Fernando Capez[1]
Outubro/2009
Tema bastante polêmico e que tem gerado ampla discussão no meio acadêmico e social reside na busca de alternativas viáveis para o combate ao tráfico e consumo de drogas, por força do fracasso na atual política nacional e internacional de prevenção e repressão a esses dois grandes males que assolam a nossa sociedade neste milênio, os quais vêm assumindo proporções devastadoras.
Algumas soluções são propostas para debelar o problema, entre elas a descriminalização da posse de drogas para consumo pessoal, em especial da maconha, sob o argumento de que o usuário deve ser tratado e não apenado, tal como ocorre com os dependentes de álcool e tabaco.
Frise-se, no entanto, que nossa legislação não pune aquele que consome substância entorpecente, devendo essa questão ser analisada com maior reflexão à luz do que dispõe a Lei n. 11.343/2006, a chamada Lei de Drogas. O art. 28 dessa lei prevê que “Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1.º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica” (grifo nosso).
Como se percebe, em momento algum a lei criminaliza a conduta de usar a droga, mas tão somente sua detenção ou manutenção para consumo pessoal. Tutela-se, aqui, o interesse da coletividade, muito mais que o do próprio usuário, pois o que se pretende coibir é o perigo de circulação da substância, resultante de sua aquisição, depósito ou manutenção pelo agente. A lei não incrimina o uso, pois o bem jurídico aqui violado é exclusivamente a saúde do próprio consumidor da droga, e nosso ordenamento jurídico não admite que alguém receba uma punição criminal por ter, unicamente, feito mal a si mesmo. Trata-se do princípio constitucional da alteridade ou transcendentalidade, segundo o qual nenhuma lei pode punir alguém por fazer mal à própria saúde. O Direito Penal só pode tutelar bens jurídicos de terceiros, jamais punir o indivíduo que agride a si próprio.
Dessa maneira, o que se quer evitar é o perigo social que representa a detenção ilegal da substância, ainda que para consumo pessoal, ante a possibilidade de sua circulação, com a consequente disseminação.
Note-se que, muito embora não haja mais qualquer possibilidade de imposição de pena privativa de liberdade para aquele que pratique uma das condutas do art. 28, o fato continuou a ter natureza de crime. Sobre o tema, a 1.ª T. do Supremo Tribunal Federal (STF) já teve a oportunidade de se manifestar no sentido de que não houve abolitio criminis, mas apenas “despenalização”, entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade (STF, 1.ª T., RE n. 430105 QO/RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 13.2.2007, DJU de 27.4.2007, p. 69).
Pretende-se, agora, que as condutas previstas no art. 28 da lei deixem de ser consideradas ilícitas.
Ocorre que a descriminalização, ao contrário do que se pensa, surtirá o efeito deletério de estimular o consumo de drogas e o narcotráfico.
Não podemos esquecer que o Direito Penal assume importante papel de estimular ou desestimular comportamentos sociais, de modo que, no instante em que ele deixa de considerar crime a posse de drogas para consumo pessoal, muitos se sentirão à vontade para “experimentar” a substância e se tornarem usuários/dependentes, levando, portanto, o indivíduo a uma postura individualista, com grave perigo social. Quem lucrará com isso? A sociedade? Claro que não. Quem sairá ganhando, fatalmente, será a rede mundial de traficantes, que forma a base da criminalidade organizada.
Muito embora se afirme que o objetivo da descriminalização é o de tratar e não punir o usuário de droga, é bom que se tenha presente que a Lei n. 11.343/2006 não impôs qualquer pena privativa de liberdade àquele que adquire ou possui substância entorpecente e, além disso, trouxe um amplo programa de prevenção e combate ao consumo de drogas. Além do que, quando se assevera que o usuário deve ser tratado e não apenado, encara-se o problema de uma forma isolada, esquecendo-se de que o que se tutela não é somente a saúde daquele, mas justamente a proteção da saúde coletiva. Trata-se de um bem maior que extrapola a esfera individual do cidadão.
Aliás, a questão da descriminalização ou não da posse de substância entorpecente não pode mais ser analisada apenas sob o enfoque da saúde do usuário, por envolver questões muito mais abrangentes e complexas, dado o impacto que essa medida poderá gerar no meio social, econômico etc. Basta que se tenha presente o fato de, quanto maior o número de usuários, maiores serão os gastos do sistema público de saúde, maiores serão os crimes perpetrados para angariar dinheiro para a compra da droga e maior será o poder das organizações criminosas.
Desse modo, a descriminalização não resolve o problema do consumo de drogas nem elimina o narcotráfico.
Num País como o Brasil, no qual é patente a deficiência na formação educacional, moral e religiosa de suas crianças e adolescentes, fica difícil sustentar a descriminalização da posse de drogas para uso pessoal, em especial da maconha, pois, com isso, o Estado estará tornando ainda mais fácil o acesso da juventude a uma substância que, ao lado do álcool, como é cediço, traz efeitos nefastos à saúde.
Quando se fala em descriminalização, pensa-se, de maneira individual, na figura do usuário e esquece-se dos motivos sociais que levam à proibição legal, como a proteção da saúde e da segurança pública.
Mencione-se, ainda, a existência dos que defendem que, ao lado da descriminalização das condutas previstas no art. 28 da lei, também deve ser operada a legalização da droga, em especial da maconha. Com essa medida, viabilizar-se-ia a venda lícita da substância entorpecente, estrangulando a grande fonte de renda das organizações criminosas que é o narcotráfico.
Sucede que toda política em relação a qualquer substância danosa à saúde, lícita ou ilícita, deve priorizar a redução do seu consumo. Muito embora o Estado permita a aquisição de bebidas alcoólicas e tabaco, percebe-se o crescimento de uma política que progride no sentido da intolerância a tais drogas lícitas (por exemplo: Lei Antifumo).
Levando-se em conta, ainda, que a venda legal não impediu o comércio de bebidas e de cigarros falsificados nem tampouco o seu contrabando, quem garante que, com a legalização, o narcotráfico não será mantido paralelamente?
Por todos esses motivos, o consumo e o tráfico de drogas são os dois grandes males que desafiam a nossa sociedade, mas que não podem ser debelados com a descriminalização das condutas previstas no art. 28 da Lei n. 11.343/2006 ou com a legalização da maconha, assumindo, pelo contrário, o Direito Penal, com o seu aparato, importante papel de nortear os comportamentos sociais e desestimular as condutas danosas à coletividade.
[1] Deputado Estadual e Professor de Direito Penal.
Como citar este artigo:
CAPEZ, Fernando. Impossibilidade da Legalização da Maconha. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, out. 2009. Disponível em: <www.damasio.com.br>.
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