domingo, 15 de novembro de 2009

Sérgio Cabral: pela liberação das drogas mas sob condições.


Foto: Evandro Teixeira
Cabral: "Brasil não pode virar a Walt Disney das drogas" Foto: Evandro Teixeira

Leandro Mazzini, Marcelo Migliaccio, Jornal do Brasil

RIO - De bem com a vida, mais magro para a maratona eleitoral de 2010, saboreando a vitória do Rio para os Jogos de 2016 e a última novidade – uma maior fatia de royalties para o estado no pré-sal – é difícil ver Sérgio Cabral Filho aborrecido com algum assunto. Detalhista, desde o monograma SCF na camisa aos comentários e gestos, o governador parece em ritmo de campanha: tem respostas prontas para temas espinhosos. Nesta entrevista ao JB, ele se sente à vontade para passear por cenários que rascunha e por assuntos polêmicos. Admite dificuldades em contratar policiais e, como comandante de um estado cuja maior chaga é a guerra entre a polícia e o tráfico, deixa uma polêmica: é a favor da liberalização das drogas, “desde que haja um pacto internacional”. Garante que o PT estará em sua chapa, volta a defender autonomia federativa para os estados e revela que vai dobrar a verba do fundo para o meio ambiente, com o dinheiro do pré-sal.

O senhor pretende deixar o governo com quantas UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora)?

Esse é um projeto que deu certo. Havia uma polícia que não atuava nessa filosofia que estamos atuando, tinha uma politização da polícia, extravagante; acordo com os milicianos; acordo com os traficantes, quer dizer, uma barbárie instalada no Rio. Você não desmonta isso da noite para o dia, você tem um número de efetivos, um número limitado, e a gente tem uma filosofia de que nas UPPs se coloca só policiais novos. Você tem que fazer concurso, o salário não é bom ainda. Melhorou, porque em três anos demos reajuste. O prefeito Eduardo Paes vai dar gratificação para quem está na UPP, mas a gratificação é para quem está na rua, para todos. Mas você ainda não consegue atrair para a polícia um número que nós desejaríamos.

Toda vez há um enfrentamento, como no caso do helicóptero, surgem as pessoas defendendo a tese de que a liberação das drogas reduziria esse embate que se tem no Rio. Qual é a sua opinião sobre isso?

A lógica da legislação sobre droga tem que ser discutida nos foros internacionais. Eu diria que basicamente a Organização das Nações Unidas e a Organização Mundial da Saúde, a OMS. Deve começar pela OMS, (debate) dos seus prós e contras. Acho que nessa lógica da proibição pela proibição, o resultado é uma quantidade de mortes muito maior do que se nós tivéssemos uma legislação mais inteligente, mais voltada para a vida como ela é. Essa legislação não está no arcabouço do estado de direito democrático, ela está no arcabouço comportamental, de valores, arraigados na sociedade internacional, a começar pelos Estados Unidos da América, que é a vanguarda do atraso nessa concepção atual no mundo. Hoje você já tem em muitos países europeus uma outra visão, e em alguns estados americanos - porque os Estados Unidos têm um modelo que eu sou favorável no Brasil, de autonomia federativa, onde os estados legislam sobre as suas vidas. Essa é a grande reforma do Brasil. Esse pacto federativo. Tudo isso pode vir no bojo de uma reforma da federação. A realidade econômico-social-criminal do Texas não é igual à de Ohio. No Brasil, o Rio tem a mesma legislação do Acre, quando o Acre tem problemas ambientais que o Rio de Janeiro não tem e que, portanto, teria que ter uma legislação específica. Você vai ver a Constituição, está tudo concentrado em Brasília, no Congresso Nacional. Essa é a grande desgraça do Brasil. Esse é um tema que o Brasil profundamente deve discutir, que não está na agenda da imprensa, não está na agenda de lugar nenhum.

O senhor foi senador. Debateu isso lá no Congresso?

Não só debati como fiz propostas, há projetos meus tramitando lá.

Tirando o debate político, o cidadão Sérgio Cabral é a favor da liberalização das drogas?

Sou favorável à liberação das drogas, desde que seja um pacto internacional. Senão pode o Brasil virar a Walt Disney das drogas.

Isso é um debate para a OMS?

É um debate para a OMS, tem que ser visto com toda uma estrutura legal em termos de saúde pública, de prevenção. Hoje, o que acontece? O usuário tem crises e não há uma política pública. É como o aborto, que hoje ocorre. Segundo dados do SUS, 200 mil mulheres, por ano, depois de fazer o aborto ilegal, vão ao Sistema Único de Saúde, um hospital público, para reparar danos causados por essas cirurgias. O cálculo do ministro da Saúde é que isso signifique 20% do total. O total é de 1 milhão de abortos por ano. Ora, seu sou a favor do aborto? Claro que não. Quem é a favor do aborto? Ninguém! Sou a favor do direito da mulher ter uma estrutura pública. Tenho cinco filhos, amo meus filhos, Deus me livre, não torço para que nenhuma mulher faça aborto. Agora, por favor, a realidade, a vida como ela é, é que 1 milhão de mulheres, todo ano, fazem aborto. Ora, a mulher da classe média alta vai numa clínica clandestina, onde as autoridades daquela localização sabem que ela existe e sabe Deus como é que mantém aquilo. Agora, as meninas e as mulheres da pobreza, que é a grande maioria do povo brasileiro, vão onde, fazem onde?

O senhor disse que não há política pública em algumas situações de tratamento de drogas, mas aqui no Rio o crack está entrando pesado e há fatos graves.

Em São Paulo já entrou, infelizmente, há dois anos...

E está vindo para o Rio... O Rio tem condições de bancar o tratamento para essas pessoas? O pai do rapaz viciado que recentemente matou uma amiga acusou o estado de não dar suporte para internação.

Não é verdade. Há várias clínicas com as quais o governo do estado faz convênios. A gente busca conveniar clínicas e instituições que já fazem tratamento. Vou dar um exemplo de um trabalho lindo que a gente faz com um pastor da Assembleia de Deus, o Isaias Maciel. A gente está fazendo um trabalho com ele e várias clínicas, e a prefeitura do Rio também começou a fazer. Um trabalho de repressão.

(Colaborou João Batista de Araújo)

21:57 - 14/11/2009

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