Brasil exalta cachaça, mas proíbe maconha, critica Soninha
Ana Cláudia Barros e Marcela Rocha
"Vou participar da marcha em defesa do direito de marchar", anuncia, com ironia escancarada, Soninha Francine (PPS/SP), referindo-se à Marcha da Maconha em São Paulo, marcada para este sábado (21), no vão do Masp, na Avenida Paulista. Sempre envolto em polêmica, o evento vem sendo vetado nos últimos anos graças a investidas do Ministério Público Estadual ou sofrendo restrições, como na edição de 2010, quando os participantes foram proibidos de pronunciar a palavra maconha.
Desta vez, para evitar prisões por apologia ao crime e indução ao uso de drogas, os manifestantes apelaram para um habeas corpus preventivo, mas tiveram o direito negado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
- Todo ano, em vários lugares do Brasil, ela acontece sem problemas e, em São Paulo, tem sempre um promotor, tem sempre um juiz para dizer que não pode. Eu lembro que, em alguns outros casos, os organizadores também tiveram que se precaver, se antecipar, se defender em juízo. Aí, vem uma decisão liminar de última hora, que não dá tempo de recorrer. O julgamento em si nunca acontece. É sempre essa fragilidade. Parece até que vivemos em países diferentes ou que a regra muda de Estado para Estado - reclama Soninha.
Ela explica o que entende ser a finalidade da iniciativa:
- Não tem nada de apologia ao crime. É a defesa da mudança da legislação. Você não está defendendo que as pessoas ajam contra a lei, mas que a lei seja modificada. A marcha é uma manifestação como muitas outras. É preferível que a maconha, mesmo para fins recreativos, seja vendida dentro do mundo das leis, das regras, do controle de qualidade, do controle fiscal e tudo mais. Melhor do que continuar sendo monopólio dos bandidos, que não estão nem aí para regra nenhuma, a não ser as que eles mesmo impõe.
E prossegue na defesa:
- A marcha é uma forma de tentar discutir o tema com honestidade. Não com mitos, tabus e informações deturpadas. Achar que a gente que pede a descriminalização é um bando de maconheiro que só está pensando no seu próprio bem e quer que o resto se dane. Ou que não podemos liberar a maconha porque vai ser um desastre, porque teremos um exército de zumbis pelas ruas. Não pode discutir o tema na base do terrorismo e do tabu. Tem que ser discutido como se discutem outras questões.
Para a ex-vereadora e atual titular da Superintendência do Trabalho Artesanal nas Comunidades (Sutaco), o tema vem sendo tratado ainda com hipocrisia.
- É isso que dói. Um país que exalta, que transforma em símbolos da identidade nacional outras drogas, como a cerveja e a cachaça, que se orgulha de sua cachaça e tem selo de qualidade, uma certidão de origem. É uma droga cujo abuso faz muito mal, cuja dependência é destrutiva, cujo uso indevido acarreta mortes toda semana. Toda semana morre alguém porque foi atropelado, porque foi assassinado, porque bateu o carro por causa do uso indevido de álcool. Esse mesmo país, que tem orgulho da sua cachaça, que tem orgulho do seu café, outra substância psicoativa, que coloca cerveja para patrocinar a seleção de futebol, esse mesmo país finge que tenta erradicar a maconha, coisa que ninguém conseguiu nunca no mundo, na história da humanidade. Enquanto finge que é possível erradicar a maconha, deixa os criminosos monopolizarem a produção e o comércio.
Procedência garantida
A legalização, enfatiza Soninha, evitaria o contato dos usuários com criminosos e ofereceria a eles garantia da procedência da maconha, "como temos quando compramos outros produtos. Xampu, Red Bull, o que for".
- Tenho certeza que a criminalização da produção e do comércio como tentativa de proteger a sociedade não só não protegeu, como causou muito mais danos. Por causa da criminalização, criou-se todo um poder paralelo e hoje quem nunca nem sentiu cheiro de maconha, deve ter gente assim, corre o risco de morrer num tiroteio.
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