quarta-feira, 28 de maio de 2014

5 descobertas de Haddad na cracolândia e a queda dos mitos. Bruno Paes


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Conheci pela primeira vez as modestas instalações do programa De Braços Abertos na cracolândia em setembro de 2013, ciceroneado pelo palhaço Fanfarrone (nome artístico do psiquiatra Flavio Falcone, na foto acima). Era um equipamento despretensioso, com televisão e colchões, encravado na rua Helvétia, em frente aos barracos de plástico onde morava parte da população do fluxo. No semestre passado, a instalação funcionou como uma espécie de laboratório social para firmar pactos e ganhar a confiança de lideranças que dariam respaldo à nova fase do programa meses depois. A etapa mais ousada começou em janeiro deste ano. É uma das mais tensas e ricas aventuras políticas do prefeito pelas sombras da cidade – um dos frequentadores recentemente se matou com fogo e gasolina.
O universo que gira em torno do crack e da cracolândia em São Paulo merece atenção especial de Haddad. Foi ele quem chamou o blog SP no Divã para falar do assunto, na quinta-feira. Dois dias antes, o blog já havia acompanhado o prefeito mediando um debate entre especialistas em saúde para discutir sobre drogas e políticas públicas na Frente Nacional dos Prefeitos.
Haddad acredita que a imprensa vem explicando mal o programa De Braços Abertos. “Se for para apanhar, que seja pelo que de fato estou fazendo e não pelo que acham que faço”, diz. Atualmente, Haddad lê o livro do neurologista americano Carl Hart (ver vídeo abaixo), professor da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, cujas pesquisas ajudaram a quebrar diversos mitos sobre o crack. Esses mitos são inúmeros, basta ver pelos tipos opostos de abordagens nos anúncios acima.
Sem alarde, o prefeito vai com frequência nos arredores da Helvétia e Dino Bueno para conversar com os integrantes do fluxo. Desse mergulho no assunto, Haddad fez descobertas importantes, inclusive pessoais, pelo que a conversa deu a entender. As ações do prefeito na região da Luz revelam um pouco de sua essência como político. Mesmo altamente pressionado pelo calendário eleitoral, parece disposto a enfrentar as decisões impopulares. Há um aparente desapego ao cargo que o leva a apostar muitas fichas em suas convicções, uma mistura de coragem e flerte aberto com o suicídio político, quando acha que a escolha vale a pena. É sem dúvida um político raro, já que disposto a fechar os olhos aos conselhos dos marqueteiros, para desespero de muitos aliados.
O blog convida o leitor a conhecer um pouco das descobertas que o prefeito fez na cracolândia e do plano que ajudou a coordenar para o local. Ainda não acho que seja o momento de criticar ou elogiar. Mas de tentar traduzir as ideias por trás do projeto, sem distorcê-las. Listo abaixo os cincos principais achados – na minha modesta interpretação -, relatados pelo prefeito na entrevista que estão orientando as ousadas ações políticas locais.
1) Quem usa crack tem vontades e faz escolhas. Não são zumbis ou objetos passivos de políticas públicas
Essa primeira descoberta funciona como a estrutura conceitual do programa. Pode parecer algo abstrato, papo de professor, mas garantiu avanços concretos. Parte da ideia de que aqueles que usam crack são capazes de fazer acordos com o poder público. Seis meses antes de começar o programa, lideranças do fluxo foram identificadas. As conversas entre eles e a Prefeitura passaram a tratar das demandas e dos compromissos a serem firmados entre as partes. Os frequentadores locais pediram trabalho, documentos, lugar para dormir – o tratamento de saúde não era a prioridade. Foram oferecidas frentes de trabalho a R$ 15 por dia e vagas em um hotel com garantia de privacidade, o que abre para o consumo nos quartos. Em troca do novo lar, os 400 participantes ajudariam a desarmar cerca de 200 barracos que estavam nas ruas da Luz. No dia 15 de janeiro, os barracos foram desfeitos. O acordo inicial servia para estabelecer confiança entre os lados e permitiria compromissos futuros. Permitir que homens, mulheres, crianças e velhos não tenham medo de passar pelo local é uma das metas. “A solução não deve vir dos grandes empreendimentos imobiliários. Mas daqueles que vivem lá”, diz o prefeito.
2) O olhar sanitarista e os erros fatais da política de saturação da cracolândia em 2011
Com o avanço do debate da descriminalização do consumo de drogas, um certo consenso passou a apontar para o conclusão de que o dependente era um doente a ser tratado pela saúde. Essa visão partia, na verdade, de uma ideia simplista: enxerga o médico como uma espécie de Deus Todo Poderoso, capaz de curar o “doente” graças aos seus conhecimentos.
“Há um ponto de tangência entre a visão sanitarista e a higienista. A sanitarista trata quem usa o crack como paciente, que deve ser cuidado pelo médico. A higienista o trata como impaciente, a ser tratado pela segurança pública”.
Nos dois casos, quem usa crack é visto como um objeto passivo das políticas públicas, sem voz, vontade, incapazes de fazerem escolhas. Foram essas crenças que levaram o Governo do Estado, em 2011, a apostar na internação e na ocupação territorial da cracolândia para tentar solucionar o problema. Concebida pela saúde e pela segurança pública, resultou em cenas iniciais de truculência da PM.  A aposta era que a ocupação policial da cracolândia afastaria os traficantes. Sem as drogas, o dependente seria induzido a buscar a internação ou o tratamento para se desintoxicar. Foi apelidada de Operação Dor e Sofrimento. Nos primeiros dias, o Governo chegou a afirmar que a cracolândia havia acabado, assim como a PM deu prazo para o fim do fluxo. Houve cerca de mil internações e mil detenções. O resultado foi espalhar as cracolândias pela cidade, sendo que o fluxo da região central permaneceu alto. Com o passar dos meses, todos perceberam que o programa “enxugava gelo”, sendo abandonado aos poucos.
O novo programa aposta na reconstrução de identidades a partir dos acordos e do permanente contato com os agendes de diversas pastas. Estruturar novas histórias e laços é visto como um caminho.
3) Os ex presidiários são a imensa maioria na cracolândia, a sociedade que está aberta para amarrar novos laços
No levantamento sobre a população da cracolândia, a Prefeitura identificou que cerca de 70% eram ex-presidiários. Pessoas que passaram anos encarcerados e que foram morar no centro ao deixar a prisão. Alguns se tornaram lideranças nas ruas da Luz. A partir desses dados, o prefeito e sua equipe compreenderam algo fundamental que muitos nunca vão entender. A cracolândia não é apenas um lugar, um território, mas é acima de tudo uma espécie de sociedade alternativa. Aqueles que passam a viver no local constroem uma nova identidade, formam outros laços, estabelecem regras e hierarquias. O crack é uma espécie de “soma”, droga que permite aos frequentadores daquele mundo suportar a nova rotina.
Esse ponto é fundamental. A cracolândia resiste porque é o local do exílio para histórias mal vividas na cidade.  A vida anterior é tão pesada que a nova passa a ser aceita mesmo quando vivida em função do crack. É o caso dos ex-presidiários e de muitos moradores de rua. As prisões colocam nas ruas, diariamente, pessoas sem amigos e renegados pelos parentes. Não são aceitos pela sociedade, não conseguem novos empregos. A cracolândia é a única que os recebe de braços abertos. Não é à toa que permanece a tantas investidas do poder público. Também não é à toa que o nome do programa, escolhido pelos frequentadores do local, foi De Braços Abertos.
4) Não há exigência de abstinência. As pessoas precisam aprender a administrar o uso da droga
Há na literatura científica um teste com cocaína e ratos que costumava respaldar os tratamentos de drogas. Dava-se aos roedores presos em uma gaiola a droga e comida. Os ratos morreram de tanto consumir cocaína, o que deu a entender que a dependência poderia ser mortal. O teste orientou tratamentos de abstinência radical. Os novos experimentos do neurologista Carl Hart foram além e ampliaram as ofertas da gaiola. Foi dado cocaína e comida ao rato, mas também parceiro sexual, rodinhas para ele correr, entre outros mimos. O rato sobreviveu. Comia, namorava, andava na rodinha e dava uma cafungada. Depois, o experimento foi feito com humanos, a partir de oferta de dinheiro e crack.
Foram esses estudos que permitiram direcionar o tratamento para que o consumidor aprendesse a administrar o uso de drogas. Respalda cientificamente os tratamentos de redução de danos. A abstinência é bem-vinda, mas deve-se principalmente coibir os males do uso, como os acidentes de trânsito quando se bebe, o uso em espaço público, a transmissão de doenças, etc. A internação nessa terapia só ocorre em casos extremos. Abandona-se o olhar moral sobre o uso das drogas. Pode-se consumir, desde que respeitadas certas regras vigentes no ambiente público. Em São Paulo, no programa da Prefeitura, os acordos não passam pela exigência da abstinência das drogas. É preciso reconstruir as trajetórias, remodelar identidades, mesmo que a droga continue fazendo parte da nova vida.
5) A desprivatização das ruas e calçadas, um dos passos decisivos. “Ao alcance das mãos”
A cracolândia é parte da história da cidade (veja vídeo abaixo). É a nossa sombra, aquilo que preferimos manter no escuro. A solução passa pela compreensão do problema em profundidade. O programa De Braços Abertos seguiu esse caminho em direção às entranhas ao estabelecer diálogo com aqueles que frequentam o local. Em quatro meses, houve avanços concretos. “A solução está ao alcance das mãos”, disse o prefeito. Foram oferecidas 400 vagas, com salários de R$ 15 por dia para jornadas de 20 horas por semana. A adesão segue alta. O prefeito empregou alguns em seu gabinete. Comerciantes da 25 de Março e da Rua Santa Ifigênia ofereceram vagas para os participantes do programa. Só que o fluxo de uso na rua continua alto, apesar de a Prefeitura afirmar que hoje não agrupa mais do que 200 pessoas.
A “desprivatização da rua” é o atual desafio. O prefeito pretende que os consumidores não usem mais crack nas ruas e nas calçadas. “Deve-se garantir o direito de ir e vir. As pessoas não podem ter medo de andar nas ruas da cracolândia porque outros estão usando crack na rua”. Houve uma primeira tentativa desastrada. Foi colocado um cercadinho para isolar os consumidores, o que provocou protestos na Luz. A medida foi tomada, segundo o prefeito, por causa de tentativa de sequestro e de latrocínio ocorrida no fluxo. “Os criminosos aproveitaram o aglomerado de pessoas para tentar fugir”, explica o prefeito.  Com a reação ao cercadinho, a Prefeitura preferiu recuar..
Nos dias de hoje, busca-se  locais para que os consumidores possam usar o crack fora das ruas e longe do público Nas conversas com a Prefeitura, os consumidores pediram para ”queimar a pedra” em alguns imóveis na Rua Dino Bueno. Como são imóveis privados, a sugestão foi recusada. Atualmente, busca-se alternativas, num processo ainda em curso. A “chamada sala segura” é considerada um avanço importante em países europeus e estados americanos que se pautam pela filosofia da redução de danos. São lugares para se usar a droga privadamente, com a possibilidade de acompanhamento médico. “A decisão do lugar que vai ser usado não pode sair de mim, como uma decisão de cima para baixo. Tudo faz parte dessa negociação. É o que garante a legitimidade do processo”, explica o prefeito.
Quatro meses depois, com os avanços ocorridos, o prefeito afirma que a solução para a cracolândia “está ao alcance das mãos”. Ele admite que não há garantias de sucesso. Mas tem a crença de que apostou nas escolhas certas e que percorre o caminho que vai levar São Paulo a superar esse desafio.
Abaixo, dois vídeos. O primeiro deles uma entrevista com Carl Hart falando sobre o livro que escreveu e hoje está sendo lido pelo prefeito. Depois, segue um vídeo de 2011 em que falo sobre as origens da cracolândia. Era o momento em que a polícia saturava o local e praticava diversos abusos. A fala era para explicar a complexidade social da região. Não reparem no meu visual e eu juro que não morava na rua quando fiz o vídeo.

sábado, 3 de maio de 2014

Mújica explica !

Mujica explica legalização da maconha no Uruguai


Nos domínios da sua pequena fazenda a meia hora de carro de Montevidéu, José Mujica acabou de fazer sua colheita anual de acelga. Mas, como presidente do Uruguai, ele vai supervisionar um experimento sem precedentes e um cultivo muito mais controvertido: o país de 3 três milhões de pessoas em breve se tornará o primeiro no mundo a legalizar, regular e participar da produção, venda e taxação da maconha.


A “revolução da erva” do Uruguai está sob o escrutínio de todo o mundo enquanto líderes internacionais lutam com a piora crítica da longa “guerra às drogas”.

Mujica, um ex-guerrilheiro e preso político de 78 anos, virou manchete depois de sua decisão de abster-se do palácio presidencial em favor de sua chácara em ruínas e de 90% de seu salário.
Mas em uma entrevista realizada com o Telegraph na sala da frente de seu mal iluminado bangalô, onde vive há 30 anos, o aquecimento fornecido por um antigo fogão a lenha, ele expressou surpresa com a polêmica internacional.

“Nós visamos o tráfico de drogas”, disse. “Não é uma lei de apoio ao vício. É uma maneira de lutar contra a economia do mercado negro”.

Mujica soa lírico, mesmo quando eu falo do flagelo das drogas. “Todo vício é uma praga, exceto o amor”, diz o presidente, cujo único flerte com abuso de substâncias é o hábito do cigarro.
“Se você tomar dois uísques todos os dias, isso é ok, embora não seja bom. Mas se você tomar uma garrafa inteira todos os dias, então você tem um problema e deve ser tratado.”

Sob a lei nova e radical, que entra em vigor neste mês, não só os cidadãos e empresas privadas estão autorizadas a criar, comprar e vender cannabis, como o governo entrará no negócio – cultivando e colhendo a safra, distribuindo, vendendo e tributando os lucros.

A legislação é muito mais radical do que na famosa Holanda liberal, onde o cultivo permanece proibido, ou nos novos acordos nos estados de Colorado e Washington, onde não há envolvimento direto do governo dos EUA.

Mujica e seus aliados argumentam que a nova política oferece uma alternativa inovadora para o que eles chamam de falhas da “guerra às drogas” defendida pelos EUA na América Latina, que já matou dezenas de milhares de pessoas em países produtores, enquanto pouco é feito nos países consumidores da Europa e nos Estados Unidos.

Com seu principal porto na cidade de Montevidéu e suas fronteiras com o Brasil, Argentina e Paraguai, o Uruguai tem uma experiência como ponto de trânsito do tráfico em todo o continente e para a Europa. “A droga é produzida principalmente na América Latina, mas os maiores consumidores são os países ricos”, diz Mujica, ecoando um lamento familiar aos líderes da região.

A lei tem como objetivo dar um golpe nos cartéis através da remoção de um dos seus maiores meios de ganhar dinheiro. “Se você quer mudar a realidade, é tolice continuar fazendo a mesma coisa em vez de mudar alguma coisa, mesmo que não seja bem-sucedido”, afirma Mujica.

Com a nova lei, os uruguaios serão capazes de comprar uma quantidade limitada de cannabis, que deverá ser de 40 gramas por mês, por um preço competitivo em farmácias ou em balcões normalmente utilizados para o pagamento de contas ou para trocar dinheiro.

Os usuários terão que se registrar em um banco de dados em poder do governo e aqueles que fazem pedidos excessivos serão encaminhado às autoridades de saúde para tratamento. O banco de dados também visa assegurar que só os habitantes do Uruguai comprem a mercadoria e assim reduzir os riscos de turismo da droga.

A lei da maconha é uma das três leis levaram o governo Mujica – em seu segundo mandato com a coalizão de esquerda Frente Ampla – a dar ao Uruguai a reputação improvável de país mais liberal da América Latina. O casamento entre pessoas mesmo sexo foi introduzido em setembro passado, enquanto um ano antes o aborto foi legalizado.

Mas, no país católico e conservador, as pesquisas de opinião têm mostrado que muitos uruguaios não gostam da “revolução da erva”. A oposição vem tanto daqueles que acreditam que isso vai incentivar o uso quando dos que simplesmente não apoiam a “nacionalização” do comércio de cannabis.

Seus críticos citam a recente reação na Holanda, onde a posse de até cinco gramas de maconha é legal desde 1976 e que recentemente proibiu a venda a estrangeiros em seus cafés.
Mujica diz que seus adversários estão simplesmente “assustados” com tal mudança dramática. 

Também admitiu que a nova lei poderá abrir o caminho para a descriminalização de outras drogas.
Há, entretanto, desafios práticos para a implementação da política nova e ambiciosa porque, por enquanto, o Uruguai não produz o suficiente para atender a demanda.

Os líderes da Frente Ampla, incluindo a senadora Lucia Topolansky, que também é a primeira-dama, sugeriu que produtores canadenses de maconha medicinal preencherão a lacuna nesse ínterim. “Para começar, teremos que comprar cannabis”, disse ela recentemente. “Eu acho que vamos comprar do Canadá porque ali tem o produto de melhor qualidade”. Isso era novidade para o Canadá, onde um porta-voz do Ministério da Saúde disse que não havia “nenhum plano” para exportar a maconha para o Uruguai ou qualquer outro lugar.

Para Mujica, o seu papel na vanguarda da política de drogas internacionais é outro capítulo de uma vida notável. Enquanto se prepara para deixar o cargo no próximo ano e planeja criar uma escola para ensinar agricultura em sua amada chácara, o autodeclarado ateísta refletiu sobre seu momento. “Eles dizem que eu sou um presidente pobre, mas eu não sou”, disse. “Eu sou um presidente sóbrio”.

“Eu me acostumei a viver por muitos anos em uma masmorra, onde nas noites em que eu tinha um colchão eu ficava feliz. Eu não consigo acreditar em Deus, mas acredito a cada dia um pouco mais na natureza. Aprendi essa lição muito simples: a vida é bela, então você tem que vivê-la com intensidade e buscar a felicidade”.

Florida e maconha para fins medicinais

A maconha para fins medicinais ganha a primeira batalha na Flórida

O Estado norte-americano aprova uma lei que autoriza o uso de um tipo de cannabis com baixos níveis de THC, para o tratamento de convulsões

O uso da maconha para fins medicinais ganhou a sua primeira batalha legal na Flórida. Nesta sexta-feira, no último dia de sessões do ano legislativo, o Parlamento local aprovou uma lei que autoriza o uso de um tipo específico de cannabis que se caracteriza pelo baixo nível do principal princípio ativo da planta (THC), e que já é utilizado em outros Estados norte-americanos para o tratamento de câncer, espasmos musculares e convulsões crônicas, especialmente em crianças. O governador da Flórida, Rick Scott, se comprometeu a promulgar a norma tão cedo esta chegue ao seu gabinete. Em 4 de novembro, os eleitores participarão de um referendo para decidir se o uso medicinal da maconha será ampliado para uma categoria mais ampla de patologias. 

Tão logo o governador Scott assine a lei, será licito o cultivo da espécie de cannabis conhecida nos Estados Unidos como “Charlotte’s Web”: um tipo com baixo nível de tetraidrocanabinol (THC) e uma concentração regular de canabidiol (CBD), uma substância química de eficácia comprovada no tratamento das convulsões crônicas. A planta foi batizada em homenagem a Charlotte Figi, uma criança de sete anos diagnosticada com a síndrome de Dravet quando tinha apenas dois. Charlotte costumava ter até 300 episódios de convulsões por semana, e em várias ocasiões o seu coração chegou a parar; desde que começou a tomar duas doses diárias de extrato de cannabis misturado a azeite por via oral, os ataques passaram a ocorrer apenas uma ou duas vezes por mês.

Na Flórida, mais de 125.000 pessoas sofrem de epilepsia crônica, entre elas várias crianças, e organizações como a People United For Medical Marijuana (Pessoas Unidas pela Maconha Medicinal, em tradução livre) reivindicaram fortemente junto aos legisladores durante o último ano o seu direito a se tratar com o extrato de cannabis. Em dezembro passado, eles conseguiram fazer com que a legalização de seu uso fosse tema de consulta entre a população por meio de um referendo a ser realizado em 4 de novembro, dia das eleições gerais. Até agora, as pesquisas indicam que 70% dos cidadãos da Flórida estão de acordo com a reforma, que já foi adotada em 21 Estados norte-americanos.

A evolução de casos como o de Charlotte fez com que as autoridades da Flórida mudassem a sua opinião, já que a maioria se opunha à legalização do uso médico da maconha, incluindo muitos dos 30 senadores que nesta sexta-feira votaram a favor da lei, contra nove votos contrários, e o próprio governador Rick Scott. “Sou pai e avô. E quero me assegurar de que meus netos tenham acesso à assistência médica que desejarem”, disse Scott na quinta-feira, ao informar sobre a sua disposição de promulgar a lei tão logo o Senado desse o seu sinal verde.

Uma vez que a lei entre em vigor, os médicos estarão autorizados a receitar cannabis como último recurso a pacientes que não experimentarem melhoras com outros tratamentos e que estejam conscientes dos riscos que correm ao se submeterem a esse novo protocolo. As doses só poderão ser administradas por via oral ou através de vaporizadores, em forma líquida, nunca fumadas. A sua venda será permitida unicamente em quatro locais em todo o Estado, sob a manipulação de cultivadores que tenham ao menos 30 anos de registro no Departamento de Agricultura e Serviços ao Consumidor. Já há pelo menos 35 produtores que atendem a esse requisito e estão dispostos a participar de uma concorrência para ficar com alguma das cinco concessões. A norma também autoriza a Faculdade de Farmácia da Universidade da Flórida a desenvolver novas linhas de pesquisa para a descoberta de tratamentos mais eficazes.

Os que se opõem à lei, como o representante republicano do condado de Ocala, Dennis Baxley, consideram que a norma poderia servir de “gatilho” para um efeito dominó rumo à descriminalização das drogas na Flórida, inclusive para o seu uso recreativo. “Rezo para que não seja assim. Rogo que essa reforma acerte o alvo, que responda a essas necessidades e mostre o bom caminho às pessoas. Mas eu, simplesmente, não posso apertar o gatilho”, disse o republicano na quinta-feira, enquanto a Câmara Baixa discutia a norma.

Casal consegue autorização judicial para importar canabinol



Uruguai e plantadores de maconha.