Revista Época
qua , 12/5/2010
Ricardo Mendonça1 Tags: crack, Dilma Rousseff, maconha, Mauricio Fiore
Na sua primeira entrevista como candidada oficial do PT à presidência, em fevereiro, Dilma Rousseff falou à revista ÉPOCA sobre sua grande preocupação com o crack, droga que se alastra pelo país: “Não acho que podemos tratar da droga com descriminalização. Estou muito preocupada com o crack. Crack mata, é muito barato e está entrando em toda periferia e nas pequenas cidades”, disse.
Em entrevistas para outros veículos impressos, no rádio e na TV, como na conversa com o apresentador José Luiz Datena, Dilma voltou a falar sobre crack. Seu posicionamento, a promessa de “enfrentar essa ameaça com autoridade, carinho e apoio”, também aparece no site da candidata. E agora, reaparece constantemente na TV, numa propaganda política veiculada desde o Dia das Mães. Cercada por outras mulheres, Dilma concova a sociedade para “vencer a luta” contra o crack (assista ao vídeo abaixo)
É difícil encontrar alguém que discorde dos perigos associados ao crack e do aumento de sua penetração no interior do país. Mesmo assim, o crack está longe de ser a droga mais consumida no Brasil. Também não parece ter sido alvo prioritário de uma política do governo Lula com força para virar propaganda eleitoral, como é o Bolsa Família ou o PAC. A dúvida é: por que Dilma tem dado tanta ênfase ao assunto?
No meio político, circulam duas hipóteses. A primeira é que o tema serve para associar a imagem de Dilma ao público que atualmente mais apresenta rejeição a sua candidatura: as mulheres, em especial as de meia idade, potenciais mães de adolescentes sujeitos a cair no vício. O segundo motivo seria criar um embaraço para seu principal adversário, o tucano José Serra. É razoável supor que o assunto droga tenha se tornado um pouco mais espinhoso para Serra depois que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso passou a defender a descriminalização da maconha. A atual posição de FHC, completamente diferente daquela implementada por seu governo (1995-2002), é defendida por alguns dos estudiosos mais sérios da área. Devido à conhecida carga de preconceito que envolve o assunto droga em diversos ambientes, porém, trata-se uma posição difícil de ser explicada em campanha eleitoral.
O que os especialistas em drogas têm achado dessa, digamos, “overdose de crack” na campanha de Dilma? Falei com um deles, o antropólogo Mauricio Fiore, pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos. Eis sua opinião:
“O crack, hoje, é a droga que mais assusta mesmo, superando até a cocaína, que é bem mais disseminada. Agora, uma coisa é o que os políticos costumam falar sobre drogas em campanhas eleitorais, outra é a política de drogas que adotam em seus governos. A abordagem de Dilma parece populista e conservadora. Se for mesmo só um contraponto eleitoreiro e oportunista à posição de FHC, é lamentável, péssimo sinal. Se Dilma vencer e quiser dar essa ênfase toda ao assunto no governo, terá que tomar cuidado para não cair na tentação populista de adotar uma política autoritária. O primeiro erro seria criar uma rede compulsória de internação. A rede de internação cresceu no governo Lula, é verdade, e precisa crescer mais. Mas a política não pode descambar para a internação industrial, sem critério, tendência preocupante que já pode ser observada em alguns lugares, como São Paulo. Isso não resolve. O segundo desafio é rejeitar qualquer tentativa de aumento da criminalização. A pena para qualquer tipo de tráfico, hoje, é de 5 a 15 anos. Há projetos no Congresso que estabelecem o dobro para o tráfico de crack. Aceitar esse caminho fácil seria outro erro. Isso foi feito há 20 anos nos Estados Unidos e não deu certo. Lotaram as prisões, principalmente de jovens negros, mas o consumo e o tráfico não caiu. Agora, perceberam o erro e já estão recuando.”
qua , 12/5/2010
Ricardo Mendonça1 Tags: crack, Dilma Rousseff, maconha, Mauricio Fiore
Na sua primeira entrevista como candidada oficial do PT à presidência, em fevereiro, Dilma Rousseff falou à revista ÉPOCA sobre sua grande preocupação com o crack, droga que se alastra pelo país: “Não acho que podemos tratar da droga com descriminalização. Estou muito preocupada com o crack. Crack mata, é muito barato e está entrando em toda periferia e nas pequenas cidades”, disse.
Em entrevistas para outros veículos impressos, no rádio e na TV, como na conversa com o apresentador José Luiz Datena, Dilma voltou a falar sobre crack. Seu posicionamento, a promessa de “enfrentar essa ameaça com autoridade, carinho e apoio”, também aparece no site da candidata. E agora, reaparece constantemente na TV, numa propaganda política veiculada desde o Dia das Mães. Cercada por outras mulheres, Dilma concova a sociedade para “vencer a luta” contra o crack (assista ao vídeo abaixo)
É difícil encontrar alguém que discorde dos perigos associados ao crack e do aumento de sua penetração no interior do país. Mesmo assim, o crack está longe de ser a droga mais consumida no Brasil. Também não parece ter sido alvo prioritário de uma política do governo Lula com força para virar propaganda eleitoral, como é o Bolsa Família ou o PAC. A dúvida é: por que Dilma tem dado tanta ênfase ao assunto?
No meio político, circulam duas hipóteses. A primeira é que o tema serve para associar a imagem de Dilma ao público que atualmente mais apresenta rejeição a sua candidatura: as mulheres, em especial as de meia idade, potenciais mães de adolescentes sujeitos a cair no vício. O segundo motivo seria criar um embaraço para seu principal adversário, o tucano José Serra. É razoável supor que o assunto droga tenha se tornado um pouco mais espinhoso para Serra depois que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso passou a defender a descriminalização da maconha. A atual posição de FHC, completamente diferente daquela implementada por seu governo (1995-2002), é defendida por alguns dos estudiosos mais sérios da área. Devido à conhecida carga de preconceito que envolve o assunto droga em diversos ambientes, porém, trata-se uma posição difícil de ser explicada em campanha eleitoral.
O que os especialistas em drogas têm achado dessa, digamos, “overdose de crack” na campanha de Dilma? Falei com um deles, o antropólogo Mauricio Fiore, pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos. Eis sua opinião:
“O crack, hoje, é a droga que mais assusta mesmo, superando até a cocaína, que é bem mais disseminada. Agora, uma coisa é o que os políticos costumam falar sobre drogas em campanhas eleitorais, outra é a política de drogas que adotam em seus governos. A abordagem de Dilma parece populista e conservadora. Se for mesmo só um contraponto eleitoreiro e oportunista à posição de FHC, é lamentável, péssimo sinal. Se Dilma vencer e quiser dar essa ênfase toda ao assunto no governo, terá que tomar cuidado para não cair na tentação populista de adotar uma política autoritária. O primeiro erro seria criar uma rede compulsória de internação. A rede de internação cresceu no governo Lula, é verdade, e precisa crescer mais. Mas a política não pode descambar para a internação industrial, sem critério, tendência preocupante que já pode ser observada em alguns lugares, como São Paulo. Isso não resolve. O segundo desafio é rejeitar qualquer tentativa de aumento da criminalização. A pena para qualquer tipo de tráfico, hoje, é de 5 a 15 anos. Há projetos no Congresso que estabelecem o dobro para o tráfico de crack. Aceitar esse caminho fácil seria outro erro. Isso foi feito há 20 anos nos Estados Unidos e não deu certo. Lotaram as prisões, principalmente de jovens negros, mas o consumo e o tráfico não caiu. Agora, perceberam o erro e já estão recuando.”
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