domingo, 15 de novembro de 2009

As portas da percepção

O que tem a ver LSD com cinema? Haxixe com literatura? E heroína com música? Drogas e arte existem desde tempos remotos e a relação entre elas arruinou artistas, mas produziu obras-primas também

por Thiago Lotufo

Veneza. 3 de agosto, 1956: “Caro Doutor, gostaria de agradecer sua carta. Anexo segue o artigo sobre os efeitos das várias drogas que usei. Não sei se é apropriado para o seu jornal. Não faço objeção quanto a meu nome ser usado. Nenhuma dificuldade com a bebida. Nem desejo de consumir qualquer droga. Saúde geral excelente. Por favor, transmita minhas saudações a Mr. – (nome omitido). Utilizo seu sistema de exercícios diariamente, com excelentes resultados. Estive pensando em escrever um livro sobre narcóticos, se encontrar um colaborador que saiba lidar com a parte técnica.”

O texto, intitulado “Carta de um empedernido viciado em drogas perigosas”, é do escritor americano William Burroughs e foi endereçado a John Dent, médico britânico pesquisador do vício em drogas, que a publicou no British Journal of Addiction. Na carta, Burroughs, que passava por um período de desintoxicação, descreve de maneira minuciosa suas experiências com dezenas de drogas de diferentes classes: opiáceos (morfina, ópio, heroína), estimulantes (anfetamina, cocaína, bezedrina), cannabis (maconha, haxixe), alucinógenos (mescalina, ayuahuasca) e álcool, entre outras. As descrições foram incluídas como um apêndice ao tal livro sobre narcóticos que ele acabou escrevendo. Naked Lunch ou Almoço Nu, traduzido para o português, foi publicado em 1959. Delirante, caótica e autobiográfica, a obra, conseqüência de mais uma das recaídas do autor, foi repudiada pela crítica. Seu valor só foi reconhecido anos depois, e até hoje é tida como um dos marcos da história das letras. Mais: Almoço Nu, ao lado de On the Road (1957), de Jack Kerouac, e Uivo (1956), de Allen Ginsberg, converteu-se num clássico da literatura beatnik – e da literatura sobre (ou sob o efeito de) drogas também.

Essa relação entre drogas, criação e escritores e outros artistas, como pintores, músicos e atores, não foi inaugurada por Burroughs e sua turma. Registros de 50 mil anos atrás indicam que os neandertais já usavam uma erva estimulante com propriedades semelhantes às da efedrina e desenhos feitos em cavernas no período Paleolítico sugerem que os artistas conheciam alguns alucinógenos. Na Odisséia (cerca de 8 a.C.), Homero faz referências a uma bebida, oferecida por Helena a Telêmaco, capaz de aliviar a dor, e a uma planta (lótus) que seduz alguns marinheiros de Odisseu. O primeiro livro realmente dedicado ao tema é de 1821: Confissões de um Comedor de Ópio, escrito pelo inglês Thomas De Quincey.

Assim, por um lado, os beats (o termo foi usado pela primeira vez em 1948 por Kerouac e pretendia transmitir a idéia de “beatitude”) não foram os primeiros a usar drogas e a escrever sobre elas. Por outro, não foram também os últimos. Álcool, maconha, heroína, ácido lisérgico (LSD) e substâncias afins sempre embalaram intimamente a criação artística (não toda, obviamente) e negar essa relação é tão ingênuo quanto ainda acreditar que o Sol gira ao redor da Terra – e não o contrário.

A lista de artistas e intelectuais que produziram ou produzem de mãos dadas com as drogas é gigante. Na música, os exemplos vão de Charlie Parker a Kurt Cobain; nas letras, do alcoólatra Lima Barreto e o “maldito” Leminski ao jornalista doidão Hunter Thompson; no teatro, de Antonin Artaud (viciado em ópio) a Fauzi Arap; no cinema, de Easy Rider a Zé do Caixão (sim, ele fez um filme chamado O Despertar da Besta, em que um psiquiatra injeta LSD em viciados para estudar os efeitos do tóxico diante de imagens do próprio Zé do Caixão); e, finalmente, nas artes plásticas, de Van Gogh (viciado em absinto) a Hélio Oiticica.

O importante – longe da apologia ou da condenação – é mostrar como essa união se relaciona com o desenvolvimento das artes e como ela operou transformações, boas ou ruins. Há bad trips e overdoses nesse casamento de risco? Sem dúvida. Há obras e histórias geniais decorrentes dele? Sem dúvida também.

“Para determinados artistas, as drogas serviram para aguçar a sensibilidade”, diz Jorge Coli, professor de história da arte da Unicamp. “Mas elas não desencadeiam a criação se não houver o espírito criador.” Jean-Arthur Rimbaud, poeta francês do século 19 e autor dos clássicos Uma Temporada no Inferno e Iluminações, acreditava no “desregramento dos sentidos” como meio de criação. “O poeta se faz vidente por um longo, imenso e racional desregramento de todos os sentidos”, afirmava ele. O objetivo do desregramento era “reter a quintessência” das coisas. E, de acordo com Rimbaud, o haxixe, o ópio e o absinto eram bons elementos para atingi-lo.

Os beatniks – incluindo Gregory Corso, Gary Snider, Lawrence Ferlinghetti, entre outros da geração –, por sua vez, queriam ser um estilo de vida. “Antes da aparição dos beats não havia, nos jovens da época, qualquer relação entre seus mundos e suas mentes”, afirma o jornalista Bruce Cook em seu livro The Beat Generation (“A Geração Beat”, sem tradução para o português). A época, vale lembrar, era a década de 1950. “Em 1954, os Estados Unidos viviam o apogeu da Guerra Fria, acabando de sair da Guerra da Coréia e em pleno período do macarthismo, de perseguições a intelectuais militantes ou suspeitos de pertencerem a organizações de esquerda”, afirmou Cláudio Willer na introdução da versão brasileira de Uivo, Kaddish e Outros Poemas, de Allen Ginsberg.

“Eu acho que a marijuana é um instrumento político. É um estimulante catalítico para toda consciência ligeiramente ampliada”, afirmou Allen numa entrevista de 1960. Na mesma época, num depoimento para Gregory Corso, concluiu que “o negócio seria fornecer mescalina (alucinógeno extraído de um cacto) ao Kremlin e à Casa Branca, trancar os mandatários pelados num estúdio de televisão durante um mês e obrigá-los a ficarem falando em público até descobrirem o significado dos seus atos”. “É assim que a televisão poderia ser adaptada ao uso humano.”

Allen e companhia estavam, obviamente, contra a ordem do dia. E, contra eles, estava o establishment – de políticos a críticos. Uivo, quando publicado, em 1956, levou à cadeia seu editor, Lawrence Ferlinghetti, por venda de material obsceno. Liberado mais tarde, o livro se converteu num dos mais influentes da poesia americana do século 20. Além disso, abriu caminho para que On the Road (1957), escrito em três semanas e com 186 mil palavras num rolo de papel de telex, ficasse cinco semanas na lista dos livros mais vendidos. Só para lembrar: Kerouac precisou de muita benzedrina (estimulante), cigarro e café para pôr no papel suas frenéticas viagens pelos Estados Unidos e México embaladas pelo jazz.

À época, o bebop, uma variação “acelerada” do jazz, estava em voga. E Charlie Parker era um de seus representantes supremos. Bird, como o chamavam, tocava seu saxofone movido a vinho barato e muita heroína, a droga da moda e socialmente aceitável entre as pessoas ligadas à música. “Achava-se que usando heroína era possível tocar como Charlie Parker”, disse Frank Morgan, um dos companheiros de Charlie, num documentário sobre o saxofonista. O uso da droga ajudou-o a gravar discos sensacionais como Jazz at Massey Holl, mas também levou-o a uma morte prematura, aos 34 anos. Para se ter uma idéia do estrago que a droga lhe fez, o médico responsável pela autópsia – sem saber a idade real do músico – estimou que o corpo era de alguém entre 55 e 60 anos de idade. “Música é a sua própria experiência. Pensamentos, sabedoria. Se você não vive isso, não transmitirá com o seu instrumento”, afirmou Charlie certa vez.

No jazz, a heroína correu solta nas veias de muitos outros artistas. Entre eles, Billie Holiday, Chet Baker e Miles Davis, três nomes sagrados do gênero. Miles, dizem, teria criado o cool jazz ouvindo bebop e sendo auxiliado por algumas seringas. Mas nem sempre foi assim. No início do século 20, em Nova Orleans, o jazz era associado à maconha. Na década de 30, diversas músicas sobre o tema já haviam sido compostas e até Louis Armstrong falara bem a respeito da erva. Milton Mezzrow, um jazzista judeu de Nova York, fez o mesmo na década de 40 e afirmou em sua autobiografia, Really the Blues (algo como “O Verdadeiro Blues”, sem tradução para o português), que fumar maconha o ajudava a tocar melhor.

Anos depois, porém, a heroína é que passaria a dominar a cena. E seu uso se disseminou até o rock‘n’roll dos tempos atuais (Pete Doherty, vocalista da banda inglesa Libertines, já foi internado e preso por causa de sua dependência da droga). Nesse gênero musical, pouquíssimos chegaram ao nível de Keith Richards, guitarrista dos Rolling Stones. Na década de 70, por exemplo, por conta do vício em heroína, ele chegou até a ter de “trocar de sangue” numa clínica suíça. “Trocar” é exagero. Na verdade, seu sangue foi filtrado numa máquina para que substâncias tóxicas fossem retiradas. Apesar da dependência de Keith (Jagger também não escapou), os Stones produziram alguns de seus melhores álbuns entre 1969 e 1971. Let It Bleed, de 69, pode ser considerado o primeiro “disco de heroína” do grupo. De acordo com a crítica inglesa, “Gimme Shelter”, uma das faixas, teria sido composta por Keith numa “temporada” de algumas horas no banheiro de casa com a guitarra e um saquinho de heroína. Exile on Main Street, gravado em 1971 ( lançado em 72) e considerado a obra-prima dos Rolling Stones, é pico do começo ao fim. “Eu estava pegando pesado com heroína”, afirmou Keith Richards no ano seguinte.

“A heroína alimenta o simbolismo de se viver no limite, do tipo ‘até onde eu consigo ir?’”, afirmou numa entrevista à revista britânica Q Harry Shapiro, autor de Waiting For the Man: The Story of Drugs and Popular Music (algo como “Esperando pelo Homem: A História das Drogas e a Música Popular”, sem tradução para o português). Eric Clapton, Steven Tyler, Lou Reed e Iggy Pop chafurdaram nela, mas sobreviveram. Kurt Cobain e Janis Joplin, entre outros, foram além do limite.

Paul McCartney admitiu ter experimentado heroína também, mas sem saber do que se tratava. “Não me dei conta do que havia usado. Me deram algo para fumar e eu fumei”, afirmou em 2004 à revista britânica Uncut. Na publicação, Paul relembrou quando ficou preso por dez dias no Japão, em 1980, por estar com 225 gramas de maconha na bagagem. “Estava prestes a ir para o Japão e não sabia se conseguiria fumar alguma coisa por lá”, disse. “O negócio era bom demais para jogar na privada, então eu resolvi levar comigo.”

Quanto aos Beatles, é inegável que a maconha e o ácido lisérgico (LSD) foram fundamentais na criação de determinados trabalhos, especialmente em Revolver, Rubber Soul e Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Ringo Starr conta na série de documentário Beatles Anthology que no período de Rubber Soul a atitude do grupo mudou. “Acho que a maconha teve muita influência nas nossas mudanças”, afirmou. Na mesma série, Paul disse: “Mudamos de ‘She Loves You’ para canções mais surrealistas”. Já a influência do LSD foi escancarada em “Lucy in the Sky with Diamonds” e “Day Tripper”, além da história de que o produtor George Martin teve de levar Lennon para tomar um ar no telhado da gravadora por causa de uma viagem de ácido. Os Beatles, porém, como afirmou Ringo, não conseguiam fazer músicas se estivessem alterados demais. “Sempre que abusávamos a música que fazíamos era uma bosta total”, disse ele.

O LSD foi o combustível fundamental para os anos 60, época do amor livre, da Guerra do Vietnã e dos festivais. Na terceira edição do festival da ilha de Wight, em 1970, na Inglaterra, drogas e música proporcionaram algo inusitado: um show de Gilberto Gil, Gal e Caetano para cerca de 200 mil pessoas. Os três e mais umas 20 pessoas tocaram no mesmo palco onde dias depois (foram cinco dias no total) estiveram Jimi Hendrix, The Doors e The Who.

A apresentação aconteceu graças a Cláudio Prado, membro do grupo que gravou uma jam session ocorrida à base de LSD e maconha na barraca do hoje ministro Gilberto Gil. Ele levou a fita até a organização do festival, que autorizou os brasileiros a tocarem no segundo dia – dedicado a artistas pouco conhecidos. O show durou cerca de 40 minutos. No repertório, “London, London”, “Aquele Abraço” e muito improviso. “O ácido nos deixou entusiasmados”, diz o escritor Antonio Bivar, que foi ao palco tocar reco-reco. Co-tradutor da edição brasileira de On the Road, ele contou a experiência da ilha de Wight em seu livro Verdes Vales do Fim do Mundo. “Caetano e Gal não haviam tomado LSD.”

Nesse caso, o alucinógeno ajudou a catalisar um momento da expressão artística. Mas nem sempre nem com todo mundo é assim, do tipo experimente alguma droga e saia escrevendo poemas de qualidade, pintando belos quadros e fazendo boa música por aí. Veja o que o escritor Aldous Huxley, autor de As Portas da Percepção (em que relata seu uso da mescalina), de 1954, e protagonista de experiências com LSD, disse numa entrevista à Paris Review em 1960. Perguntaram se ele via relação entre o processo criativo e o uso de drogas como o ácido lisérgico. Trecho da resposta: “Para a maioria das pessoas é uma experiência significativa e eu suponho que de um modo indireto pode ajudar no processo criativo. Mas não acredito que alguém possa se sentar e dizer ‘Eu quero escrever um poema brilhante e por isso vou tomar ácido lisérgico’. Não acho, de maneira alguma, que você vai atingir o resultado esperado.”

SANTA TRÍADE

William Burroughs (foto), Jack Kerouac e Allen Ginsberg foram os principais nomes do movimento beat, iniciado na década de 1950. Formados em Columbia (Kerouac e Ginsberg) e Harvard (Burroughs), rejeitaram a concepção de literatura vigente na época e criaram uma nova maneira de escrever

ERVA OU Pó?

Apartamento de Raul Seixas. Ele, defensor da cocaína, e Tim Maia, amante da maconha, engatam uma discussão acalorada sobre os prós e contras de cada droga. Ânimos exaltados, Tim encerra o papo dizendo que pó “afrouxa o brioco”. Por fim, acende mais um, Raul estica mais uma e quase fazem uma música juntos. A história está no livro Noites Tropicais, de Nelson Motta

GURU? EU?

Ex-ator e diretor de teatro, Fauzi Arap ficou conhecido por Navalha na Carne e Perto do Coração Selvagem, ambas peças encenadas na década de 1960. Naquele período, realizou experiências com o LSD, mas abandonou-as quando começaram a vê-lo como um guru

HEROÍNA

Gerenciados por Andy Warhol, Lou Reed e companhia lançaram The Velvet Underground & Nico em 1967. Entre as faixas, “I’m Waiting For The Man” e “Heroin” faziam referências explícitas às drogas – num tempo em que o tema ainda era tabu

PILEQUE

Zeca Pagodinho não seria páreo para Nelson Cavaquinho. O compositor de “Juízo Final” e “A Flor e o Espinho” tomava todas e mais algumas, compunha no bar e, no dia seguinte, só conseguia se lembrar das melodias que gostava de verdade

INFERNO

Coppola viveu seu próprio Vietnã de insanidades e abuso de drogas durante as filmagens de Apocalypse Now. Alguns atores usaram álcool, maconha e ácido para atuar. Martin Sheen, o protgonista, sofreu um infarto. Na trilha, “The End”, dos Doors

METEORO

Jean-Michel Basquiat, nascido em Nova York, foi um meteoro no mundo das artes. Sua carreira durou apenas oito anos e começou com grafites nos trens de subúrbio. Mais adiante, suas telas o ajudaram a exorcizar os demônios pessoais – como o vício em heroína, que o matou aos 27 anos

NA MENTE

“Tudo que escrevi até hoje foi sob o efeito de drogas, principalmente haxixe. Só uso drogas psicodélicas, não gosto das outras. Cogumelo eu também tomo bastante. Fumo cerca de 50 gramas de haxixe por semana.” Palavras de Alan Moore, criador de Watchmen, à extinta revista General

ROMANTISMO

Rimbaud (a lápis) e Baudelaire, poetas franceses do século 19, foram os expoentes da tradição romântica. Viviam em desacordo com os valores burgueses vigentes. Ambos tiveram experiências com haxixe e as colocaram no papel. Baudelaire em Os Paraísos Artificiais, livro que contém poemas dedicados ao haxixe e ao ópio, e Rimbaud em poemas como “Manhã de Embriaguez”

TROPICAL

Inventor do termo Tropicália, o artista plástico Hélio Oiticica era um transgressor por excelência. Apologistadas drogas, criou em 1973 juntamente com o cineasta Neville D’Almeida a polêmica série Cosmococas, que traz imagens de ícones como Marilyn Monroe modificadas por trilhas de cocaína

O teste do ácido do refresco elétrico

Embarque no coloridoônibus de Ken Kesey

Foi uma viagem louca. Começou em junho de 1964 nos arredores de São Francisco e terminou depois de um mês em Nova York. O veículo? Um ônibus escolar de 1939 pintado com cores berrantes. No volante, Neal Cassidy, o beatnik que inspirara Jack Kerouac a escrever On the Road. No comando, Ken Kesey, cujo objetivo era contestar a sociedade americana e propagandear o uso do ácido lisérgico, legal na época. A viagem, na verdade, começara bem antes, em 1959, ano em que Kesey, então estudante em Stanford, se voluntariou para pesquisas do governo sobre drogas psicoativas. A partir dessas experiências, ele escreveu seu livro mais celebrado: Um Estranho no Ninho. Com o dinheiro ganho com a obra, comprou umas terras, montou o grupo musical Merry Pranksters e iniciou os seus próprios testes psicodélicos, conhecidos por “Acid Tests”. Em 1964, teve de ir a Nova York para o lançamento de seu segundo livro. Foi aí, então, que teve a idéia de comprar e reformar o velho ônibus e embarcar com Cassidy e os Merry Pranksters. Ao longo do caminho, cruzaram com Allen Ginsberg, Kerouac e o “papa” do ácido, Timothy Leary, que, segundo consta, não se entusiasmou muito com o circo todo. A aventura de Ken Kesey foi reconstruída por Tom Wolfe no livro O Teste do Ácido do Refresco Elétrico.

Para saber mais

Na livraria:

The Road of Excess A History of Writers on Drugs - Marcus Boon, Harvard University Press, EUA, 2002

Waiting For the Man: The Story of Drugs and Popular Music - Harry L. Shapiro, Helter Skelter Books, Grã-Bretanha, 1999

Confissões de um Comedor de Ópio - Thomas De Quincey, L&PM, Porto Alegre, 2001

Alma Beat - Vários, L&PM, Porto Alegre, 1984

Drogas: 5 mil anos de viagem

O homem tem uma longa história de convivência com psicotrópicos - há milênios eles são usados desde em ritos indígenas até animadas festas romanas. Conheça a trajetória das principais drogas na nossa cultura.

por Texto Marco Antônio Lopes

Há cerca de 5 mil anos, uma tribo de pigmeus do centro da África saiu para caçar. Alguns deles notaram o estranho comportamento de javalis que comiam uma certa planta. Os animais ficavam mansos ou andavam desorientados. Um pigmeu, então, resolveu provar aquele arbusto. Comeu e gostou. Recomendou para outros na tribo, que também adoraram a sensação de entorpecimento. Logo, um curandeiro avisou: havia uma divindade dentro da planta. E os nativos passaram a venerar o arbusto. Começaram a fazer rituais que se espalharam por outras tribos. E são feitos até hoje. A árvore Tabernanthe iboga, conhecida por iboga, é usada para fins lisérgicos em cerimônias com adeptos no Gabão, Angola, Guiné e Camarões.

Há milênios o homem conhece plantas como a iboga, uma droga vegetal. O historiador grego Heródoto anotou, em 450 a.C., que a Cannabis sativa, planta da maconha, era queimada em saunas para dar barato em freqüentadores. “O banho de vapor dava um gozo tão intenso que arrancava gritos de alegria.” No fim do século 19, muitos desses produtos viraram, em laboratórios, drogas sintetizadas. Foram estudadas por cientistas e médicos, como Sigmund Freud.

Somente no século 20 é que começaram a surgir proibições globais ao uso de entorpecentes. Primeiro, nos EUA, em 1948. Depois, em 1961, em mais de 100 países (Brasil entre eles), após uma convenção da ONU. Segundo um relatório publicado pela entidade em 2005, há cerca de 340 milhões de usuários de drogas no planeta. Movimentam um mercado de 1,5 trilhão de dólares. “Ao longo da história, as drogas tiveram usos múltiplos que alimentaram e espelharam a alma humana”, diz o professor da USP Henrique Carneiro, autor de Pequena Enciclopédia da História das Drogas e Bebidas. Elas deram origem a religiões, percorreram o planeta com o comércio, provocaram guerras, mudaram a cultura, música e moda. Acompanhe agora uma viagem pela história das substâncias mais famosas.

Ayahuasca

Índios da bacia Amazônica tomam esse chá alucinógeno há mais de 4 mil anos – um hábito que chamou a atenção de portugueses e espanhóis assim que eles desembarcaram por aqui, no século 16. Ao chegarem à Amazônia, padres jesuítas escreveram sobre o chá da “poção diabólica” e as cerimônias que os indígenas realizavam depois de consumir o ayahuasca. Durante todo esse tempo, a bebida provavelmente teve a mesma receita: um cozido à base de pedaços do cipó Banisteriopsis caapi.

O nome quem deu foram os índios quíchuas, do Peru. Ayahuasca quer dizer “vinho dos espíritos” – segundo eles, o chá dá poderes telepáticos e sobrenaturais. Mas os quíchuas são apenas um dos 70 povos na América Latina que tomam o chá com freqüência. Na maioria dos casos, o chá é visto como uma divindade. Mas a ayahuasca também serve ao prazer: ao final dos rituais, muitos índios transam com suas parceiras.

No século 20, a fama do chá correu o mundo. Escritores viajavam para a América do Sul, enfrentavam o calor e a umidade e dormiam em aldeias para ter experiências alucinógenas. Entre os pirados estavam o poeta beatnik William Burroughs. Burroughs esteve no Brasil e na Colômbia, em 1953. Quando voltou aos EUA escreveu o livro Cartas do Yagé (yagé é outro nome do chá, tomado na periferia de Bogotá). “Uma onda de tontura me arrebatou. Brilhos azuis passavam em frente de mim”, escreveu. Depois, recomendou a bebida ao amigo Allen Ginsberg, que veio para a Amazônia em 1960. Hoje o chá é tão divulgado na internet (mais de 400 mil sites) que existem até pacotes turísticos vendidos por entidades clandestinas. A pessoa paga hotel, avião e visitas a tribos que fazem o culto. O custo: entre 1 000 e 1 300 dólares.

Cacto peiote

Cerca de 10% das mais de 50 espécies de cacto têm propriedades alucinógenas. A mais conhecida é a Lophophora williamsi, que brota em desertos no sul dos EUA e norte do México. É usada em rituais há 3 mil anos e cerca de 50 comunidades indígenas a consideram sagrada. Os huichois, do norte do México, chegam a fazer uma peregrinação anual de mais de 400 km para colhê-la. Quando a encontram, fazem um ritual: em silêncio, agem como se estivessem diante de um cervo, até lançarem uma flecha na planta. Quando voltam com o peiote para a tribo, organizam rituais e celebrações sob efeito da droga.

Algumas tribos da região, no entanto, descobriram os poderes do peiote somente no século 19. “Depois da Guerra Civil Americana, os índios comanches e os navajos viveram uma terrível crise com o extermínio dos seus búfalos e os massacres que sofreram”, conta o pesquisador da USP Henrique Carneiro. Para amenizar a fase difícil, “aderiram ao consumo religioso do peiote”. Numa das cerimônias, chamada “dança fantasma”, os índios dançavam alucinados e diziam se comunicar com os mortos.

O escritor inglês Aldous Huxley tomou a mescalina, substância do cacto. Descreveu as viagens no livro As Portas da Percepção: “Foi como tirar férias químicas do mundo real”. Mas nem só o underground era seduzido pela droga. O físico inglês Francis Crick – que em 1953 descobriu a estrutura do DNA – provou o peiote várias vezes e gostou. Em 1967, quando lançou o livro Of Molecules and Men (“Sobre Moléculas e Homens”, sem tradução em português), o cientista colocou na epígrafe a frase “Este é o poderoso conhecimento, sorrimos com ele”, tirada do poema Peyote Poem, do escritor e doidão Michael McClure.

Cocaína

Quando chegaram à América, os espanhóis perceberam que os índios da região tinham adoração pela folha da coca. Pragmáticos, passaram a distribuí-la aos escravos para estimular o trabalho. Acontece que os brancos também tomaram gosto pela coisa. E as folhas foram parar na Europa.

No Velho Continente, a planta era utilizada na fabricação de vinhos. Um deles, o Mariani, criado em 1863, era o preferido do papa Leão 13, que deu até medalha de honra ao produtor da bebida. Foi nessa mesma época que o químico alemão Albert Niemann isolou o alcalóide cloridrato de cocaína. Como tantos outros cientistas que você vai conhecer nesta reportagem, ele usou o corpo como cobaia: aplicou a droga na veia e sentiu a força do efeito.

O psicanalista Sigmund Freud investigou o uso da droga. Achava que ela serviria como remédio contra a depressão e embarcou na experiência: “O efeito consiste em uma duradoura euforia. A pessoa adquire um grande vigor”. Até que um dos pacientes, Ernst Fleischl, extrapolou e morreu de overdose. Freud, então, abandonou a droga.

Era normal laboratórios fazerem propaganda sobre a cocaína. Dizia-se que era “excelente contra o pessimismo e o cansaço” e, para mulheres, dava “vitalidade e formosura”. Somente no começo do século 20 é que políticos puritanos começaram a lutar pela proibição da droga, que praticamente sumiu do país. Só voltaria no fim da década de 1970, quando a cocaína refinada na Bolívia e Colômbia entrou nos EUA. E, mesmo proibida, não saiu mais.

Crack

Feita pela mistura da pasta de cocaína com bicarbonato de sódio, leva em segundos a um estado de euforia intenso que não dura mais do que 10 minutos. Assim, quem usa quer sempre repetir a dose. O nome crack vem desse efeito rápido, que surge como estalos para o usuário.

O consumo de crack explodiu no meio dos anos 80, como alternativa barata à cocaína. Mas a droga aparecia também em festas de universitários e até de políticos. Um desses casos ficou famoso. Em janeiro de 1990, o prefeito de Washington, Marion Barry, foi preso numa operação do FBI quando estava num quarto de hotel com uma antiga namorada, cooptada pelos policiais. Assim que ele começou a usar crack, os agentes entraram no lugar e o prenderam. Barry renunciou e ficou detido por 6 meses numa prisão federal.

Em São Paulo, o crack ainda hoje é a droga mais vendida em favelas e entre os sem-teto. No Rio, demorou muito mais para circular. “A disseminação do crack é fruto de ação do vendedor de cocaína no varejo, que produz as pedras em casa. No Rio, a estrutura do tráfico não permitia essa esperteza”, afirma Myltainho Severiano da Silva, autor de Se Liga! O Livro das Drogas. Quem vendia crack era assassinado. Mas, em crise por causa de apreensões de drogas pela polícia, os chefões do tráfico passaram a permitir a venda de crack no Rio no fim da década de 1990.

Cogumelos

Existem cerca de 30 mil tipos de cogumelos no mundo, mas só 70 provocam viagens. São os cogumelos alucinógenos, com alcalóides que, quando ingeridos, dão barato. Um segredo, aliás, há tempos conhecido pelo homem: 5 mil anos atrás o cogumelo Amanita muscaria já era colhido ao pé de carvalhos no norte da Europa e na Sibéria. Quando não o encontravam, os nativos da região bebiam até a urina de renas que comiam o cogumelo, para assim conseguir o efeito entorpecente.

No Império Romano, o cogumelo utilizado era outro, o caesarea, consumido com vinho em festas que terminavam em orgias. Outra espécie, Claviceps pupurea, que nasce de parasitas do centeio, fez sucesso por acaso em regiões da Itália durante a Idade Média. Em algumas aldeias, os pães eram feitos com farinha do centeio onde o fungo crescera. Sob o efeito do cogumelo, as pessoas dançavam sem parar em festas. Os sábios, que não sabiam que era o pão que dava barato, diziam que a euforia era causada pela picada de uma aranha. Deram a essa sensação o nome de “tarantismo” (de tarântula). Dessas festas teria surgido uma dança famosa – a tarantela.

No hemisfério sul, a variedade mais comum é o psilocybe que nasce nas fezes do gado. A mesma espécie aparece na América Central, onde arqueólogos encontraram esculturas em forma de cogumelo misturadas com figuras humanas. Datam de 500 a.C. e estão em El Salvador, Guatemala e México.

Maconha

A Cannabis sativa, originária da Ásia Central, é consumida há mais de 10 mil anos. Os primeiros sinais de uso medicinal do cânhamo, outro nome da planta, datam de 2300 a.C., na China, numa lista de fármacos chamada Pen Ts’ao Ching – um estudo encomendado pelo imperador Chen Nong (a maconha servia tanto para prisão de ventre como para problemas de menstruação). Na

Índia, por volta de 2000 a.C., a Cannabis era considerada sagrada.

A planta apareceu no Brasil com escravos africanos, que a usavam em ritos religiosos. O sociólogo Gilberto Freyre anotou isso no clássico Casa Grande & Senzala, de 1933: “Já fumei macumba, como é conhecida na Bahia. Produz a impressão de quem volta cansado de um baile, mas com a música nos ouvidos”. No Brasil, até 1905, podia-se comprar uma marca de cigarros chamada

Índios. Era maconha com tabaco. Na caixa, um aviso curioso: “Servem para combater asma, insônia e catarros”.

No século 19, a erva foi receitada até para a rainha inglesa Vitória. Ela fez um tratamento à base de maconha contra cólicas menstruais, indicado pelo médico do palácio. Hoje, há uma cultura em torno da droga que se mantém com revistas especializadas, sites e ongs defendendo seu uso. A maconha tem até torneio anual, na Holanda: a Cannabis Cup, que avalia a qualidade da droga de todos os continentes. O país, aliás, não permite o comércio livre da erva. A droga pode ser vendida apenas nos coffee shops e o limite por pessoa é de 5 gramas – suficiente para 5 cigarros.

Haxixe

A pasta formada pelas secreções de THC, princípio ativo da maconha, é consumida há milênios na Ásia – na China, foram encontrados registros de seu uso medicinal em 2500 a.C. Mas foi o comércio de especiarias que fez do haxixe uma droga “global”. Acredita-se que por volta de 2 d.C. a substância seguiu para o norte da África e Oriente Médio pelas mãos de comerciantes que iam ao Oriente em busca de especiarias. Eles recebiam haxixe como cortesia nas operação de compra e venda.

O nome, no entanto, vem do árabe – hashish significa “erva seca”. Ficou conhecido assim quando Hassan bin Sabbab, líder de uma seita xiita da Pérsia no século 11, reuniu seguidores numa fortaleza para matar soldados das Cruzadas. Antes de entrar em ação, usavam a droga. Os homens de Hassan, conhecido como Velho da Montanha, eram chamados de aschinchin – alguém sob influência do haxixe. Daí derivou a palavra assassin, ou assassino.

A droga se espalhou pela Europa no século 18. O poeta francês Charles Baudelaire e seus amigos escritores Alexandre Dumas e Victor Hugo se reuniam para fumá-la. Baudelaire gostava tanto de haxixe que fazia parte de uma ordem, a Club des Haschichiens. Nos encontros, além de usar haxixe, os participantes tinham um estranho ritual: exaltar Hassan bin Sabbab. Todos vestiam roupas árabes e um dos integrantes era eleito o Velho da Montanha.

Ecstasy

Em 1912, um químico que investigava moderadores de apetite para a empresa alemã Merck desenvolveu uma droga de nome impronunciável: metilenedioxianfentamenia, ou MMDA. Experimentou, sentiu uma leve euforia, mas arquivou a descoberta. Na década de 1960, o cientista americano Alexander Shulguin procurava um remédio que estimulasse a libido. Encontrou os papéis da pesquisa da Merk e incluiu o MMDA na lista de mais de 100 substâncias que ele testou em tratamentos psiquiátricos. A que fez mais sucesso foi justamente a MMDA, que ganhou a fama de “droga do amor”. Os pacientes diziam que ela os ajudava a ser mais carinhosos – hoje, sabe-se que a droga estimula a produção de serotonina no cérebro, responsável pela sensação de prazer.

Não surpreende, portanto, o nome que fez a substância famosa: “ecstasy”, de êxtase mesmo. Em 20 anos, as pastilhas da droga estavam circulando nas ruas. Eram combinadas com o som da música eletrônica em festas chamadas raves, que atravessavam o dia e só terminavam à tarde. Em 1988, o êcstasy foi a febre no verão inglês, que acabou batizado de Summer of Love, ou “verão do amor” , mesmo nome que os hippies deram ao ano de 1967, quando eles se entupiram de LSD. A comparação não era exagerada: as duas drogas estiveram por trás de boa parte da produção cultural jovem de suas épocas.

Heroína

A substância foi descoberta em 1874, a partir de um aprimoramento na fórmula da morfina. Os trabalhos de pesquisa nessa área já haviam levado, por exemplo, à invenção da seringa, criada em 1853 por um cientista francês que procurava maneiras de melhorar a aplicação da morfina. Batizado de heroína, o novo remédio começou a ser vendido em 1898 para curar a tosse. A bula dizia: “A dose mínima faz desaparecer qualquer tipo de tosse, inclusive tuberculose”. O nome fazia referência às aparentes capacidades “heróicas” da droga, que impressionou os farmacêuticos do laboratório da Bayer.

Logo descobriram também que, injetada, a heroína é uma droga de efeito veloz, poderoso e que provoca dependência rapidamente. Viciados em crise de abstinência têm alucinações, cólicas, vômitos e desmaios. Assim, a heroína teve sua comercialização proibida em 1906, nos EUA. Em 1913, o fabricante alemão parou de produzi-la, mas ela manteve intensa circulação ilegal na Europa e, principalmente, na Ásia. A droga voltou a aparecer nos EUA somente no começo dos anos 70, quando soldados servindo na Guerra do Vietnã começaram a consumi-la com asiáticos. Estima-se que cerca de 10% dos veteranos voltaram para casa viciados. .

LSD

O químico alemão Albert Hofmann trabalhava no laboratório Sandoz, em 1938, investigando um medicamento para ativar a circulação. Testava a ergotamina, princípio ativo do fungo do centeio, que ele sintetizou e chamou dietilamida. Tomou uma dose pequena e sentiu um efeito sutil. Somente em 19 de abril de 1943 Hofmann resolveu testar uma dose maior. O químico, então com 37 anos, voltou para casa de bicicleta. Teve a primeira viagem de ácido de que se tem notícia: “Vi figuras fantásticas de plasticidade e coloração”, contou. Apresentou o LSD (iniciais em alemão de ácido lisérgico) a amigos médicos. Hofmann hoje tem 100 anos e é um dos integrantes do comitê que escolhe o Prêmio Nobel.

O americano Timothy Leary se encarregou de ser um dos embaixadores do LSD pelo mundo. Doutor em psicologia clínica de Harvard, ministrava a droga para seus pacientes e a recomendava a alunos do campus – até ser expulso pela universidade, em 1963. Na época a cidade de São Francisco começava a se tornar capital da cultura hippie. Uma das principais atrações eram shows de rock para uma platéia encharcada de ácido fabricado em laboratórios clandestinos. Os freqüentadores pregavam o amor livre, a vida em comunidade e veneravam religiões orientais. O lema deles você conhece: “paz e amor”.

Em 1967, o movimento era capaz de reunir até 100 mil pessoas num parque. As farras lisérgicas muitas vezes acabavam em sexo coletivo. Não é à toa que o ano tenha entrado para história como Summer of Love, o “verão do amor”.

Ópio

O suco leitoso tirado da papoula branca é consumido há cerca de 5 mil anos no sudoeste da Ásia, em ilhas do Mediterrâneo e no Oriente Médio. Fez parte até da mitologia grega – era usado para venerar a deusa Demeter. A lenda dizia que, após ter sua filha Proserpina raptada, Demeter passou a procurá-la. Encontrou e comeu sementes de papoula, diminuindo a dor da perda. A imagem da deusa, então, ficou ligada à papoula – e rituais em sua homenagem incluíram o uso da droga. O nome ópio vem do grego opin, ou suco. A chegada da civilização romana não diminuiu a sua popularidade, inclusive para fins medicinais. “O ópio era a aspirina de seu tempo. No ano 312, havia na cidade de Roma 793 estabelecimentos que o distribuíam”, afirma Antonio Escohotado, em O Livro das Drogas.

Na época das navegações, a Inglaterra chegou a monopolizar a venda mundial de ópio. Entre os principais importadores estava a China, apesar de o produto ser proibido lá desde 1729. A luta contra o contrabando levou a um conflito militar entre os dois países, que durou de 1839 a 1842 e ficou conhecido como Guerra do Ópio. Os ingleses venceram e obrigaram a China a permitir o comércio da droga. Ficaram também com o território de Hong Kong, que só foi devolvido em 1997.

Para saber mais

Pequena Enciclopédia da História das Drogas e Bebidas - Henrique Carneiro, Elsevier, 2005

O Livro das Drogas - Antonio Escohotado, Dynamis, 1995

Se Liga! O Livro das Drogas - Myltainho Severiano da Silva, Record, 1997

Álcool e Drogas na História do Brasil - Org. Renato Pinto Venâncio e Henrique Carneiro, Alameda e PUCMinas, 2005

http://www.neip.info/

http://www.erowid.org/psychoactives/psychoactives.shtml

Por que gostamos tanto de drogas?

Por que gostamos tanto de drogas?

Elas detonam neurônios, geram dependência, acabam com a sua vida. Mas imitam as moléculas que seu cérebro cobiça

por Texto Marília Juste

Pelo mesmo motivo que gostamos de comer, de sexo e de exercício físico. Nosso organismo, não por acaso, é particularmente sensível às sensações de prazer, e nosso cérebro foi configurado para sempre querer mais do que é gostoso. O que não parece nada mau, não é? O problema foi que o feitiço virou contra o feiticeiro quando as drogas e seus efeitos colaterais deram as caras.

Essa “configuração cerebral” é chamada de sistema de recompensas e foi muito importante para nossa sobrevivência ao longo dos séculos. Quando nossos ancestrais faziam sexo, era gostoso, e o cérebro os estimulava a fazer mais daquilo. Mais sexo é igual a mais oportunidades de reprodução, a mais descendentes e a mais chances de sobrevivência para a espécie como um todo. Quando eles comiam, esse sistema os estimulava a comer mais. Mais comida é mais saúde e maior resistência a doenças e acidentes. E, na natureza, comida é algo escasso. O prazer, então, é só um suborno para continuar praticando o que faz bem.

Esse estímulo na verdade é uma substância chamada de endorfina, que tem o adequado apelido de “hormônio do prazer”. Esse processo todo é bastante primitivo biologicamente e pode ser encontrado mesmo em espécies bem menos complexas que um ser humano, tal como os insetos.

As drogas que viciam agem exatamente nesse mecanismo do cérebro para nos fazer cair na armadilha dos entorpecentes. Elas alteram a função do sistema de recompensas, fazendo o organismo parar de se preocupar com o próprio bem-estar e só dar atenção à alimentação do vício. Todas as fontes de prazer deixam de ter a mesma importância e só o consumo do entorpecente passa a ser agradável e desejável. Quem não entende a dificuldade que um dependente tem de abandonar o seu vício pode imaginar o seguinte: o quanto você sofre quando fica sem comida? Se estivesse morrendo de fome, o que seria capaz de fazer por comida? É uma sensação parecida com o que a ausência da droga causa em quem está viciado.

São diversas as substâncias que causam essa deturpação de um mecanismo com função tão nobre. É o caso da cocaína, do álcool, da nicotina, da heroína e também da maconha. O LSD, no entanto, apesar de causar danos cerebrais consideráveis, não age nessa área e, portanto, não vicia.

Drogas Internas

O controle da liberação de endorfina quando comemos, fazemos sexo e exercícios, dormimos ou mesmo nos protegemos do frio é feito por um sistema cerebral conhecido como sistema opióide. O nome vem do ópio, porque essa droga afeta exatamente os mesmos receptores, ou “fechaduras químicas”, dos neurônios. Essa é uma característica comum a muitas outras drogas: provavelmente por acaso, sua composição química e a estrutura de suas moléculas “encaixa” de forma suficientemente precisa em receptores dos neurônios de humanos e outros animais afetados por elas. Não é que os neurônios tenham sido “fabricados” para absorver drogas: o que acontece é que, por azar, elas são parecidas com moléculas que o organismo produz naturalmente e que funcionam como sinalizadoras no cérebro, além de cumprir outras funções, em certos casos.

O mesmo fenômeno levou à descoberta do chamado sistema endocanabinóide. É isso mesmo: todo um conjunto de sinalizadores e receptores que se assemelham ao princípio ativo da Cannabis sativa, a popular maconha. O sistema dos endocanabinóides está tanto associado a sensações de bem-estar quanto ao controle da fome, o que explica a “larica”, ou fome exacerbada, de quem fuma um baseado. Por isso, remédios contra obesidade estão começando a explorar essa propriedade.

A cafeína é a substância psicoativa (ou seja, com efeitos sobre o sistema nervoso) mais consumida do mundo. Em média, toda pessoa toma uma dose de cafeína por dia no planeta.

A forma é a função

Conheça as drogas fabricadas no interior do seu cérebro

Anandamida

Uma das principais substâncias do sistema endocanabinóide, ou seja, é um análogo do princípio ativo da maconha. Tem funções no sistema nervoso e no sistema imune (de defesa) do organismo.

Dopamina

Essencial para uma série de funções neuronais, a dopamina fica em falta no cérebro de pessoas com mal de Parkinson. Um dos efeitos do LSD afeta os receptores dessa molécula.

Endorfina

Molécula cujo nome quer dizer “morfina endógena”, ou seja, produzida pelo próprio organismo. Sua ação é a mesma das drogas da família do ópio, ligadas ao famoso sistema opióide.

Sérgio Cabral: pela liberação das drogas mas sob condições.


Foto: Evandro Teixeira
Cabral: "Brasil não pode virar a Walt Disney das drogas" Foto: Evandro Teixeira

Leandro Mazzini, Marcelo Migliaccio, Jornal do Brasil

RIO - De bem com a vida, mais magro para a maratona eleitoral de 2010, saboreando a vitória do Rio para os Jogos de 2016 e a última novidade – uma maior fatia de royalties para o estado no pré-sal – é difícil ver Sérgio Cabral Filho aborrecido com algum assunto. Detalhista, desde o monograma SCF na camisa aos comentários e gestos, o governador parece em ritmo de campanha: tem respostas prontas para temas espinhosos. Nesta entrevista ao JB, ele se sente à vontade para passear por cenários que rascunha e por assuntos polêmicos. Admite dificuldades em contratar policiais e, como comandante de um estado cuja maior chaga é a guerra entre a polícia e o tráfico, deixa uma polêmica: é a favor da liberalização das drogas, “desde que haja um pacto internacional”. Garante que o PT estará em sua chapa, volta a defender autonomia federativa para os estados e revela que vai dobrar a verba do fundo para o meio ambiente, com o dinheiro do pré-sal.

O senhor pretende deixar o governo com quantas UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora)?

Esse é um projeto que deu certo. Havia uma polícia que não atuava nessa filosofia que estamos atuando, tinha uma politização da polícia, extravagante; acordo com os milicianos; acordo com os traficantes, quer dizer, uma barbárie instalada no Rio. Você não desmonta isso da noite para o dia, você tem um número de efetivos, um número limitado, e a gente tem uma filosofia de que nas UPPs se coloca só policiais novos. Você tem que fazer concurso, o salário não é bom ainda. Melhorou, porque em três anos demos reajuste. O prefeito Eduardo Paes vai dar gratificação para quem está na UPP, mas a gratificação é para quem está na rua, para todos. Mas você ainda não consegue atrair para a polícia um número que nós desejaríamos.

Toda vez há um enfrentamento, como no caso do helicóptero, surgem as pessoas defendendo a tese de que a liberação das drogas reduziria esse embate que se tem no Rio. Qual é a sua opinião sobre isso?

A lógica da legislação sobre droga tem que ser discutida nos foros internacionais. Eu diria que basicamente a Organização das Nações Unidas e a Organização Mundial da Saúde, a OMS. Deve começar pela OMS, (debate) dos seus prós e contras. Acho que nessa lógica da proibição pela proibição, o resultado é uma quantidade de mortes muito maior do que se nós tivéssemos uma legislação mais inteligente, mais voltada para a vida como ela é. Essa legislação não está no arcabouço do estado de direito democrático, ela está no arcabouço comportamental, de valores, arraigados na sociedade internacional, a começar pelos Estados Unidos da América, que é a vanguarda do atraso nessa concepção atual no mundo. Hoje você já tem em muitos países europeus uma outra visão, e em alguns estados americanos - porque os Estados Unidos têm um modelo que eu sou favorável no Brasil, de autonomia federativa, onde os estados legislam sobre as suas vidas. Essa é a grande reforma do Brasil. Esse pacto federativo. Tudo isso pode vir no bojo de uma reforma da federação. A realidade econômico-social-criminal do Texas não é igual à de Ohio. No Brasil, o Rio tem a mesma legislação do Acre, quando o Acre tem problemas ambientais que o Rio de Janeiro não tem e que, portanto, teria que ter uma legislação específica. Você vai ver a Constituição, está tudo concentrado em Brasília, no Congresso Nacional. Essa é a grande desgraça do Brasil. Esse é um tema que o Brasil profundamente deve discutir, que não está na agenda da imprensa, não está na agenda de lugar nenhum.

O senhor foi senador. Debateu isso lá no Congresso?

Não só debati como fiz propostas, há projetos meus tramitando lá.

Tirando o debate político, o cidadão Sérgio Cabral é a favor da liberalização das drogas?

Sou favorável à liberação das drogas, desde que seja um pacto internacional. Senão pode o Brasil virar a Walt Disney das drogas.

Isso é um debate para a OMS?

É um debate para a OMS, tem que ser visto com toda uma estrutura legal em termos de saúde pública, de prevenção. Hoje, o que acontece? O usuário tem crises e não há uma política pública. É como o aborto, que hoje ocorre. Segundo dados do SUS, 200 mil mulheres, por ano, depois de fazer o aborto ilegal, vão ao Sistema Único de Saúde, um hospital público, para reparar danos causados por essas cirurgias. O cálculo do ministro da Saúde é que isso signifique 20% do total. O total é de 1 milhão de abortos por ano. Ora, seu sou a favor do aborto? Claro que não. Quem é a favor do aborto? Ninguém! Sou a favor do direito da mulher ter uma estrutura pública. Tenho cinco filhos, amo meus filhos, Deus me livre, não torço para que nenhuma mulher faça aborto. Agora, por favor, a realidade, a vida como ela é, é que 1 milhão de mulheres, todo ano, fazem aborto. Ora, a mulher da classe média alta vai numa clínica clandestina, onde as autoridades daquela localização sabem que ela existe e sabe Deus como é que mantém aquilo. Agora, as meninas e as mulheres da pobreza, que é a grande maioria do povo brasileiro, vão onde, fazem onde?

O senhor disse que não há política pública em algumas situações de tratamento de drogas, mas aqui no Rio o crack está entrando pesado e há fatos graves.

Em São Paulo já entrou, infelizmente, há dois anos...

E está vindo para o Rio... O Rio tem condições de bancar o tratamento para essas pessoas? O pai do rapaz viciado que recentemente matou uma amiga acusou o estado de não dar suporte para internação.

Não é verdade. Há várias clínicas com as quais o governo do estado faz convênios. A gente busca conveniar clínicas e instituições que já fazem tratamento. Vou dar um exemplo de um trabalho lindo que a gente faz com um pastor da Assembleia de Deus, o Isaias Maciel. A gente está fazendo um trabalho com ele e várias clínicas, e a prefeitura do Rio também começou a fazer. Um trabalho de repressão.

(Colaborou João Batista de Araújo)

21:57 - 14/11/2009

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Charge & Drogas


Droga: Descriminalização não aumentou consumo nem tornou Portugal destino de narcoturismo


Expresso Digital
Lisboa, 05 Nov (Lusa) - O relatório do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência confirma que não houve aumento do consumo após a descriminalização nem Portugal passou a destino de narcoturismo, disse hoje o presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT).
Em declarações à agência Lusa, a propósito do relatório do Observatório Europeu da Droga e Toxicodependência (OEDT) hoje divulgado, João Goulão salientou que "os dados, desde a descriminalização até agora, apontam para uma evolução positiva do fenómeno da droga e da toxicodependência" em Portugal.
"Aquilo que se constata é que Portugal não se transformou num destino para o narcoturismo nem houve um disparar dos números da toxicodependência na sequência da descriminalização. Estas eram as bandeiras agitadas pela oposição, nomeadamente o CDS, com Paulo Portas a dizer que iria ser o paraíso dos drogados de todo o mundo", recordou João Goulão.

Jack Cole - Ex -policial : " A solução é liberar todas as drogas"

29/10/2009 - 15:01 - Atualizado em 30/10/2009 - 20:06
"A solução é liberar todas as drogas"
Ex-policial americano que prendeu mil traficantes como infiltrado diz por que reprimir não resolve
NELITO FERNANDES - REVISTA ÉPOCA
Ele passou 14 de seus 71 anos infiltrado em grupos de traficantes de Nova Jersey, nos Estados Unidos. Hoje, anda com um broche em que está escrito “Policiais dizem: legalizem as drogas. Pergunte-me por quê”. Se você perguntar, ele lhe dará uma série de estatísticas. Se a conversa durar um pouco mais, Cole contará sua história de vida. Em sua última missão, Cole saiu de casa quando a filha tinha 12 anos e só tornou a vê-la aos 14. Revoltada e acreditando ter sido abandonada, ela só voltou a falar com o pai quando fez 21 anos. Hoje, Cole dirige uma ONG que reúne juízes, promotores e policiais em 76 países, todos a favor da legalização das drogas. Nesta entrevista a ÉPOCA, ele lista seus motivos para defender a liberalização – e as razões para o fracasso da política antidrogas dos EUA.

ENTREVISTA - JACK COLE

QUEM ÉTenente aposentado da divisão de narcóticos da polícia americana. Tem 71 anos. É casado e tem três filhos O QUE FEZTrabalhou por 14 anos como agente infiltrado para combater o tráfico de drogas em Nova Jersey. É um dos fundadores e atual diretor executivo da ONG Law Enforcement Against Prohibition (Leap), uma organização que reúne policiais, juízes e promotores pela liberação das drogas. Percorre o mundo dando palestras
ÉPOCA – Como é a vida de um infiltrado no tráfico? Jack Cole – Não é tão emocionante e heroico quanto a gente vê nos filmes. É um trabalho que ninguém deve fazer por mais de cinco anos. Isso foi o que meu superintendente disse, mas eu acabei ficando 14 anos. É o tipo de serviço que faz muitos estragos na cabeça do infiltrado. Pela ótica de quem declara guerra ao tráfico, faz sentido. Porque toda guerra precisa de um espião. Eu era o espião dessa guerra que não estamos vencendo e não vamos vencer.
ÉPOCA – Como sua família reagia? Cole – Estou em meu terceiro casamento, e dois deles acabaram enquanto eu era infiltrado. Não preciso dizer mais nada. Ninguém além de sua mulher pode saber o que você faz, então você vive uma vida paralela, de que seus filhos não sabem. Em alguns casos você aluga uma casa, passa parte do tempo lá e volta para a sua casa de verdade todas as noites. Em outros, não pode nem voltar para casa. Em minha última missão, eu saí de casa quando minha filha tinha 12 anos, fui para outro Estado, vivi com bandidos e só voltei quando ela tinha 14 anos. Ela achou que eu tinha abandonado a família e só voltou a falar comigo quando fez 21 anos. É devastador.
ÉPOCA – Como entrava nas quadrilhas? Cole – Não eram exatamente quadrilhas. Na maioria das vezes eram pessoas como nós, e a única diferença deles para nós é que eles decidiram colocar algo em seu corpo que nós não colocamos. A maioria nem sequer usava arma. Era gente que pegava drogas e repassava para os amigos, e muitos nem tinham lucro com isso. Meu trabalho era baseado em alvos. Eu tinha de me transformar no melhor amigo do alvo, a ponto de ele me fazer confidências que mais tarde seriam usadas contra ele. Então eu passava a ir aos lugares que eles frequentavam, pagava uma bebida, puxava um assunto ou tentava comprar uma droga. Depois era só ir às reuniões, às festinhas, onde eles perguntavam quem queria ficar doidão.
ÉPOCA – O senhor chegou a ficar amigo de verdade de algum traficante? Cole – Sim, claro. Por que não ficaria? Como eu disse, são pessoas normais, como nós, que em algum momento resolvem se drogar. Muitos deles, para sustentar o vício, resolvem vender para amigos. Você vira confidente, mas faz também confidências. Você pensa o tempo todo que está sendo um traidor, mas tem de ficar firme até o final da operação. Em geral, prendíamos todos de uma vez, e eu era preso também.
ÉPOCA – Depois de serem presos, eles sabiam quem era o traidor? Cole – Na hora da acusação, eu tinha de testemunhar. Eles tinham o direito de saber como foram presos. Minha presença os fazia se declarar culpados, porque sabiam que eu tinha conhecimento de tudo. Quando alguém ia preso, era como se uma parte de mim fosse presa também, porque eu dividi minha vida com aquela pessoa. Uma vida falsa, mas em determinado momento você não sabe mais o que é verdade e o que é falso, porque você vive aquilo. Não esqueço o olhar de decepção deles quando me viam no corredor do tribunal. É um trabalho nojento. O pior é que hoje vejo que nosso trabalho na década de 70 acabou provocando mais tráfico e bandidagem.
ÉPOCA – Por quê? Cole – Uma das bandeiras de Richard Nixon para se eleger (à Presidência dos Estados Unidos, em 1968) foi a guerra total ao tráfico. Quando eu entrei para a polícia, em 1964, meu departamento tinha 1.700 policiais e sete deles trabalhavam na divisão de narcóticos. Em 1970, eram 76. Eles multiplicaram por 11 o número de policiais nas divisões de narcóticos. Só que não havia tanto tráfico assim. Naquela época, só 2% dos americanos usavam drogas. Hoje, são 16%. Era difícil mesmo achar traficantes, principalmente em cidades como Nova Jersey. Transformaram um terço dos policiais em infiltrados, para prender pequenos traficantes de bairros menores e justificar a verba. Então começamos a prender, prender e prender. Policiais mentiam sobre a quantidade de droga apreendida, porque quanto mais você apreendia maior o salário. A chefia de polícia chamava a imprensa, mostrava os presos e dizia: “Seu bairro está cheio de traficantes”. Assim conseguiam verba.
ÉPOCA – Por que o senhor faz uma relação entre o número de presos naquela época e o aumento do tráfico hoje? Cole – Prendemos gente que tinha recuperação, que não era exatamente um traficante. Só eu prendi uns mil. Gente comum que foi para a cadeia e lá conheceu traficantes de verdade, fez um verdadeiro curso intensivo de tráfico e outros crimes. E não se recuperam quando saem de lá. A condenação é uma mancha que não sai de sua vida jamais. Quem vai dar emprego? A alternativa é traficar mais, roubar e matar, ainda mais depois de fazer amizades e se profissionalizar na cadeia. Você pode superar o vício, mas jamais vai superar uma condenação. A única forma de quebrar essa corrente é liberar as drogas.
A polícia compra uma metralhadora; o traficante, um foguete. A polícia compra um tanque; o traficante, uma bazuca
ÉPOCA – Mas, se a maconha for liberada, aparecerá alguém traficando cocaína. Se a cocaína for liberada, aparecerá alguém vendendo crack... Cole – E por que não podemos liberar tudo de uma vez? Temos de liberar todas as drogas. No momento em que liberarmos, acabará o tráfico. Ele simplesmente não vai mais precisar de armas, nada disso. As drogas seriam vendidas em qualquer lugar, e o consumidor saberia exatamente o que ele está usando, como vocês têm na embalagem de cigarro os avisos de todas as substâncias que o produto contém. Os governos deram às polícias a missão de proteger os adultos de si próprios. Isso não faz sentido. Não funcionou com o álcool, e nós levamos 30 anos para perceber isso. Na hora em que legalizamos o álcool, acabou o crime provocado pelo álcool.
ÉPOCA – Mas os problemas de saúde relacionados ao álcool persistiram. Cole – E os da droga estão aí sem o menor controle. É um equívoco achar que as pessoas vão se drogar mais e que teremos mais problemas. Portugal descriminalizou as drogas em 2001 (mais exatamente o consumo de maconha, cocaína, heroína e meta-anfetaminas) e o consumo entre jovens de 12 a 15 anos caiu 25%. Também caiu 22% entre os jovens de 16 a 18 anos. Porque as pessoas passam a saber mais sobre as drogas. É inevitável. A contaminação por aids com agulhas usadas caiu 71%; as mortes por overdose, 52%. Isso acontece porque as pessoas não precisam ir para os guetos e dividir agulhas. Se você legalizar a droga, sabe o que vai acontecer no dia seguinte nos morros do Brasil? Eles vão estar fora do negócio, não vão ter mais território para defender. Eles só têm armas porque precisam se defender da polícia e das outras gangues.
ÉPOCA – Só que as armas já estão lá e podem ser usadas para cometer outro tipo de crime, com ou sem drogas envolvidas. Cole – O tráfico é um dos crimes mais difíceis de combater e o que mais corrompe a estrutura policial, porque o tráfico precisa de ponto fixo e, para ter ponto, você precisa comprar a polícia. O tráfico também não tem vítima direta. Tanto o traficante quanto o viciado se beneficiam do negócio. Então você não vai ter um viciado dando queixa. Já num assalto a banco é impossível ninguém dar queixa. Para um adolescente pegar uma arma e entrar num banco é muito mais difícil. Já para ele vender drogas aos amigos, dar recado de traficantes, vigiar a polícia, é muito mais fácil. Sem contar que o traficante que serve de exemplo para ele não vai mais estar ali.
ÉPOCA – Aqui estamos discutindo colocar metralhadoras em helicópteros e aumentar a pena por tráfico. Cole – Não estou querendo me meter nos assuntos de seu país, mas não cometam o mesmo erro que nós. Você coloca uma metralhadora no helicóptero, o traficante compra um foguete. Você entra com um tanque, ele compra bazucas. E isso vai parar onde? Vão fazer um Vietnã urbano?

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Maconha no tratamento do estresse pós-traumático - Walter Fanganiello Maierovitch

7 de novembro de 2009

O presidente de Israel estará na semana que entra em visita ao Brasil e encontrará o presidente Lula.
Não entrará na pauta, seguramente, o tema da maconha no tratamento do estresse pós-traumático, objeto de pesquisa e de estudos realizados pelo israelense departamento de Psicologia da Universidade de Haifa.
Publicada ontem, a pesquisa mostra que canabinóides (foram usados os sintéticos ao invés dos naturais) poderão ser úteis em pessoas cujos distúrbios decorrentes de traumas persistem por muito tempo.
Entre os distúrbios, tratáveis com canabinóides naturais ou de laboratórios, foram relacionados a depressão, a ânsia, os ataques de pânico e os fisiológicos. E fatos violentos, causadores de distúrbios prolongados, não faltam. Por exemplo, nas pessoas que foram vítimas ou assistiram a atos terroristas, muito comuns no Oriente Médio.
A experiência foi realizada com um grupo de ratos, colocados sob estresse físico e mental. Nos ratos sob forte estresse foram injetados canabinóides sintéticos.
Segundo a pesquisa, notou-se que a maconha sintética limitava a liberação dos hormônios do estresse no cérebro, estes responsáveis pela ativação, na memória, das recordações traumáticas.
PANO RÁPIDO. Para o diretor do departamento de psicologia, “os resultados colhidos na nossa pesquisa deverão, especialmente no campo da psiquiatria, encorajar estudos sobre o uso de canabinóides em pacientes afetados pelo estresse post-traumatico”.
O uso terapêutico de propriedades contidas na erva canábica ou sintetizadas em laboratório cresce pelo planeta. Para quem conhece pacientes sob estresse pós-traumático, a descoberta em Haifa é animadora.
Wálter Fanganiello Maierovitch

A narcotregédia brasileira - Everardo Maciel para O GLOBO

Enviado por Everardo Maciel -
8.11.2009

A narcotragédia brasileira
São dispensáveis mais estatísticas para evidenciar a associação entre o narcotráfico e o vertiginoso aumento da criminalidade no Brasil, especialmente nas cidades. Não se trata, é claro, de fenômeno local, mas impressiona sua incidência cada vez mais abrangente na América Latina.
As causas desses problemas são múltiplas. Sua solução é complexa e difícil, porque não há sequer um mínimo de consenso em torno da matéria.
A violência, invariavelmente, é tida como resultado de desigualdades sociais. Essa obviedade, entretanto, não pode ser pretexto para ignorar outras causas igualmente relevantes.
Remoção ou mitigação de desigualdades sociais não é processo rápido, nem simples. É, pois, completamente equivocado e temerário condicionar a erradicação da violência à consecução daquele objetivo. Elas são questões autônomas, conquanto correlatas.
O caos urbano brasileiro oferece contribuição significativa para a violência e o narcotráfico. Adensamentos urbanos, tristemente marcados pela proliferação de habitações subnormais, são terrenos férteis para o desenvolvimento das atividades criminosas. Neles tudo falta, desde os serviços públicos aos títulos de propriedade, daí passando ao completo desrespeito às limitações ecológicas. A ausência do Estado e da lei é a causa primeira dessas zonas de exclusão social.
A longa extensão das fronteiras brasileiras é um forte atrativo para as atividades ilegais. A inexistência de ações vigorosas das Forças Armadas e da Polícia Federal, carentes de efetivos e armamentos, e a timidez dos serviços de inteligência as converte em convite permanente para o descaminho e contrabando, especialmente de armas e drogas.
A autorização legal para abate de aeronaves clandestinas, que se recusam cumprir ordem de pouso, veio a passo tardo. É ao menos ingenuidade transferir das fronteiras para as favelas o enfrentamento do contrabando de armas.
Os amargores do período autoritário fizeram vincular a imagem das corporações militares e policiais à arbitrariedade, à tortura e à truculência. A persistência dessa atitude preconceituosa levou o Estado a tratar aquelas corporações com menosprezo e mesquinhez, debilitando sua capacidade operacional e espírito de corpo. A conseqüência mais dramática dessa realidade foi o aumento dos níveis de corrupção, especialmente nas unidades policiais em contato próximo com o crime organizado.
Sem repressão enérgica e inteligente, sem reforma do sistema prisional que usualmente converte penitenciárias em albergues do crime e sem mudanças na legislação que admite progressividade de pena para traficantes contumazes, a violência só tende a crescer.
Os esforços, ainda que louváveis, de organizações não governamentais ou as iniciativas educacionais visando prevenir o consumo de drogas apresentam resultados modestíssimos ante a dimensão do problema.
O consumidor de drogas é um doente, merecedor de cuidados especiais. Não pode ser tido como traficante tampouco encarado com leniência. Seu tratamento deve ser obrigatório, como foi a vacinação no começo do século XX, a despeito das revoltas contra a medida – hoje, vistas como expressão da mais completa ignorância.
A obrigatoriedade do tratamento impõe verdadeira mudança de foco na educação contra o uso de drogas, revisão nos conceitos de atenção à saúde mental, aumento na disponibilidade de leitos especializados em hospitais públicos, pronta oferta de atendimento ambulatorial e novas formas de abordagem do dependente pela autoridade policial.
Nesse contexto, há os que pregam a completa descriminalização das drogas, brandindo exemplos de outros países. A descriminalização, pergunto, alcançaria qualquer droga? Teríamos quiosques de maconha, barzinhos especializados em crack, importadoras de cocaína premium? Pretender enfrentar o narcotráfico com tal providência é evidência de estultice ou de relativismo moral.
Brasileiros, em proporção cada vez maior, estão sendo dizimados em uma guerra civil somente destacada por episódicos festins mediáticos. A juventude, especialmente a que vive na periferia, sofre a miséria da falta de esperança. São indecentes a postura conformista e os rompantes de auto-engano da sociedade brasileira.
Urge romper essa inércia. O Governo Federal precisa montar um programa amplo e permanente de combate à violência e ao narcotráfico, abrangendo as múltiplas causas e mobilizando todos os meios, a exemplo do que fez Osvaldo Cruz na cruzada contra a febre amarela. Neste País, não existe questão mais prioritária que essa.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Imagens & Drogas







A nova lei de drogas e o usuário


5.Nov.2009 José Carlos De Oliveira Robaldo*Em face do novo tratamento jurídico-penal que a nova Lei de Drogas - assim denominada a Lei nº 11.343, de 08 de agosto de 2006 – deu ao usuário de drogas ilícitas (maconha, cocaína, crack etc), tem demandado inúmeras discussões/polêmicas, especialmente quanto ao seu caráter proibitivo, isto é, se a mesma pune ou não criminalmente o usuário de drogas? A resposta é positiva, pune sim o usuário. Isso significa, em outras palavras, que o usuário continua sendo criminalizado e consequentemente penalizado/responsabilizado penalmente. É oportuno o esclarecimento justamente para evitar que o usuário, em face de algumas matérias publicadas pela imprensa, suponha que o uso dessas drogas esteja "tudo liberado", como se diz popularmente. Não está não! Usuário, não vá nessa! Enganam-se aqueles que pensam que acabou a punição em relação ao usuário de drogas ilícitas.Eis o que prescreve o art. 28, da aludida lei: "Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas (grifei):I - advertência sobre os efeitos das drogas;II - prestação de serviços à comunidade;III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo".A confusão está no fato de que o Brasil, por meio da nova lei, por uma questão de política criminal e seguindo tendências dos países civilizados e até mesmo às recomendações da ONU (Organização das Nações Unidas) em relação ao usuário de drogas, abriu mão da pena de prisão (apenas desta) prevista na lei anterior (a que foi revogada). Na realidade, dentro dessa nova filosofia, o legislador tinha duas opções, a saber, descriminalizar o uso ou despenalizá-lo (não punir com pena de prisão). A opção foi pela última. O acerto ou não dessa mudança de combate ao consumo de drogas, tem sido objeto de profundos debates. Em um linguajar puramente técnico isso significa que o uso de droga, embora, despenalizado em relação à pena de prisão (não se aplica a penda de prisão), não foi descriminalizado, o que significa, por conseguinte, que tal comportamento permanece proibido/ilícito, sujeito às punições/penas (penas alternativas) acima descritas. Outra discussão que tem surgido é quanto à possibilidade de a polícia prender o usuário quando é encontrando fazendo uso da droga? A polêmica nem deveria existir porque a resposta é muito simples. A polícia não pode prender o usuário em flagrante delito (porque a pena não é de prisão), mas isso não significa que o mesmo não possa ser conduzido (o que deverá ser) - até mesmo contra a sua vontade - à delegacia de polícia competente para que a autoridade policial (delegado) tome as providências técnicas cabíveis (lavratura de boletim de ocorrência, perícias, encaminhamento à justiça para a aplicação da lei).Agora, o fato de não caber prisão em flagrante (nome técnico) não significa que a polícia não deva fiscalizar e coibir o uso de droga, isso é seu dever, aliás, nesse aspecto, a polícia tem sido muito passiva. A lei de drogas está em vigor e deve ser cumprida, sob pena de prevaricação (crime praticado por funcionário público no exercício da função).Particularmente entendo que a nova lei de drogas andou bem em não punir o usuário de drogas ilícitas com pena de prisão, mas também andou corretamente em não descriminalizá-la (manter a proibição). Na minha avaliação, sem considerar os terríveis males que a droga causa às pessoas, a população brasileira não está culturalmente preparada para a liberação total do uso de certas drogas.Insisto, para finalizar, que o uso das drogas ilícitas relacionadas na nova lei acima mencionada, continua sendo crime, passível das penas acima apontadas. Entretanto, nada adianta se a execução dessas penalidades não for fiscalizada adequadamente. Do contrário, a "vaca vai para o brejo". *Procurador de Justiça aposentado. Mestre em Direito Penal pela Universidade Estadual Paulista-UNESP. Professor universitário. Representante do sistema de ensino telepresencial LFG, em Mato Grosso do Sul. Membro da Academia de Letras Jurídicas do Estado de Mato Grosso do Sul. E-mail jc.robaldo@terra.com.br

Descriminalização não aumentou o consumo

Esquerda.net
05-Nov-2009
A descriminalização do consumo de drogas não aumentou o consumo e nem fez disparar os números da toxicodependência em Portugal, são as principais conclusões do relatório do Observatório Europeu da Droga e Toxicodependência (OEDT). Segundo o presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), João Goulão, não se confirmam os receios iniciais de que essa abordagem suscitasse um aumento dos níveis de consumo.
Goulão afirma ainda que "aquilo que se constata é que Portugal não se transformou num destino para o narcoturismo nem houve um disparar dos números da toxicodependência na sequência da descriminalização. Estas eram as bandeiras agitadas pela oposição, nomeadamente o CDS, com Paulo Portas a dizer que iria ser o paraíso dos drogados de todo o mundo".
O presidente do IDT destaca que os "bons resultados" são consequência de um conjunto de políticas nas áreas da prevenção, tratamento, redução de danos, reinserção e trabalho de dissuasão, "num quadro genérico de descriminalização que tornou as medidas muito mais harmónicas".
A descriminalização do consumo de droga em Portugal ocorreu há oito anos e rapidamente passou a ser considerada um caso de sucesso internacional. Desde de 2001 a posse para consumo próprio (de cannabis, cocaína, heroína e metanfetaminas) passou a ser considerada como toxicodependência, e o consumidor, ao invés de incorrer em pena de prisão, passou a ser encaminhado as comissões comissões de Dissuasão da Toxicodependência (CDT).
Embora os números tenham apresentado um ligeiro decréscimo, Portugal continua no topo da lista em relação ao número de novos casos de contaminação de VIH/sida entre os consumidores de droga injectada.
O relatório pode ser consultado aqui

Ineficácia no combate à violência coloca em pauta a revisão da Lei Antidrogas

Descriminalização - O GLOBO
Ineficácia no combate à violência coloca em pauta a revisão da Lei Antidrogas
Publicada em 05/11/2009 às 10h03mThais Lobo


RIO - As dificuldades no combate à violência, principalmente quando ligada ao tráfico de drogas, colocaram em pauta a revisão da Lei Nacional Antidrogas, sancionada em 2006 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) tem discutido soluções para tentar impor penas mais duras aos chefes do narcotráfico, ao mesmo tempo em que tira o foco dos pequenos traficantes. Entre as propostas, que deverão ser discutidas até o fim de novembro, a descriminalização do uso de entorpecentes é apontada como um dos caminhos para solucionar a questão.
O grupo de trabalho do Conad é formado por cerca de 20 conselheiros do governo e da sociedade civil. O deputado Paulo Teixeira (PT-SP), um dos interlocutores do governo no conselho, pretende apresentar um projeto de lei com as diretrizes do Conad. Na semana passada, Teixeira defendeu, em um discurso no plenário da Câmara, a legalização da maconha e o plantio para consumo pessoal.
" Todo o investimento tem sido para a repressão de uma guerra que já perdemos "
Para o deputado, é preciso descriminalizar o uso de drogas, transferindo da esfera penal para a área da saúde. Teixeira defende que um segundo passo seria legalizar e restringir o comércio. Os recursos, obtidos com o pagamento de impostos, seriam destinados, então, ao tratamento de dependentes químicos.
- Reconheço que temos um número alto de consumidores, e isso tem que ser equacionado. O problema é que a política atual não está diminuindo o consumo. Sou a favor de uma regulação muito restrita. Hoje vejo dificuldade em legalizar, então proponho descriminalizar uso e o porte quantidades para uso pessoal, além de regular o autoplantio - sugeriu.
O deputado afirma ainda que é preciso diminuir a violência social na busca de drogas:
- Esse mercado é intrinsecamente violento porque está na ilegalidade. A ilegalidade faz com que a droga tenha lucros astronômicos e a pessoas se armem para proteger seu produto, seu território. De certa forma, estão conseguindo desmoralizar a polícia. Todo o investimento tem sido para a repressão de uma guerra que já perdemos.
O próprio presidente Lula admitiu nesta semana que a atuação do governo no combate às drogas no Brasil não tem dado resultado . Levantamento do Ministério da Justiça em parceria com universidades também mostrou que 66,4% dos condenados por tráfico no Rio não tinham antecedentes criminais . Nas varas federais, 80,6% dos réus também estavam nessa condição.
Para o secretário nacional Antidrogas, general Paulo Roberto Uchôa, a aplicação da lei é um dos principais pontos que precisam ser melhorados. Ele ressalta que é necessário tornar mais eficiente a prisão de traficantes:
- Há levantamentos sobre a aplicação da lei que mostram que o preso pelo tráfico de drogas era fundamentalmente o pequeno traficante. É preciso estudar e propor soluções para atualizar a legislação - afirmou Uchôa, ressaltando que a atual legislação já deu um importante passo ao diferenciar as penas atribuídas a usuários e traficantes.
" Sem a reforma da polícia, nem a repressão, nem a liberalização são possíveis "
O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) também acredita que é preciso redirecionar o foco:
- Sempre fui favorável à descriminalização, mas um aspecto que tem que ser cumprido: a reforma da polícia. Enquanto não tivermos isso bem resolvido, nem a política de repressão, nem a de liberalização são possíveis. Antes de discutir os detalhes (da legislação), é preciso discutir a reestruturação da polícia - afirmou Gabeira.
A proposta poderá, no entanto, enfrentar dificuldades de aprovação no Congresso, como admite o deputado Paulo Teixeira:
- Um projeto como este só será viável se houver um acordo entre as principais forças políticas. A discussão não pode ficar no plano do projeto parlamentar, a sociedade precisa encarar esse problema como uma questão de fato - afirmou Teixeira.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Senador Valter Pereira (PMDB-MS) alerta para "riscos desconhecidos" da maconha



Ao comentar em Plenário, nesta terça-feira (3), matéria publicada pelo jornal Correio Braziliense sobre o cultivo de "supermaconha" no Brasil, o senador Valter Pereira (PMDB-MS) se manifestou contrário a descriminalização do uso da droga no país.
Segundo Valter Pereira, a reportagem do Correio Braziliense informando sobre a existência na Região Nordeste da variedade skank de maconha, cultivada com o emprego do agrotóxico paclobutrazol, serve de amostra dos elevados "riscos ocultos" para usuários, que podem estar associados ao consumo da droga.
O paclobutrazol é um regulador de crescimento utilizado em sistemas agrícolas com o propósito de controlar o crescimento vegetativo, estimulando a capacidade reprodutiva das plantas.O produto, de acordo com o site http://www.pesticideinfo.org, é cancerígeno e prejudicial aos sistemas nervoso e reprodutivo de humanos, além de ser tóxico para organismos aquáticos.
O uso do paclobutrazol no cultivo de maconha, de acordo com a reportagem do jornal, ao aumentar a quantidade de flores na planta, possibilita uma maior produção do princípio ativo da maconha, conhecido como TetraHidroCanabinol (THC), aumentando assim o potencial psicotrópico da droga.
- Para aqueles que sustentam que é reduzida a ação psicotrópica da maconha, para justificar a sua descriminalização, a notícia mostra que essa droga não é tão despida de perigo como apregoam. Além de portal para drogas mais pesadas, a maconha tem semeado a desgraça em todos os segmentos sociais - disse.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Núcleo de Prevenção ao Uso de Entorpecentes da Delegacia Seccional de Bragança Paulista/SP - Palestra no Colégio Morais Sales
















Alcool e cigarro são piores que maconha segundo David Nutt


Do Metro
cidades@eband.com.br
O álcool e o tabaco causam maiores danos à saúde do que algumas drogas ilegais como a maconha, o LSD e o ecstasy, afirma David Nutt, principal assessor do governo britânico para questões de drogas, em um polêmico relatório divulgado nesta quinta-feira.Fumar maconha, diz Nutt, cria um risco “relativamente pequeno” de doença mental comparado, por exemplo, aos riscos dos fumantes de contrair um câncer no pulmão. No estudo elaborado para o Centro de Estudos de Criminologia e Justiça do King’s College de Londres, Nutt defendeu um novo sistema de classificação das drogas em seu país, que seja mais condizente com os perigos oferecidos tanto pelas substâncias legais como as ilegais.“Ninguém está sugerindo que as drogas não fazem mal. A questão é a forma como é feita essa escala”, declarou.Pela proposta de Nutt, o álcool deveria figurar como a quinta droga mais perigosa após heroína, cocaína, barbitúricos e metadona. O tabaco ocuparia o nono lugar, à frente da maconha (11º), do LSD (14º) e do ecstasy (18º). O especialista criticou a decisão do governo britânico de janeiro de elevar a classificação da maconha como uma droga da classe C (que inclui tranquilizantes e analgésicos) para a classe B (que inclui anfetaminas). As drogas hoje tidas como mais perigosas são as da classe A, como heroína, cocaína, crack, LSD e cogumelos.

Deputado Paulo Teixeira (PT-SP) defende legalização da maconha e plantio para consumo pessoal

Jornal O GLOBO
BRASÍLIA - Escolhido pelo Ministério da Justiça o interlocutor do governo para revisão da lei sobre drogas, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) defende a legalização da maconha e do porte de pequenas quantidades para consumo pessoal. Em discurso na tarde desta quarta-feira, no plenário da Câmara, Teixeira citou exemplos de países que descriminalizaram o porte de pequenas quantidades, como Portugal e México. Teixeira defendeu também o fim da pena de prisão para o viciado que, para sustentar seu vício, vira um traficante. (Leia mais sobre a discussão sobre a descriminalização da maconha no Blog Sobredrogas)
- No caso da maconha, por exemplo, é possível legalizar sim, desde que tenhamos uma regulamentação mais severa do que a que existe hoje para o álcool e o tabaco. É possível e necessário fazer uma política de transição entre o estágio atual e a legalização, com a descriminalização do uso e da posse de pequenas quantidades para o uso pessoal. Defendo que o Brasil também faça a descriminalização do uso e do porte para consumo próprio - disse Paulo Teixeira.
" No caso da maconha, por exemplo, é possível legalizar sim, desde que tenhamos uma regulamentação mais severa do que a que existe hoje para o álcool e o tabaco "
O deputado afirmou que a descriminalização reduziu o consumo a maconha nos países que adotaram essa medida. Teixeira acredita que não pode dividir a questão da droga apenas entre usuário e traficante.
- É uma separação que nem sempre é simples e que pode gerar injustiças. Um usuário que em razão de uma dependência química passa a comercializar a substância para garantir o seu consumo não pode ser tratado da mesma forma do que a pessoa que busca o lucro nestas atividades, exerce controle territorial sobre regiões e usa de violência e mortes para cobrar eventuais dívidas. A pena de prisão pode provocar mais danos à sociedade do que outra forma de punição, mais eficiente para combater esta dependência e com menos impactos na vida do indivíduo.
" Um usuário que em razão de uma dependência química passa a comercializar a substância para garantir o seu consumo não pode ser tratado da mesma forma do que a pessoa que busca o lucro "
O parlamentar petista também é a favor do plantio da maconha para consumo pessoal, desde que com acompanhamento médico.
- O nosso país também precisa regular o autoplantio, com licenças concedidas pelo Ministério da Saúde e acompanhamento médico, para permitir que, as pessoas que queiram, possam consumir maconha sem ter de recorrer a criminosos para adquiri-la.
Outra proposta de Paulo Teixeira é a criação de locais de uso seguro da droga para viciados crônicos e permissão de tratamento a substituição da droga pesada por uma mais leve, como ação de redução de danos. Essas unidades seriam instaladas em hospitais.
- É importante que a comunidade médica brasileira discuta como fazer o tratamento do dependente crônico e problemático, inclusive com a análise de estratégias que deram certo em outros países, como os tratamentos de substituição de uma droga ilícita por substância lícita ou ilícita, a prescrição médica de substância ilícita e a criação de salas de uso seguro, para que as pessoas possam fazer o consumo seguro e com os efeitos da droga monitorados.
Para o deputado, a proibição do consumo de maconha leva o usuário a entrar em contato com criminosos, o que poderia ser evitado.
- Há grande procura por drogas na sociedade brasileira. Parte do consumo destas substâncias ilícitas é eventual e não apresenta risco à sociedade. São pessoas que usam maconha, por exemplo, sem que o consumo prejudique a sua vida social e produtiva. Como no álcool, existe muita gente que faz o uso responsável e uma parte que acaba tendo problemas causados pelo abuso. A proibição também provoca que estes consumidores tenham um contato com criminosos que eles próprios, em muitos casos, não gostariam de ter. Por conta desta relação, os usuários passam a ser estigmatizados pela sociedade e, em muitas situações, apontados injustamente como responsáveis pelo financiamento do crime organizado.
Paulo Teixeira afirmou que encaminhará suas propostas ao Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad), cujo secretário-geral é o general Paulo Roberto Uchôa, secretário Nacional Antidrogas.