segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O avanço das drogas

O avanço das drogas
03 de outubro de 2011 3h 06
Carlos Alberto di Franco, doutor em Comunicação, é professor de Ética e diretor do Master em Jornalista. E-mail: difranco@iics.org.br - O Estado de S.Paulo


A população de internos da Fundação Casa de São Paulo (ex-Febem) diretamente ligada ao tráfico de entorpecentes cresceu quase 100% em comparação com 2006. O censo realizado na fundação, naquele ano, já indicava que 28% dos infratores estavam ligados ao tráfico. Neste ano, encostou na barreira dos 40%. Os indicadores são impressionantes. Conversei com a presidente da instituição, Berenice Giannella. "Há jovens que vêm de uma família estruturada", observa Giannella. "O pai e a mãe trabalham e os filhos, muitas vezes, se envolvem com o tráfico ou com o roubo porque querem ter acesso a determinados bens, como a moto e o tênis de marca."
Para Giannella, a maior presença de garotos de classe média no tráfico de drogas pode estar ligada à significativa expansão do crime. "Costumo dizer que a droga 'socializa' o crime. Hoje você tem pessoas da classe média envolvidas com o tráfico - e não apenas com o uso de drogas." O envolvimento com o narcotráfico já não é uma exclusividade das periferias e dos bolsões da exclusão social. Ele bate às portas das casas dos bairros de classe média, mostra a sua garra aos que se julgavam imunes ao seu apelo e ensombrece a alma de famílias que sucumbem ao drama da delinquência insuspeitada.
Segundo o saudoso Leo de Oliveira, fundador da Comunidade Terapêutica Horto de Deus (www.hortodedeus.org.br), em Taquaritinga, no interior do Estado de São Paulo, "crise da família, aposta na impunidade, ganho fácil e consumo garantido explicam o novo mapa do tráfico de drogas".
O tráfico oferece a perspectiva do ganho fácil e do consumo assegurado. E a sensação de impunidade - rico não vai para a cadeia - completa o silogismo da juventude delinquente.
O quadro é assustador. E a omissão do Estado torna o assunto ainda mais dramático.
Após um concerto na Sala São Paulo, fiz uma curva errada e fui parar na Cracolândia. O espetáculo de miséria humana que testemunhei deixa os personagens de Os Miseráveis, de Victor Hugo, no chinelo. A degradação é impressionante. Jovens e crianças consomem drogas, sobretudo crack, sob o olhar da autoridade policial. A Cracolândia, cujo fim foi anunciado inúmeras vezes pela Prefeitura paulistana, especialmente em época eleitoral, é uma vergonha e um atestado de incompetência das autoridades da maior cidade do País. Mas o câncer do crack se espalha por todos os municípios brasileiros.
Alguns, decepcionados com a ineficiência dos governos e apoiados numa certa ingenuidade, defendem a liberação das drogas consideradas leves, como a maconha, o ecstasy ou as anfetaminas. Caso adotássemos os princípios advogados pelos defensores da liberação, o Brasil estaria entrando, com o costumeiro atraso, na canoa furada da experiência europeia. A Holanda, que foi pioneira ao autorizar a abertura de cafés onde era permitido consumir maconha e haxixe, já está retificando essa política. O mesmo ocorre na Suíça, que também está voltando atrás na política de liberar espaços em que viciados se encontram para injetar heroína fornecida pelo próprio governo. Um amigo jornalista, irônico e inteligente, deixou cair a pergunta que paira na cabeça de muita gente: será que Fernandinho Beira-Mar forneceria ao governo a maconha que seria repassada aos usuários?
Todos sabem que, assim como não existe meia gravidez, também não há meia dependência. É raro encontrar um consumidor ocasional. Existe, sim, usuário iniciante, mas que, muito cedo, se transforma em dependente crônico. Afinal, a compulsão é a principal característica do adicto. Um cigarro da "inofensiva" maconha preconizada pelos arautos da liberação pode ser o passaporte para uma overdose de cocaína. Transcrevo, caro leitor, o depoimento de um dependente químico. Ele fala com a experiência de quem esteve no fundo do poço.
"Sou filho único. Talvez porque meus pais não pudessem ter outros filhos me cercavam de mimos e realizavam todas as minhas vontades. Aos 12 anos comecei a fumar maconha, aos 17 comecei a cheirar cocaína. E perdi o controle. Fiz um tratamento psiquiátrico, fiquei nove meses tomando medicamentos e voltei a fumar maconha. Nessa época já cursava medicina e convenci os meus pais de que a maconha fazia menos mal que o cigarro comum. Meus argumentos estavam alicerçados em literatura e publicações científicas. Eles mal sabiam que estavam sendo enganados, pois, além de cheirar, também passei a injetar cocaína e dolantina, que é um opiáceo. Sofri uma overdose e somente não morri porque estava dentro de um hospital, que é o meu local de trabalho. Após essa fatalidade decidi me internar numa comunidade terapêutica e hoje, graças a Deus, estou sóbrio. O uso moderado de maconha sempre acabava nas drogas injetáveis. Somente a sobriedade total, inclusive do álcool, me devolveu a qualidade de vida que não pretendo trocar nem por uma simples cerveja ou uma dose de uísque" - A. S. N, médico, Ribeirão Preto (SP).
De acordo com o respeitado especialista Ronaldo Laranjeira, professor de Psiquiatria e coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal Paulista (Unifesp), "assistimos a uma grande negligência com o tratamento da dependência química (...). Não temos apoio governamental às mais de 2 mil comunidades terapêuticas que sobrevivem do voluntariado ou de parcos recursos de doações. Não temos apoio aos grupos de autoajuda. Não damos apoio aos milhares de famílias que sofrem no seu dia a dia, buscando algum tipo de tratamento para seus parentes".
As drogas estão matando. A dependência química não admite ingenuidade. Reclama, sim, realismo e seriedade.

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