Concebido ao longo de seis anos por 12 especialistas de diferentes áreas, um polêmico estudo sobre política de drogas na Grã-Bretanha sugere a descriminalização de drogas leves, como a maconha, e condena a taxação excessiva a bebidas alcóolicas, responsabilizada pelo aumento da produção ilegal de bebidas.
O documento, A fresh approach to drugs (Uma nova abordagem para as drogas, em tradução livre), da Comissão de Política de Drogas do Reino Unido (UKDPC, na sigla em inglês), afirma que a atual política britânica de drogas não está obtendo êxito ao prevenir o uso, e muita vezes piora a situação.
As recomendações feitas pela agência -entre as quais abradamento de punições, liberação ao plantio caseiro de maconha e revisão de todas as leis que tratam do assunto- provocaram reação imediata na imprensa britânica.
O relatório é "o mais completo desde a publicação do The Police Foundation Inquiry Report, de 2000, elogiou o jornal The Guardian, que reforçou a necessidade de descriminalização de algumas drogas. Já o tablóide Daily Mail afirmou que o relatório da UKDPC compara o consumo de drogas a comer "fast food".
Igualmente polêmica, a versão seguinte do mesmo relatório, de 2001, também provocou grande repercussão nos meios de comunicação britânicos na época, ao recomendar a reclassificação de drogas como maconha, LSD e ecstasy e penas mais brandas em caso de posse.
Mas, nos últimos anos, o governo britânico vem ignorando estudos como estes e tem adotado medidas mais rigorosas, reclassificando a maconha como uma droga mais perigosa, por exemplo.
O sistema de classificação de drogas no país data de 1971. Chamado Misuse of Drugs Act, o sistema foi questionado pelo novo estudo da UKDPC, que pede uma ampla revisão e evidências de que punições mais severas surtem efeito.
"Ineficiente"
A UKDPC diz ainda que as reclassificações da maconha para menos perigosa (classe C) e depois para mais perigosa (classe B) não mudaram o nível de consumo da droga, o que significa que punições mais severas ou mais brandas não têm impacto.
A UKDPC diz ainda que as reclassificações da maconha para menos perigosa (classe C) e depois para mais perigosa (classe B) não mudaram o nível de consumo da droga, o que significa que punições mais severas ou mais brandas não têm impacto.
A também questiona ainda a diversidade de leis tratando de drogas. Na Grã-Bretanha, solventes são regulados por um texto (Intoxicating Substances Act), álcool e tabaco têm sua venda regulada por licenciamento e impostos, e o consumo de drogas como maconha e heroína tem punições estabelecidas pelo Misuse of Drugs Act.
"Isso não só é ineficiente, mas, por conta de medidas inconsistentes de controle, envia mensagens que confundem o entendimento sobre os danos que estas drogas causam", diz o documento, assinado por seis especialistas, alguns dos quais com passagem pelo governo.
O documento destaca que são justamente as drogas lícitas as que mais causam mortes: "Todo ano, fumar cigarros causa cerca de 115 mil mortes na Grã-Bretanha, enquanto o álcool causa 35 mil mortes. Em comparação, drogas ilícitas causam cerca de 2 mil mortes.
O chefe de Comunicações da UKDPC, Leo Barasi, diz que a entidade apoia a solução adotada por Portugal, que descriminalizou o uso, mas manteve a venda ilegal. Barasi diz que a alternativa proposta pelo Uruguai, de legalizar também parte da venda, através de lojas do próprio governo, pode ser um passo adiante para ajudar formuladores de políticas públicas nesta área a desenvolverem novas abordagem.
"O que queremos dizer é que há problemas com as políticas atuais na Grã-Bretanha. Há pessoas que desejariam remover todo o controle sobre drogas. Mas quando se observa o que acontece com álcool e tabaco, isso passa a ser uma aposta questionável. E também não há evidência de que a legalização funcione, porque ninguém legalizou integralmente antes", pondera ele.
Impacto Negativo
O documento da UKDPC também questiona o impacto negativo da lei atual de drogas na ação policial. "Buscas por drogas respondem por metade das operações do tipo feitas pela polícia, mas somente uma em cada dez buscas resulta em prisão", critica o documento, que contabiliza o aporte de recursos no combate policial às drogas em mais de R$ 9 bilhões por ano sem que haja qualquer evidência de que os resultados são positivos.
O documento da UKDPC também questiona o impacto negativo da lei atual de drogas na ação policial. "Buscas por drogas respondem por metade das operações do tipo feitas pela polícia, mas somente uma em cada dez buscas resulta em prisão", critica o documento, que contabiliza o aporte de recursos no combate policial às drogas em mais de R$ 9 bilhões por ano sem que haja qualquer evidência de que os resultados são positivos.
E, embora o próprio documento reconheça que o consumo de algumas drogas está caindo, Barasi lembra que isso pode não ser o resultado da forma como o governo vem enfrentando a situação no momento.
"A tendencia de queda de uso é internacional. E há diferentes políticas, como em Portugal ou na Suécia, onde há redução no uso. Mas ainda temos 400 mil usuários de drogas pesadas", lembra. "Podemos melhorar", complementa.
O relatório, de 173 páginas, conclui: "O consumo de drogas nem sempre causa problemas, mas isso raramente é reconhecido pelos responsáveis por políticas nesta área. Na verdade a maioria dos usuários não enfrenta problemas significativos, e há algumas evidências de que o uso de drogas pode ter benefícios em algumas circunstâncias."