas continuam a cheirar cocaína e fumar maconha sem se importar com o que está por trás disso.” A balada regada a pó e o pôr do sol na praia embalado pela erva são formas de viver que turbinam o consumo de entorpecentes desde as décadas de 1960 e 1970, quando os ativistas hippies acreditavam que os psicotrópicos eram uma alternativa ao sistema opressor.
Muitos dos músicos, cantores e poetas que viveram essa época, porém, têm hoje uma avaliação diferente. É o caso do compositor e escritor Jorge Mautner. Parceiro de Gilberto Gil em sucessos como “Maracatu Atômico”, ele fez com o amigo a música “Coisa Assassina” cuja letra classifica os entorpecentes de “doença, monotonia da loucura e morte”. Mautner não acha viável liberar as drogas, algo, segundo ele, capaz de criar muita tristeza para quem usa e para quem está no entorno.
Ele acredita que o usuário deve, sim, pesar as consequências de seu ato quando compra a erva ou o pó. Ao definir a experiência com entorpecentes, cita John Lennon, que disse: “O álcool e as drogas me deram asas, depois me tiraram o céu.” “É uma ótima definição”, afirma.
Para muitos, esse tipo de alerta é inútil. “Comecei a fumar maconha aos 18 anos e uso semanalmente”, diz a produtora fotográfica paulista I., 23 anos. “Minha mãe também fuma e sempre me disse para usar com responsabilidade.” Ela não se sente nem um pouco responsável pelo tráfico e, como outros usuários, opina que a proibição é que gera o mercado paralelo. “Defendo que legalizem apenas a maconha. Compramos num sistema de entregas e eles trazem aqui em casa, tudo muito profissional”, diz.
Na ótica de alguns usuários moradores de bairros de classe média alta, o fato de receberem a droga na residência, sem necessidade de ir à boca de fumo, faz parecer que eles não têm nenhuma ligação com o funcionamento das facções.
Porém, mesmo quem é ativista pró-legalização discorda dessa visão. “Ainda que seja levada por um jovem bem-vestido e morador do mesmo bairro, aquela droga sai do carregamento que está no alto do morro”, analisa o comerciante Matias Maxx, 30 anos, um dos organizadores da Marcha da Maconha. Para evitar financiar o tráfico, ele cultiva num pequeno vaso a canábis que consome.
A praticidade de encomendar a droga e recebê-la em casa é uma facilidade a mais para quem pretende seguir consumindo e uma grande dificuldade para quem quer largá-la. “Peço por telefone e não consigo me ver como responsável pelo tráfico”, diz o professor R., 32 anos, consumidor de cocaína há 15 e que hoje se considera um dependente.
No centro dos debates está a definição da forma mais adequada de encarar os usuários. Para o advogado João Mestieri, especializado em direito criminal, o sistema atual é avançado. “O Brasil encontrou um caminho interessante ao não punir o usuário, mas o traficante. Isso livrou o usuário da cadeia, tirou dele o ‘carimbo negativo’.” Especializado no estudo da criminalidade, o sociólogo Gláucio Soares discorda. Ele classifica a legislação atual de hipócrita, pois mostra que a sociedade não quer ser responsabilizada pelos seus atos. “Temos a punição do traficante que vende algo ilegal, mas aquele que compra não sofre nada”, critica.
Para resolver esse impasse, Soares sugere uma definição clara. “Ou o usuário é um problema de saúde, e aí o Estado deve providenciar uma rede eficaz de tratamento, ou é financiador da organização criminosa, e então tem que ser punido com rigor”, diz o sociólogo.
Para o governo, é uma questão complicada, pois a droga não pode ser considerada uma mercadoria comum. “Na fase de experimentação, o jovem está sujeito a pressões do grupo, tentativas de lidar com problemas emocionais e até curiosidade”, diz a secretária Nacional de Políticas sobre Drogas-Adjunta, Paulina Soares. “Já o uso regular e a dependência envolvem fatores mais complexos que demandam do governo e da sociedade o compartilhamento de responsabilidades.”
Já se discutiu várias vezes a responsabilidade do consumidor de drogas e a possibilidade de descriminalização. Em nenhuma das ocasiões, porém, o debate foi levado a termo e resultou em ação.
No entanto, diante das cenas estarrecedoras transmitidas do Complexo do Alemão, desde que a polícia e as Forças Armadas se uniram para retomar aquele território, pode ser que desta vez a discussão seja mais proveitosa. Para isso, é preciso que os debatedores entendam do que estão falando.
“Não é verdade que a maconha seja inofensiva como dizem, trato de muitos usuários com problemas sérios”, avalia o psiquiatra Jorge Jaber, responsável por uma das mais conceituadas clínicas de recuperação de dependentes do Rio. “Ela leva a outras drogas e acelera os problemas psíquicos de quem tem predisposição a desenvolvê-los”, acrescenta o médico João Maria Correia Filho, do Hospital das Clínicas, especialista no estudo de entorpecentes e álcool. Segundo ele, é preciso conscientizar as famílias. “Há muito que pode ser feito, mas legalizar definitivamente não é a solução”, diz.
O caminho do vício começa na adolescência, entre os 14 e 17 anos, quando o garoto ou a garota experimentam maconha, e segue na juventude, até os 25 anos, quando ocorre o primeiro contato com a cocaína, droga ainda predominante nas classes mais altas. Depois vem o crack, cujo contingente de consumidores deve dobrar em dez anos, e tem crescido com força na classe média. Semanas atrás, o então advogado do goleiro Bruno, Ércio Quaresma, foi flagrado, em vídeo, fumando crack.
IstoÉ/LB
Enquanto emissoras de tevê exibiam na quarta-feira 1º as toneladas de drogas apreendidas no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, o escritor J., 57 anos, assistia às imagens envolto em fumaça. Sentado na poltrona de seu confortável apartamento no Leblon, na zona sul, ele fumava mais um dos cigarros de maconha que volta e meia costuma acender. “Uso desde os 19 anos”, conta. Apesar da distância que o separa das favelas de onde a polícia expulsou os traficantes, J., assim como outros usuários, é apontado pelas autoridades como um dos financiadores da gigantesca engrenagem das facções criminosas. Eles estão longe geograficamente, mas conectados pela velha lógica de mercado: um não existe sem o outro. Não tem fornecedor se não tiver consumidor. Simples assim. “O dinheiro que o tráfico busca sai de quem consome”, define o secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame.
Por seu lado, J. culpa a lei que proíbe a droga. “Se a venda fosse liberada, não haveria traficantes”, diz, repetindo o mantra dos movimentos pela descriminalização das drogas. Não é tão simples, uma vez que se sabe que todas as drogas são nocivas à saúde. Combater o consumo é a parte mais difícil da luta contra os entorpecentes. Por isso, é preciso que a sociedade olhe para si própria e decida encarar esta questão.
A coletividade ainda se ressente do folclore que por anos a fio conferiu uma certa aura de heroísmo aos bandidos e algum glamour a essas substâncias. “A cultura do crime e a cultura da droga ainda não estão sendo adequadamente combatidas”, acredita o cientista político Murillo de Aragão, da Universidade de Brasília. “Muitos bacanas continuam a cheirar cocaína e fumar maconha sem se importar com o que está por trás disso.” A balada regada a pó e o pôr do sol na praia embalado pela erva são formas de viver que turbinam o consumo de entorpecentes desde as décadas de 1960 e 1970, quando os ativistas hippies acreditavam que os psicotrópicos eram uma alternativa ao sistema opressor.
Muitos dos músicos, cantores e poetas que viveram essa época, porém, têm hoje uma avaliação diferente. É o caso do compositor e escritor Jorge Mautner. Parceiro de Gilberto Gil em sucessos como “Maracatu Atômico”, ele fez com o amigo a música “Coisa Assassina” cuja letra classifica os entorpecentes de “doença, monotonia da loucura e morte”. Mautner não acha viável liberar as drogas, algo, segundo ele, capaz de criar muita tristeza para quem usa e para quem está no entorno.
Ele acredita que o usuário deve, sim, pesar as consequências de seu ato quando compra a erva ou o pó. Ao definir a experiência com entorpecentes, cita John Lennon, que disse: “O álcool e as drogas me deram asas, depois me tiraram o céu.” “É uma ótima definição”, afirma.
Para muitos, esse tipo de alerta é inútil. “Comecei a fumar maconha aos 18 anos e uso semanalmente”, diz a produtora fotográfica paulista I., 23 anos. “Minha mãe também fuma e sempre me disse para usar com responsabilidade.” Ela não se sente nem um pouco responsável pelo tráfico e, como outros usuários, opina que a proibição é que gera o mercado paralelo. “Defendo que legalizem apenas a maconha. Compramos num sistema de entregas e eles trazem aqui em casa, tudo muito profissional”, diz.
Na ótica de alguns usuários moradores de bairros de classe média alta, o fato de receberem a droga na residência, sem necessidade de ir à boca de fumo, faz parecer que eles não têm nenhuma ligação com o funcionamento das facções.
Porém, mesmo quem é ativista pró-legalização discorda dessa visão. “Ainda que seja levada por um jovem bem-vestido e morador do mesmo bairro, aquela droga sai do carregamento que está no alto do morro”, analisa o comerciante Matias Maxx, 30 anos, um dos organizadores da Marcha da Maconha. Para evitar financiar o tráfico, ele cultiva num pequeno vaso a canábis que consome.
A praticidade de encomendar a droga e recebê-la em casa é uma facilidade a mais para quem pretende seguir consumindo e uma grande dificuldade para quem quer largá-la. “Peço por telefone e não consigo me ver como responsável pelo tráfico”, diz o professor R., 32 anos, consumidor de cocaína há 15 e que hoje se considera um dependente.
No centro dos debates está a definição da forma mais adequada de encarar os usuários. Para o advogado João Mestieri, especializado em direito criminal, o sistema atual é avançado. “O Brasil encontrou um caminho interessante ao não punir o usuário, mas o traficante. Isso livrou o usuário da cadeia, tirou dele o ‘carimbo negativo’.” Especializado no estudo da criminalidade, o sociólogo Gláucio Soares discorda. Ele classifica a legislação atual de hipócrita, pois mostra que a sociedade não quer ser responsabilizada pelos seus atos. “Temos a punição do traficante que vende algo ilegal, mas aquele que compra não sofre nada”, critica.
Para resolver esse impasse, Soares sugere uma definição clara. “Ou o usuário é um problema de saúde, e aí o Estado deve providenciar uma rede eficaz de tratamento, ou é financiador da organização criminosa, e então tem que ser punido com rigor”, diz o sociólogo.
Para o governo, é uma questão complicada, pois a droga não pode ser considerada uma mercadoria comum. “Na fase de experimentação, o jovem está sujeito a pressões do grupo, tentativas de lidar com problemas emocionais e até curiosidade”, diz a secretária Nacional de Políticas sobre Drogas-Adjunta, Paulina Soares. “Já o uso regular e a dependência envolvem fatores mais complexos que demandam do governo e da sociedade o compartilhamento de responsabilidades.”
Já se discutiu várias vezes a responsabilidade do consumidor de drogas e a possibilidade de descriminalização. Em nenhuma das ocasiões, porém, o debate foi levado a termo e resultou em ação.
No entanto, diante das cenas estarrecedoras transmitidas do Complexo do Alemão, desde que a polícia e as Forças Armadas se uniram para retomar aquele território, pode ser que desta vez a discussão seja mais proveitosa. Para isso, é preciso que os debatedores entendam do que estão falando.
“Não é verdade que a maconha seja inofensiva como dizem, trato de muitos usuários com problemas sérios”, avalia o psiquiatra Jorge Jaber, responsável por uma das mais conceituadas clínicas de recuperação de dependentes do Rio. “Ela leva a outras drogas e acelera os problemas psíquicos de quem tem predisposição a desenvolvê-los”, acrescenta o médico João Maria Correia Filho, do Hospital das Clínicas, especialista no estudo de entorpecentes e álcool. Segundo ele, é preciso conscientizar as famílias. “Há muito que pode ser feito, mas legalizar definitivamente não é a solução”, diz.
O caminho do vício começa na adolescência, entre os 14 e 17 anos, quando o garoto ou a garota experimentam maconha, e segue na juventude, até os 25 anos, quando ocorre o primeiro contato com a cocaína, droga ainda predominante nas classes mais altas. Depois vem o crack, cujo contingente de consumidores deve dobrar em dez anos, e tem crescido com força na classe média. Semanas atrás, o então advogado do goleiro Bruno, Ércio Quaresma, foi flagrado, em vídeo, fumando crack.
Sérgio Cabral sugere a legalização da maconha
Afirmação foi durante entrevista à Folha de São Paulo e à Rede TVDo R7 06/12/2010 às 12h14
Em entrevista à Folha de São Paulo e à Rede TV, neste domingo, o governador do Rio Sérgio Cabral afirmou que vai sugerir à presidente eleita Dilma Rousseff, que leve a fóruns internacionais o debate sobre a legalização das drogas consideradas leves.O governador afirmou que "a repressão pura e simples não tem sido inteligente" e que "a proibição leva a mais prejuízo do que uma ação inteligente do poder público".Para o governador, num primeiro momento, a experiência poderia ser feita com a maconha. Ele afirmou ainda que a repressão às drogas mata "inocentes" e demanda um "gasto" que poderia ser aplicado em outras áreas.Cabral ressalvou porém que a legalização deve ser adotada por um grupo de países, o que só poderia ser feito a partir de instituições internacionais como na ONU e no G-20.- É um tema que merece a atenção dos chefes de Estado.Ainda durante a entrevista Cabral disse que vai sugerir à Dilma que avalie "a unificação das polícias militar e civil". E defendeu a legalização dos jogos de azar no país.- Regras claras, transparentes dariam controle legal sobre a atividade. Falta intensividade na discussão da vida como ela é.
domingo, 5 de dezembro de 2010
O golaço carioca: FHC
O golaço carioca
05 de dezembro de 2010 0h 00
www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101205/not_imp649655,0.php
Fernando Henrique Cardoso - O Estado de S.Paulo
O Rio marcou um gol, um golaço. E digo bem: foi a cidade do Rio de Janeiro, e não apenas seu governo, a polícia ou as Forças Armadas. A César o que é de César: a articulação entre governo, polícias e Forças Armadas foi importante e deixa-nos a lição de que sem articulação entre os muitos setores envolvidos na luta contra o crime organizado e sem disposição de combatê-lo a batalha será perdida. Mas sem o apoio da sofrida população do Rio, dos cariocas e brasileiros que habitam a cidade, e muito particularmente sem o apoio da população que vive nas comunidades atingidas pelos males da droga e pela violência do tráfico, o êxito inicial não teria sido possível.
Estive no Morro Santa Marta há pouco tempo, quando a Unidade da Polícia Pacificadora já estava estabelecida, e pude ver que efetivamente o medo e o constrangimento da população local haviam desaparecido. A droga ainda corre por lá, mas entre usuários, e não nas mãos de traficantes locais. Sei que em São Paulo e em outras regiões do País também há tentativas bem-sucedidas de devolver ao Estado sua função primordial: o controle do território e o monopólio do exercício da violência (sempre que nos marcos legais). Mas o caso do Rio é simbólico porque a simbiose entre favela e bairro, entre a cidade e a zona pretensamente excluída está entranhada em toda parte.
Há, portanto, o que comemorar. Faz pouco tempo eram quase 100 mil moradores de comunidades cariocas que se haviam libertado, graças à presença da Polícia Pacificadora, da sujeição ao terror do tráfico e das regras de "justiça pelas próprias mãos" ordenadas pelo chefões locais e cumpridas por seus esbirros. Com a entrada do Estado no Complexo do Alemão e na Vila Cruzeiro, há a possibilidade de incorporar mais gente às áreas restituídas à cidadania.
Mas essas populações serão mesmo restituídas à vida normal numa democracia? E neste passo começam as perguntas e preocupações. Sem que se restabeleçam as normas da lei, sem a permanência da força policial, sem que a Justiça comum volte a imperar, sem que a escola deixe de ser um local onde se trafica, sem que os mercados locais sejam interconectados com os mercados formais da cidade e sem que a educação e o emprego devolvam esperança aos "aviões" (os jovens coagidos a ser sentinelas dos bandidos e portadores de droga para os usuários), a vitória inicial será de Pirro. Neste caso, a não guerra em algumas comunidades pela fuga dos traficantes com parte de suas armas pode desdobrar-se adiante num inferno a que serão submetidas populações de outras comunidades, seja por traficantes ou membros das milícias.
Não escrevo isso para diminuir a importância do que já se conseguiu, ao contrário. Mas, sim, para chamar à responsabilidade todos nós, como cidadãos, como pais, avós, como partes da sociedade brasileira, pelo que acontece no Rio e em quase todo o País. Fiquei muito impressionado com o que aprendi e vi ao integrar um grupo que está preparando um documentário sobre drogas. Estive em Vigário Geral num encontro que José Junior, do AfroReggae, proporcionou para que eu pudesse entrevistar traficantes arrependidos e policiais envolvidos nas guerras locais. Entrevistei muitas mães de família, mulheres em presídios, jovens vitimados pelo tráfico (e quem sabe se não partes dele também).
Eu havia estado na Palestina ocupada por forças de Israel e vi o constrangimento a que as populações locais são submetidas. Pois bem, no Rio de Janeiro, o constrangimento imposto pelo crime organizado e às vezes exacerbado pela violência policial, que por vezes se confundem, é pelo menos igual, se não maior, ao que vi na Palestina. A falta de liberdade de ir e vir que os bandidos de diferentes facções impõem a seus "súditos" forçados e o medo da "justiça direta" tornam as populações locais prisioneiras do terror do tráfico. E não adianta dar de ombros em outras partes do Brasil e pensar que "isso é lá no Rio". Não, a presença do contrabando, do tráfico e da violência do crime organizado está em toda parte. E a ausência do Estado também, para não falar que sua presença é muitas vezes ameaçadora pela corrupção da polícia e suas práticas de violência indiscriminada.
Se agora no Rio de Janeiro as ações combinadas das autoridades políticas e militares abriram espaço para um avanço importante, é preciso consolidá-lo. Isso não será feito apenas com a presença militar, a da Justiça e a do Estado. Este está começando a fazer o que lhe corresponde. Cabe à sociedade complementar o trabalho libertador. Enquanto houver incremento do consumo de drogas, enquanto os usuários forem tratados como criminosos, e não como dependentes químicos ou propensos a isso, enquanto não forem atendidos pelos sistemas de saúde pública e, principalmente, enquanto a sociedade glamourizar a droga e anuir com seu uso secreto indiscriminadamente, ao invés de regulá-lo, será impossível eliminar o tráfico e sua coorte de violência. A diferença entre o custo da droga e o preço de venda induzirá os bandos de traficantes a tecer sempre novas teias de terror, violência e lucro.
Sem que o Estado, inclusive, se não que principalmente, no nível federal, continue a agir, a controlar melhor as fronteiras, a exigir que os países vizinhos fornecedores de drogas coíbam o contrabando, não haverá êxito estável no controle das organizações criminosas. Por outro lado, sem que a sociedade entenda que é preciso romper o tabu e veja que o inimigo pode morar em casa, e não apenas nas favelas, e se disponha a discutir as questões fundamentais da descriminalização e da regulação do uso das drogas, o Estado enxugará gelo.
Ainda assim, só por liberar territórios nos quais habitam centenas de milhares de pessoas, o Rio de Janeiro enviou a todos os brasileiros um forte sinal de esperança.
SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA
05 de dezembro de 2010 0h 00
www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101205/not_imp649655,0.php
Fernando Henrique Cardoso - O Estado de S.Paulo
O Rio marcou um gol, um golaço. E digo bem: foi a cidade do Rio de Janeiro, e não apenas seu governo, a polícia ou as Forças Armadas. A César o que é de César: a articulação entre governo, polícias e Forças Armadas foi importante e deixa-nos a lição de que sem articulação entre os muitos setores envolvidos na luta contra o crime organizado e sem disposição de combatê-lo a batalha será perdida. Mas sem o apoio da sofrida população do Rio, dos cariocas e brasileiros que habitam a cidade, e muito particularmente sem o apoio da população que vive nas comunidades atingidas pelos males da droga e pela violência do tráfico, o êxito inicial não teria sido possível.
Estive no Morro Santa Marta há pouco tempo, quando a Unidade da Polícia Pacificadora já estava estabelecida, e pude ver que efetivamente o medo e o constrangimento da população local haviam desaparecido. A droga ainda corre por lá, mas entre usuários, e não nas mãos de traficantes locais. Sei que em São Paulo e em outras regiões do País também há tentativas bem-sucedidas de devolver ao Estado sua função primordial: o controle do território e o monopólio do exercício da violência (sempre que nos marcos legais). Mas o caso do Rio é simbólico porque a simbiose entre favela e bairro, entre a cidade e a zona pretensamente excluída está entranhada em toda parte.
Há, portanto, o que comemorar. Faz pouco tempo eram quase 100 mil moradores de comunidades cariocas que se haviam libertado, graças à presença da Polícia Pacificadora, da sujeição ao terror do tráfico e das regras de "justiça pelas próprias mãos" ordenadas pelo chefões locais e cumpridas por seus esbirros. Com a entrada do Estado no Complexo do Alemão e na Vila Cruzeiro, há a possibilidade de incorporar mais gente às áreas restituídas à cidadania.
Mas essas populações serão mesmo restituídas à vida normal numa democracia? E neste passo começam as perguntas e preocupações. Sem que se restabeleçam as normas da lei, sem a permanência da força policial, sem que a Justiça comum volte a imperar, sem que a escola deixe de ser um local onde se trafica, sem que os mercados locais sejam interconectados com os mercados formais da cidade e sem que a educação e o emprego devolvam esperança aos "aviões" (os jovens coagidos a ser sentinelas dos bandidos e portadores de droga para os usuários), a vitória inicial será de Pirro. Neste caso, a não guerra em algumas comunidades pela fuga dos traficantes com parte de suas armas pode desdobrar-se adiante num inferno a que serão submetidas populações de outras comunidades, seja por traficantes ou membros das milícias.
Não escrevo isso para diminuir a importância do que já se conseguiu, ao contrário. Mas, sim, para chamar à responsabilidade todos nós, como cidadãos, como pais, avós, como partes da sociedade brasileira, pelo que acontece no Rio e em quase todo o País. Fiquei muito impressionado com o que aprendi e vi ao integrar um grupo que está preparando um documentário sobre drogas. Estive em Vigário Geral num encontro que José Junior, do AfroReggae, proporcionou para que eu pudesse entrevistar traficantes arrependidos e policiais envolvidos nas guerras locais. Entrevistei muitas mães de família, mulheres em presídios, jovens vitimados pelo tráfico (e quem sabe se não partes dele também).
Eu havia estado na Palestina ocupada por forças de Israel e vi o constrangimento a que as populações locais são submetidas. Pois bem, no Rio de Janeiro, o constrangimento imposto pelo crime organizado e às vezes exacerbado pela violência policial, que por vezes se confundem, é pelo menos igual, se não maior, ao que vi na Palestina. A falta de liberdade de ir e vir que os bandidos de diferentes facções impõem a seus "súditos" forçados e o medo da "justiça direta" tornam as populações locais prisioneiras do terror do tráfico. E não adianta dar de ombros em outras partes do Brasil e pensar que "isso é lá no Rio". Não, a presença do contrabando, do tráfico e da violência do crime organizado está em toda parte. E a ausência do Estado também, para não falar que sua presença é muitas vezes ameaçadora pela corrupção da polícia e suas práticas de violência indiscriminada.
Se agora no Rio de Janeiro as ações combinadas das autoridades políticas e militares abriram espaço para um avanço importante, é preciso consolidá-lo. Isso não será feito apenas com a presença militar, a da Justiça e a do Estado. Este está começando a fazer o que lhe corresponde. Cabe à sociedade complementar o trabalho libertador. Enquanto houver incremento do consumo de drogas, enquanto os usuários forem tratados como criminosos, e não como dependentes químicos ou propensos a isso, enquanto não forem atendidos pelos sistemas de saúde pública e, principalmente, enquanto a sociedade glamourizar a droga e anuir com seu uso secreto indiscriminadamente, ao invés de regulá-lo, será impossível eliminar o tráfico e sua coorte de violência. A diferença entre o custo da droga e o preço de venda induzirá os bandos de traficantes a tecer sempre novas teias de terror, violência e lucro.
Sem que o Estado, inclusive, se não que principalmente, no nível federal, continue a agir, a controlar melhor as fronteiras, a exigir que os países vizinhos fornecedores de drogas coíbam o contrabando, não haverá êxito estável no controle das organizações criminosas. Por outro lado, sem que a sociedade entenda que é preciso romper o tabu e veja que o inimigo pode morar em casa, e não apenas nas favelas, e se disponha a discutir as questões fundamentais da descriminalização e da regulação do uso das drogas, o Estado enxugará gelo.
Ainda assim, só por liberar territórios nos quais habitam centenas de milhares de pessoas, o Rio de Janeiro enviou a todos os brasileiros um forte sinal de esperança.
SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA
sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
A Experiência Portuguesa
Time Healthland
Tradução Coletivo DAR
Da perspectiva dos guerreiros proibicionistas, as leis que incriminam a posse de drogas são tudo o que protege os americanos de um dilúvio de drogas, uma orgia de maconha, cocaína, heroína e metanfetaminas consumidas de uma maneira mortal para as crianças, que destruiria a produtividade e tornaria os EUA em um deserto esfumaçado, habitado por zumbis comedores de cérebros.Por exemplo, um opositor à lei de descriminalização da maconha escreveu em 2009, num fórum da revista New York Times, que essa política levaria a “centenas de bilhões de dólares em custo de novas demandas médicas, acidentes de trânsito e acidentes em geral, menor produtividade dos trabalhadores e menores conquistas no campo da educação.”Mas uma nova pesquisa a respeito da política de Portugal sobre drogas sugere que não é bem assim. Portugal descriminalizou a posse de todas as drogas em 2001. O resultado, depois de quase uma década, de acordo com o estudo publicado na edição de Novembro da revista British Journal of Criminology é: menor consumo de drogas entre adolescentes, menos infecções de HIV, menos casos de AIDS e maior quantidade de drogas confiscadas pelas autoridades. O consumo entre adultos cresceu levemente – mas esse aumento não foi maior do que o aumento constatado em outros países próximos que não alteraram a sua política de drogas. O uso de drogas injetáveis diminuiu.É claro que não há como saber se alguma dessas mudanças ocorreu em função da mudança de política – sem um grupo controle esse tipo de pesquisa não tem como determinar a causa e o efeito. Mas Portugal começou com uma das menores taxas de uso de drogas na Europa – muito menor que a taxa estadunidense– e continua abaixo da média da União Europeia. Por exemplo, 19% dos jovens de 15 e 16 anos na Europa já usaram maconha ao menos uma vez, comparado com 13% dos Portugueses com essa idade. O número para os jovens de mesma idade no ensino médio americano é de 32%. “O efeito direto mais importante foi a redução do uso da justiça criminal para lidar com usuários vulneráveis,” diz Alex Stevens, professor de justiça criminal na Univesidade de Kent, no Reino Unido, coautor do estudo. “Antes, um grande numero de pessoas estavam sendo presas e punidas pelo simples consumo. Eles (Portugal) economizaram muito dinheiro e pararam de infligir tanto dano às pessoas pelo sistema de justiça penal. Também houve outras tendências depois da descriminalização, em 2001, mas elas são menos fáceis de serem atribuídas diretamente à descriminalização.Sob a política portuguesa de descriminalização das drogas, usuários não são mais presos, mas encaminhados pela polícia a uma comissão de “dissuasão”. A comissão é composta por três pessoas, tipicamente um advogado, um assistente social e um profissional da saúde. Ela determina se a pessoa é dependente – se sim, elas podem ser indicadas para tratamento ou sofrerem penalidades específicas, como banimento de um bairro específico ou a perda da habilitação de motorista. O tratamento não é forçado, e aqueles que não são dependentes costumam não serem enquadrados dessa forma. Apenas 5% a 6% desses usuários retornam a essas comissões uma segunda vez no mesmo ano. Stevens diz que as mudanças positivas nas taxas de HIV/AIDS e uma diminuição nas mortes relacionadas a uso de opioides são provavelmente mais conectadas com a expansão de tratamentos do que com a simples descriminalização apenas. O número de usuários em tratamento aumentou 41% — indo de 23.654 a 38.532 entre 1998 e 2008. “Relocar os gastos da repressão permite se gastar mais com tratamento,” diz Stevens.As mudanças no uso entre adolescentes foram complexas: pela Europa, o uso entre adolescentes aumentou muito durante o período em que Portugal descriminalizou, e então caiu – a mesma tendência foi observada em Portugal, mas a queda foi maior.Mark Kleinman, diretor do programa de análise de políticas sobre drogas na UCLA e autor de When Brute Force Fails: How to Have Less Crime and Less Punishment, é cético a respeito de que a política de Portugal ensine grandes lições aos EUA além de “os EUA e a ONU ficam com cara de bobos por terem sido histéricos” com a movimentação de Portugal. “O que fica claro é que nenhum desastre resultou da descriminalização.”Stevens concorda. “Nosso principal ponto é que a descriminalização não levou ao tipo de desastre que era antecipado por opositores,” ele diz.No debate acima da iniciativa Californiana de legalização da maconha, pouca atenção foi dada ao fato do Governador Schwarzenegger ter assinado uma lei descriminalizando a posse de até uma onça de maconha (28,3495g) – um relaxamento na lei estadual sobre drogas que teria sido muito mais controverso se o estado não estivesse lidando com a possibilidade de seus eleitores escolherem pela total legalização de venda e posse. Onze outros estados também descriminalizaram – apesar de isso nem sempre prevenir que os usuários sejam detidos por posse.Com 1.5 milhões de estadunidenses sendo detidos por posse de drogas a cada ano – 40% deles por maconha – a experiência de Portugal levanta a questão de se deter usuários é um uso efetivo do dinheiro do contribuinte ou não. Bilhões de dólares são gastos cada ano com repressão à posse de drogas, e essa repressão é notoriamente enviesada pela questão racial – se ao se parar de deter usuários por posse não é produzido nenhum grande efeito, será esse um bom modo de se gastar um dinheiro escasso?
Tradução Coletivo DAR
Da perspectiva dos guerreiros proibicionistas, as leis que incriminam a posse de drogas são tudo o que protege os americanos de um dilúvio de drogas, uma orgia de maconha, cocaína, heroína e metanfetaminas consumidas de uma maneira mortal para as crianças, que destruiria a produtividade e tornaria os EUA em um deserto esfumaçado, habitado por zumbis comedores de cérebros.Por exemplo, um opositor à lei de descriminalização da maconha escreveu em 2009, num fórum da revista New York Times, que essa política levaria a “centenas de bilhões de dólares em custo de novas demandas médicas, acidentes de trânsito e acidentes em geral, menor produtividade dos trabalhadores e menores conquistas no campo da educação.”Mas uma nova pesquisa a respeito da política de Portugal sobre drogas sugere que não é bem assim. Portugal descriminalizou a posse de todas as drogas em 2001. O resultado, depois de quase uma década, de acordo com o estudo publicado na edição de Novembro da revista British Journal of Criminology é: menor consumo de drogas entre adolescentes, menos infecções de HIV, menos casos de AIDS e maior quantidade de drogas confiscadas pelas autoridades. O consumo entre adultos cresceu levemente – mas esse aumento não foi maior do que o aumento constatado em outros países próximos que não alteraram a sua política de drogas. O uso de drogas injetáveis diminuiu.É claro que não há como saber se alguma dessas mudanças ocorreu em função da mudança de política – sem um grupo controle esse tipo de pesquisa não tem como determinar a causa e o efeito. Mas Portugal começou com uma das menores taxas de uso de drogas na Europa – muito menor que a taxa estadunidense– e continua abaixo da média da União Europeia. Por exemplo, 19% dos jovens de 15 e 16 anos na Europa já usaram maconha ao menos uma vez, comparado com 13% dos Portugueses com essa idade. O número para os jovens de mesma idade no ensino médio americano é de 32%. “O efeito direto mais importante foi a redução do uso da justiça criminal para lidar com usuários vulneráveis,” diz Alex Stevens, professor de justiça criminal na Univesidade de Kent, no Reino Unido, coautor do estudo. “Antes, um grande numero de pessoas estavam sendo presas e punidas pelo simples consumo. Eles (Portugal) economizaram muito dinheiro e pararam de infligir tanto dano às pessoas pelo sistema de justiça penal. Também houve outras tendências depois da descriminalização, em 2001, mas elas são menos fáceis de serem atribuídas diretamente à descriminalização.Sob a política portuguesa de descriminalização das drogas, usuários não são mais presos, mas encaminhados pela polícia a uma comissão de “dissuasão”. A comissão é composta por três pessoas, tipicamente um advogado, um assistente social e um profissional da saúde. Ela determina se a pessoa é dependente – se sim, elas podem ser indicadas para tratamento ou sofrerem penalidades específicas, como banimento de um bairro específico ou a perda da habilitação de motorista. O tratamento não é forçado, e aqueles que não são dependentes costumam não serem enquadrados dessa forma. Apenas 5% a 6% desses usuários retornam a essas comissões uma segunda vez no mesmo ano. Stevens diz que as mudanças positivas nas taxas de HIV/AIDS e uma diminuição nas mortes relacionadas a uso de opioides são provavelmente mais conectadas com a expansão de tratamentos do que com a simples descriminalização apenas. O número de usuários em tratamento aumentou 41% — indo de 23.654 a 38.532 entre 1998 e 2008. “Relocar os gastos da repressão permite se gastar mais com tratamento,” diz Stevens.As mudanças no uso entre adolescentes foram complexas: pela Europa, o uso entre adolescentes aumentou muito durante o período em que Portugal descriminalizou, e então caiu – a mesma tendência foi observada em Portugal, mas a queda foi maior.Mark Kleinman, diretor do programa de análise de políticas sobre drogas na UCLA e autor de When Brute Force Fails: How to Have Less Crime and Less Punishment, é cético a respeito de que a política de Portugal ensine grandes lições aos EUA além de “os EUA e a ONU ficam com cara de bobos por terem sido histéricos” com a movimentação de Portugal. “O que fica claro é que nenhum desastre resultou da descriminalização.”Stevens concorda. “Nosso principal ponto é que a descriminalização não levou ao tipo de desastre que era antecipado por opositores,” ele diz.No debate acima da iniciativa Californiana de legalização da maconha, pouca atenção foi dada ao fato do Governador Schwarzenegger ter assinado uma lei descriminalizando a posse de até uma onça de maconha (28,3495g) – um relaxamento na lei estadual sobre drogas que teria sido muito mais controverso se o estado não estivesse lidando com a possibilidade de seus eleitores escolherem pela total legalização de venda e posse. Onze outros estados também descriminalizaram – apesar de isso nem sempre prevenir que os usuários sejam detidos por posse.Com 1.5 milhões de estadunidenses sendo detidos por posse de drogas a cada ano – 40% deles por maconha – a experiência de Portugal levanta a questão de se deter usuários é um uso efetivo do dinheiro do contribuinte ou não. Bilhões de dólares são gastos cada ano com repressão à posse de drogas, e essa repressão é notoriamente enviesada pela questão racial – se ao se parar de deter usuários por posse não é produzido nenhum grande efeito, será esse um bom modo de se gastar um dinheiro escasso?
terça-feira, 30 de novembro de 2010
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
Iran, Pakistan on frontline in war on drugs
Times Political Desk
TEHRAN – Iran and Pakistan are on the frontline in the war on illicit drugs, Iran’s interior minister said on Thursday.
Both countries should increase cooperation in order to stop the production and smuggling of illegal drugs, Mostafa Mohammad Najjar said. Najjar made the remarks in a meeting with Pakistani Minister for Narcotics Control Arbab Muhammad Zahir in Islamabad. As long as the narcotics are produced in Afghanistan, insecurity and terrorism will exist in the region, Najjar added. Afghanistan produces about 90 percent of the world’s opium, much of it smuggled through Pakistan and Iran, in an industry estimated to be worth almost three billion dollars a year. Iran and Pakistan can utilize their potential to stop the smuggling of the drugs, the Iranian minister stated. The two nations should cooperate to devise plans to prevent producing drug raw materials, to crack down on smugglers, thugs and demolish laboratories located in the border areas where heroin is produced, he noted. He also said Tehran and Islamabad should exchange information on the places in the border areas where drugs are manufactured. Iran has spent over 800 million dollars in fight against drug traffickers, 3700 of Iranian police officers have been killed and 11000 people have been injured during fights with the drug traffickers, he noted. Iran has also constructed walls along the joint Iran-Afghan border to prevent smuggling drugs, he added. Najjar called on the United Nations and other international entities to provide Iran the equipment needed for the fight against drug smuggling. Pakistani minister, for his part, thanked Iran for its help to flood-victims, saying such help showed there are numerous commonalties between the two nations. Zahir also said Islamabad expects the UN to provide Pakistan and Iran more military equipment and forces in fight drugs. Photo: Afghanistan's Minister of Counter Narcotics Zarar Ahmad Moqbil (L), Pakistani Minister for Narcotics Control Arbab Muhammad Zahir (C) and Iran’s Interior Minister Mostafa Mohammad Najjar (R) address a joint press conference after the triangular annual meeting on drug control in Islamabad on November 25, 2010.
Both countries should increase cooperation in order to stop the production and smuggling of illegal drugs, Mostafa Mohammad Najjar said. Najjar made the remarks in a meeting with Pakistani Minister for Narcotics Control Arbab Muhammad Zahir in Islamabad. As long as the narcotics are produced in Afghanistan, insecurity and terrorism will exist in the region, Najjar added. Afghanistan produces about 90 percent of the world’s opium, much of it smuggled through Pakistan and Iran, in an industry estimated to be worth almost three billion dollars a year. Iran and Pakistan can utilize their potential to stop the smuggling of the drugs, the Iranian minister stated. The two nations should cooperate to devise plans to prevent producing drug raw materials, to crack down on smugglers, thugs and demolish laboratories located in the border areas where heroin is produced, he noted. He also said Tehran and Islamabad should exchange information on the places in the border areas where drugs are manufactured. Iran has spent over 800 million dollars in fight against drug traffickers, 3700 of Iranian police officers have been killed and 11000 people have been injured during fights with the drug traffickers, he noted. Iran has also constructed walls along the joint Iran-Afghan border to prevent smuggling drugs, he added. Najjar called on the United Nations and other international entities to provide Iran the equipment needed for the fight against drug smuggling. Pakistani minister, for his part, thanked Iran for its help to flood-victims, saying such help showed there are numerous commonalties between the two nations. Zahir also said Islamabad expects the UN to provide Pakistan and Iran more military equipment and forces in fight drugs. Photo: Afghanistan's Minister of Counter Narcotics Zarar Ahmad Moqbil (L), Pakistani Minister for Narcotics Control Arbab Muhammad Zahir (C) and Iran’s Interior Minister Mostafa Mohammad Najjar (R) address a joint press conference after the triangular annual meeting on drug control in Islamabad on November 25, 2010.
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
terça-feira, 23 de novembro de 2010
Io, lo "sbirro" che arrestò Pannella 35 anni fa
Io, lo "sbirro" che arrestò Pannella 35 anni fa
di Simonetta Dezi
Intervista al poliziotto dapprima costretto da una legge "assurda" e poi perseguitato da una burocrazia ottusa
Nel 1975 il commissario Ennio di Francesco e il leader radicale Marco Pannella avevano qualcosa in comune: entrambi erano convinti che la legge sulla droga, allora in vigore, andava cambiata e che il metodo repressivo non poteva funzionare per risolvere il problema. Quando il commissario fu costretto a far scattare le manette ai polsi di Pannella che, mettendo in atto una disobbedienza civile aveva fumato uno “spinello” in pubblico, decise, la sera stessa dell’arresto, di inviargli in carcere un telegramma di solidarietà. E comincia così una piccola storia che ripercorriamo dopo oltre 35 anni insieme ad uno dei protagonisti.
Commissario Di Francesco, cosa evoca per lei il nome Marco Pannella?Mi ricorda, con un misto di nostalgia ed emozione, tempi lontani, precisamente il luglio 1975 quando la sorte mi ha fatto incontrare questo carismatico “personaggio” che allora non conoscevo. Ho vissuto, tramite lui, un’esperienza straordinaria che oggi, con la forza del tempo, credo abbia segnato un mutamento importante nel modo di affrontare la problematica droga.
Lei lo ha arrestato...Sì, l’arresto di Pannella ho dovuto effettuarlo in forza ad una legge, allora in vigore, che obbligava ad arrestare “chiunque comunque detenga sostanze stupefacenti” e di fatto apriva anche per consumatori casuali o tossicodipendenti, spesso ragazzi, due sole vie obbligatorie: il carcere, perché criminali, o il ricovero manicomiale, perché pericolosi per se stessi e per gli altri. L’incontro con Pannella e il suo arresto mi permise di mettere in evidenza tutta l’assurdità di questa legge, attraverso un telegramma, riservato, inviatogli a Regina Coeli, ma che doveva restare l’espressione di una solidarietà personale. Ingenuamente non avevo tenuto conto dell’abilità politica del “personaggio” che lo rese subito pubblico. Di qui il mio trasferimento immediato e la denuncia al magistrato nei miei confronti per “presunto reato” in quel telegramma. Ovviamente era un pretesto dell’amministrazione per sbarazzarsi di un funzionario scomodo: in quello stesso periodo avevo promosso con altri “carbonari” il Movimento per la democratizzazione e la riforma della Polizia.
Pentito?No. Per questo dico che esistono momenti della vita in cui si è come spiritualmente guidati a fare qualcosa ed oggi, tra gli eventi della mia non facile avventura professionale, ritengo che quell’episodio sia scaturito da quegli incontri di affinità o di catarsi che in fondo arricchiscono un po’ la società di qualche cosa. Per cui sono ancor più convinto che l’idealità di Pannella, in tutti i suoi comportamenti sociali e politici che trascendono le contingenze, stranamente andava a coincidere con la sensibilità e l’idealità sociale di uno “sbirro” che apparteneva ad un’istituzione di per se conservatrice, se non repressiva come la polizia , ma che, per analogo sentire, era sulla stessa lunghezza d’onda.
Parla di valori comuni …Ci sono valori spirituali esistenziali che vanno al di là degli stereotipi, in particolare di quelli di poliziotto. Tant’è che quell’episodio per il clamore che ebbe e per gli interventi di riflessione che ci furono a livello giuridico e filosofico - intervennero in senso positivo verso di me il filosofo Guido Calogero, il presidente della Corte costituzionale Giuseppe Branca, Stefano Rodotà - accelerò l’iter di discussione e approvazione, che avvenne nel dicembre del ’75, della nuova legge. Con le norme introdotte si eliminò un approccio meramente repressivo e si introdusse maggior attenzione per la prevenzione: insomma una nuova impostazione e una maggiore attenzione verso il mondo della droga e una più incisiva azione di contrasto contro il traffico delle organizzazioni criminali che si arricchiscono sulla pelle di tanti giovani.
Cosa aveva a che fare lei con il mondo della droga?Come dirigente della “sezione narcotici” a Genova nel ’73 e poi a Roma avevo dovuto applicare quella norma anacronistica e ingiusta a tanti ragazzi caduti nel tunnel della droga, in particolare dell’eroina. Ero maturo dentro per cogliere la suggestione di Marco Pannella, pur non essendo io assolutamente a favore della liberalizzazione della droga. Ne avevo visti diversi naufragare e persino morire. Avevo questa sensibilità sulla mia pelle. Questi ragazzi non avevano altra colpa se non quella di essersi imbattuti nell’ingannevole ideologia secondo cui nella droga avrebbero trovato la liberazione dal loro malessere esistenziale. Un’ideologia meritevole forse di essere certo approfondita, ma su cui si inserivano spietatamente le holding criminali, talora con la sospetta connivenza di apparati istituzionali dei paesi “produttori” di droga. La nostra polizia da una parte si confrontava solo repressivamente con la realtà del consumo giovanile e dall’altra non era affatto organizzata in maniera da poter minimamente scalfire il vero traffico di droga nazionale e internazionale.
Si può dire che l’incontro con Pannella le ha distrutto la carriera?No, ma certo non l’ha favorita: mi ha attaccato addosso un’altra etichetta di personaggio gerarchicamente “non affidabile” e questo in un’amministrazione come quella di polizia non può essere tollerato. Il mio trasferimento dalla sezione narcotici portò, dopo l’arresto di Pannella, all’interruzione di un’indagine che proprio in quei giorni stavo conducendo sulla “banda dei marsigliesi” che si stava insediando a Roma per commettere reati che andavano dal sequestro di persona al traffico internazionale di droga ed armi. Riuscii comunque a far ritardare il trasferimento di un giorno e l’ultimo giorno arrestammo diversi marsigliesi con il più grosso quantitativo di eroina mai sequestrato nella Capitale in quegli anni. Quell’indagine aveva peraltro toccato strane connessioni tra criminalità organizzata, come la futura banda della Magliana, e consorterie massoniche.Ci furono poi manifestazioni in suo sostegno anche da parte radicale.Marco Pannella, che passò prima dell’arresto alcune ore nel mio ufficio respirando l’atmosfera di quell’indagine, dovette rendersi conto del danno provocatomi. Arrivò al ministero una lettera di Spadaccia che spiegava che il telegramma era stato reso pubblico per sbaglio e l’indomani, mentre venivo trasferito, ci fu una manifestazione sotto la questura di Roma in mio sostegno. E’ significativa la foto pubblicata poi da Panorama con una ragazza ( mi piacerebbe rintracciarla) che porta un cartello con la scritta “Di Francesco è colpevole di pensare”. Il dibattito filosofico-culturale apertosi nell’opinione pubblica sul fatto che un funzionario, pur applicando rigorosamente una legge ne aveva denunciato l’incongruenza, portò anche il ministero a non insistere sulla denuncia. Peraltro il magistrato la bloccò, com’era prevedibile, per insussistenza di alcun reato. L’obiettivo gerarchico di eliminarmi già allora quindi non riuscì.
Quel telegramma le valse non solo l’allontanamento ma fu anche definito sindacalista di sinistra e addirittura filo-radicale, due etichette politiche che non sembrano appartenerle.L’applicare etichette su qualcuno che appare dissonante rispetto alle verità di un “sistema” basato su più tranquillizzanti culture e poteri tradizionali è “paradossalmente” fisiologico. Ciò rivela, al di là del mio caso, una difficoltà reale a interpretare il concetto di “senso di servizio verso la collettività” come tendenza esistenziale autonoma inquadrabile in una concezione trascendente, verso una visione di rispetto assoluto della persona. In fondo una visione alla Tiziano Terzani, alla Aldo Capitini, e perché no, alla Marco Pannella.
La legge poi, proprio nel 1975, venne modificataSì, ma le modifiche introdussero, quasi a compensazione frettolosa, il concetto quasi di “un diritto a drogarsi” attraverso la dizione equivoca di non punibilità per “modica quantità”. Questo ha determinatouna complicata gestione applicativa e giuridica, portando anche a incertezze ed eccessi giurisprudenziali. Per taluni, ad esempio, è diventata modica quantità la detenzione di chili di qualsiasi sostanza, anche cocaina, per uso prolungato nel tempo. E’ stato pertanto facile, poi, col mutare di ideologie filosofiche e politiche tornare a una concezione rigida come quella della legge attuale, abolendo ogni distinzione tra droghe leggere e pesanti, creando meccanismi di difficile applicazione e dando un approccio sostanzialmente repressivo, psichiatrico ed epidemiologico del fenomeno più che di analisi olistica ed esistenziale.
di Simonetta Dezi
Intervista al poliziotto dapprima costretto da una legge "assurda" e poi perseguitato da una burocrazia ottusa
Nel 1975 il commissario Ennio di Francesco e il leader radicale Marco Pannella avevano qualcosa in comune: entrambi erano convinti che la legge sulla droga, allora in vigore, andava cambiata e che il metodo repressivo non poteva funzionare per risolvere il problema. Quando il commissario fu costretto a far scattare le manette ai polsi di Pannella che, mettendo in atto una disobbedienza civile aveva fumato uno “spinello” in pubblico, decise, la sera stessa dell’arresto, di inviargli in carcere un telegramma di solidarietà. E comincia così una piccola storia che ripercorriamo dopo oltre 35 anni insieme ad uno dei protagonisti.
Commissario Di Francesco, cosa evoca per lei il nome Marco Pannella?Mi ricorda, con un misto di nostalgia ed emozione, tempi lontani, precisamente il luglio 1975 quando la sorte mi ha fatto incontrare questo carismatico “personaggio” che allora non conoscevo. Ho vissuto, tramite lui, un’esperienza straordinaria che oggi, con la forza del tempo, credo abbia segnato un mutamento importante nel modo di affrontare la problematica droga.
Lei lo ha arrestato...Sì, l’arresto di Pannella ho dovuto effettuarlo in forza ad una legge, allora in vigore, che obbligava ad arrestare “chiunque comunque detenga sostanze stupefacenti” e di fatto apriva anche per consumatori casuali o tossicodipendenti, spesso ragazzi, due sole vie obbligatorie: il carcere, perché criminali, o il ricovero manicomiale, perché pericolosi per se stessi e per gli altri. L’incontro con Pannella e il suo arresto mi permise di mettere in evidenza tutta l’assurdità di questa legge, attraverso un telegramma, riservato, inviatogli a Regina Coeli, ma che doveva restare l’espressione di una solidarietà personale. Ingenuamente non avevo tenuto conto dell’abilità politica del “personaggio” che lo rese subito pubblico. Di qui il mio trasferimento immediato e la denuncia al magistrato nei miei confronti per “presunto reato” in quel telegramma. Ovviamente era un pretesto dell’amministrazione per sbarazzarsi di un funzionario scomodo: in quello stesso periodo avevo promosso con altri “carbonari” il Movimento per la democratizzazione e la riforma della Polizia.
Pentito?No. Per questo dico che esistono momenti della vita in cui si è come spiritualmente guidati a fare qualcosa ed oggi, tra gli eventi della mia non facile avventura professionale, ritengo che quell’episodio sia scaturito da quegli incontri di affinità o di catarsi che in fondo arricchiscono un po’ la società di qualche cosa. Per cui sono ancor più convinto che l’idealità di Pannella, in tutti i suoi comportamenti sociali e politici che trascendono le contingenze, stranamente andava a coincidere con la sensibilità e l’idealità sociale di uno “sbirro” che apparteneva ad un’istituzione di per se conservatrice, se non repressiva come la polizia , ma che, per analogo sentire, era sulla stessa lunghezza d’onda.
Parla di valori comuni …Ci sono valori spirituali esistenziali che vanno al di là degli stereotipi, in particolare di quelli di poliziotto. Tant’è che quell’episodio per il clamore che ebbe e per gli interventi di riflessione che ci furono a livello giuridico e filosofico - intervennero in senso positivo verso di me il filosofo Guido Calogero, il presidente della Corte costituzionale Giuseppe Branca, Stefano Rodotà - accelerò l’iter di discussione e approvazione, che avvenne nel dicembre del ’75, della nuova legge. Con le norme introdotte si eliminò un approccio meramente repressivo e si introdusse maggior attenzione per la prevenzione: insomma una nuova impostazione e una maggiore attenzione verso il mondo della droga e una più incisiva azione di contrasto contro il traffico delle organizzazioni criminali che si arricchiscono sulla pelle di tanti giovani.
Cosa aveva a che fare lei con il mondo della droga?Come dirigente della “sezione narcotici” a Genova nel ’73 e poi a Roma avevo dovuto applicare quella norma anacronistica e ingiusta a tanti ragazzi caduti nel tunnel della droga, in particolare dell’eroina. Ero maturo dentro per cogliere la suggestione di Marco Pannella, pur non essendo io assolutamente a favore della liberalizzazione della droga. Ne avevo visti diversi naufragare e persino morire. Avevo questa sensibilità sulla mia pelle. Questi ragazzi non avevano altra colpa se non quella di essersi imbattuti nell’ingannevole ideologia secondo cui nella droga avrebbero trovato la liberazione dal loro malessere esistenziale. Un’ideologia meritevole forse di essere certo approfondita, ma su cui si inserivano spietatamente le holding criminali, talora con la sospetta connivenza di apparati istituzionali dei paesi “produttori” di droga. La nostra polizia da una parte si confrontava solo repressivamente con la realtà del consumo giovanile e dall’altra non era affatto organizzata in maniera da poter minimamente scalfire il vero traffico di droga nazionale e internazionale.
Si può dire che l’incontro con Pannella le ha distrutto la carriera?No, ma certo non l’ha favorita: mi ha attaccato addosso un’altra etichetta di personaggio gerarchicamente “non affidabile” e questo in un’amministrazione come quella di polizia non può essere tollerato. Il mio trasferimento dalla sezione narcotici portò, dopo l’arresto di Pannella, all’interruzione di un’indagine che proprio in quei giorni stavo conducendo sulla “banda dei marsigliesi” che si stava insediando a Roma per commettere reati che andavano dal sequestro di persona al traffico internazionale di droga ed armi. Riuscii comunque a far ritardare il trasferimento di un giorno e l’ultimo giorno arrestammo diversi marsigliesi con il più grosso quantitativo di eroina mai sequestrato nella Capitale in quegli anni. Quell’indagine aveva peraltro toccato strane connessioni tra criminalità organizzata, come la futura banda della Magliana, e consorterie massoniche.Ci furono poi manifestazioni in suo sostegno anche da parte radicale.Marco Pannella, che passò prima dell’arresto alcune ore nel mio ufficio respirando l’atmosfera di quell’indagine, dovette rendersi conto del danno provocatomi. Arrivò al ministero una lettera di Spadaccia che spiegava che il telegramma era stato reso pubblico per sbaglio e l’indomani, mentre venivo trasferito, ci fu una manifestazione sotto la questura di Roma in mio sostegno. E’ significativa la foto pubblicata poi da Panorama con una ragazza ( mi piacerebbe rintracciarla) che porta un cartello con la scritta “Di Francesco è colpevole di pensare”. Il dibattito filosofico-culturale apertosi nell’opinione pubblica sul fatto che un funzionario, pur applicando rigorosamente una legge ne aveva denunciato l’incongruenza, portò anche il ministero a non insistere sulla denuncia. Peraltro il magistrato la bloccò, com’era prevedibile, per insussistenza di alcun reato. L’obiettivo gerarchico di eliminarmi già allora quindi non riuscì.
Quel telegramma le valse non solo l’allontanamento ma fu anche definito sindacalista di sinistra e addirittura filo-radicale, due etichette politiche che non sembrano appartenerle.L’applicare etichette su qualcuno che appare dissonante rispetto alle verità di un “sistema” basato su più tranquillizzanti culture e poteri tradizionali è “paradossalmente” fisiologico. Ciò rivela, al di là del mio caso, una difficoltà reale a interpretare il concetto di “senso di servizio verso la collettività” come tendenza esistenziale autonoma inquadrabile in una concezione trascendente, verso una visione di rispetto assoluto della persona. In fondo una visione alla Tiziano Terzani, alla Aldo Capitini, e perché no, alla Marco Pannella.
La legge poi, proprio nel 1975, venne modificataSì, ma le modifiche introdussero, quasi a compensazione frettolosa, il concetto quasi di “un diritto a drogarsi” attraverso la dizione equivoca di non punibilità per “modica quantità”. Questo ha determinatouna complicata gestione applicativa e giuridica, portando anche a incertezze ed eccessi giurisprudenziali. Per taluni, ad esempio, è diventata modica quantità la detenzione di chili di qualsiasi sostanza, anche cocaina, per uso prolungato nel tempo. E’ stato pertanto facile, poi, col mutare di ideologie filosofiche e politiche tornare a una concezione rigida come quella della legge attuale, abolendo ogni distinzione tra droghe leggere e pesanti, creando meccanismi di difficile applicazione e dando un approccio sostanzialmente repressivo, psichiatrico ed epidemiologico del fenomeno più che di analisi olistica ed esistenziale.
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