isabe.ionline.pt
Os adolescentes estão a trocar os charros por drogas mais pesadas e substâncias sintéticas.
por Marta F. Reis
Aos 13 anos, experimentar cocaína parece ser já tão comum como o uso de canábis - 1,9% dos adolescentes admitem já o ter feito. Os consumos parecem estar a mudar, sobretudo no início da adolescência, e os 15 anos são exemplo destas tendências mais recentes: o consumo de LSD duplicou e surge ao lado da heroína como drogas experimentadas por 2,9% dos jovens nesta faixa etária. Entre 2007 e este ano, o consumo de cocaína aumentou de 2,5% para 3,1%, enquanto a canábis caiu de 13,6% para 9,1%.
São dados preliminares de um novo inquérito ao consumo em meio escolar, realizado este ano e revelado ontem pelo Instituto da Droga e Toxicodependência (IDT) numa conferência de imprensa que assinalou os dez anos da descriminalização do consumo de drogas em Portugal. Um indicador ainda mais preocupante é o aumento da percentagem de uso de droga injectável, que caiu de 36% para 7% entre os utilizadores mais pesados nos últimos dez anos.
Entre os adolescentes de 15 anos duplicou e 1,5% admitiram há dois meses já o ter feito - na amostra dos 18 anos apenas 0,7% responderam afirmativamente. São percentagens pequenas mas é o mesmo que dizer que um em cada 100 adolescentes com 15 anos já experimentou este tipo de consumo.
Aos 13 anos nota-se o aumento do consumo de cocaína e LSD, aos 14 aumentam ainda as anfetaminas, os cogumelos mágicos e a heroína e aos 15 anos, além de todas as drogas referidas atrás e que crescem aqui mais acentuadamente, regista-se o aumento da droga injectada. Aos 18 anos, o LSD também cresce, mas menos (o recorde de consumo observa-se na faixa etária dos 16 anos), assim como as anfetaminas. A canábis mantém-se a droga mais usada em todas as idades, mas parece estar a cair até aos 16 anos. Aos 18 anos, 27,9% admitem já ter consumido.
Os inquéritos nas escolas portuguesas tiveram lugar em Abril e Maio e do total de 15 mil respostas estão ainda por processar 3 mil. João Goulão, presidente do IDT, admite que se percebem algumas alterações significativas. "Temos de estar atentos", diz. "Estamos certos de que o fenómeno da toxicodependência em Portugal está a diminuir, mas não temos segurança para dizer que o uso de drogas também esteja."
O problema é que se para os consumos problemáticos existem os dados das admissões a tratamento - a toxicodependência grave caiu de 100 mil para 50 mil e os tratamentos abrangem a maioria - os primeiros consumos ou o consumo descontinuado (recreativo) só podem ser avaliados através de estudos. O IDT tinha planeado para este ano um inquérito à população em geral que não foi autorizado pelo governo anterior e já não deverá avançar em 2011 - custaria 400 mil euros.
A última vez que foi feito, em 2007, mostrava um aumento da incidência de drogas entre os mais jovens, ainda que com dados diferentes dos agora apresentados. Entre os 15 e os 19 anos o consumo ou a experimentação de droga diminuía de 10,8% para 8,6% em relação a 2001, quando parece estar a aumentar. Entre os 20 e os 24 anos os dados já eram preocupantes: o historial de consumo de qualquer substância ilícita aumentou no mesmo período de 14% para 22,2%.
10 anos depois Desde 2001 que quando alguém é interceptado pela polícia a consumir, ou com doses para até dez dias, a substância é apreendida e o utilizador chamado a uma comissão própria no prazo de 72 horas para ser penalizado ou indicado para tratamento, se assim entender. Em dez anos deram entrada 67 330 processos e foram aplicadas 1788 multas, em média entre os 50 e os 60 euros. Questionado pelo i sobre o facto de serem relativamente poucas, face a um aumento do consumo recreativo, Goulão sublinha que a abordagem tem sido "mais preventiva do que punitiva". Desde 2001, foram encaminhados para tratamento 5469 toxicodependentes e outros 13 730 consumidores sem perfil de toxicodependência receberam algum tipo de apoio.
Os dados do IDT revelam que os pedidos de ajuda são cada vez mais precoces e estão também a aumentar os pedidos de apoio após poucos anos de consumo. A tendência nota-se na heroína, em que os utilizadores com até quatro anos de consumo admitidos para tratamento passaram de 15% do total para mais de 25% entre 2009 e 2010.
No imediato, há dois problemas por resolver, diz João Goulão. "A extinção dos governos civis não teve em conta esta estrutura de penalização e tratamento." A lei 30/2000, em vigor há dez anos, assenta nos governos civis para aplicar as penalidades, em articulação com os cuidados de saúde ou autarquias em caso de serviço comunitário Agora terá de ser revista.
Por outro lado, a crise social faz antever um aumento da pressão sobre a rede de apoio e tratamento, quer para as dependências de droga quer para as dependências de álcool, diz Goulão. E o orçamento que co-financia os tratamentos tem vindo a diminuir. O facto de o tema ter perdido prioridade social, face à diminuição dos casos mais problemáticos, poderá ser uma faca de dois gumes. Goulão lembra que em 1997, segundo os dados do eurobarómetro, as drogas eram consideradas o primeiro problema social. No inquérito de 2009 caíram para o 13.o lugar.
Liberalizar? Para João Goulão, o debate sobre a liberalização das drogas leves não deverá ser uma iniciativa nacional. Em entrevista ao i o responsável disse que não se opõe à discussão mas entende que deverá ser feita a nível internacional, no quadro da ONU e da UE. "Não penso que seja uma prioridade no nosso caso. Acho que é uma questão que fará o seu caminho."
Nenhum comentário:
Postar um comentário